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Capital

"Pane seca" pode ser a causa de acidente com avião de Huck e Angélica

Antonio Marques | 01/06/2015 09:47
Acidente aéreo na manhã de domingo mobilizou equipes do Corpo de Bombeiros e da Base Aérea (Foto: Fernando Antunes/Arquivo)
Acidente aéreo na manhã de domingo mobilizou equipes do Corpo de Bombeiros e da Base Aérea (Foto: Fernando Antunes/Arquivo)
Avião em que estavam Hulk, Angélica, filhos e babás. (Foto: Divulgação Site MS Táxi Aéreo)
Avião em que estavam Hulk, Angélica, filhos e babás. (Foto: Divulgação Site MS Táxi Aéreo)

"Pane seca" é a principal hipótese para o acidente com o avião que transportava a família dos apresentadores Luciano Huck e Angélica na manhã do dia 24 de maio deste ano em Campo Grande. O piloto Osmar Frattini, 52 anos, que fez o pouso forçado em uma fazenda localizada a cerca de 30 quilômetros da Capital, foi considerado herói por ter evitado uma tragédia.

Durante a semana, o Campo Grande News ouviu vários comandantes experientes e pesquisou as possíveis hipóteses que poderia ter terminado em tragédia, mas não passou de um grande susto, “um milagre” como declarou Angélica, graças à competência do piloto. A resposta de todos, “pane seca”.

O ponto inicial da reportagem foram os relatos do piloto Osmar Frattini e do co-piloto José Flávio Zanatta sobre os momentos anteriores a tocarem o solo e que obrigaram a eles realizarem os procedimentos recomendados para casos de “falha de motor em voo”, como é tipificado nas estatísticas de acidentes da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil). “Ele fez o que havia de ser feito nessas situações”, afirmou o comandante George Willian Cesar de Araripe Sucupira, 74 anos, presidente da APPA (Associação de Pilotos e Proprietários de Aeronaves), entidade nacional representante da aviação geral junto aos órgãos gestores da Aviação Civil Brasileira.

O comandante George Sucupira, que é membro do Conselho Consultivo da Anac e tem mais de 50 anos dedicados à aviação, disse que os motores do avião EMB-820C são muito mais eficientes que os convencionais. “A probalidade de pane é de longe muito menor que os demais,” explicou. Mesma afirmação feita por outros profissionais. Um deles, com mais de 30 anos de experiência, que pediu para não ser identificado por atuar no Estado, disse que esse motor foi construído para não falhar. Para eles, só um motivo provocaria uma falha, “a falta de combustível” nas turbinas.

Em julho de 2012, no interior de Minas Gerais, aconteceu um acidente muito parecido com o ocorrido em Campo Grande. Porém, o piloto de 40 anos morreu carbonizado e as outras duas pessoas a bordo tiveram ferimentos leves e uma com queimaduras. O avião era do mesmo modelo EMB-820C Navajo, porém na versão com motores a pistão e com capacidade para 4 passageiros.

De propriedade de uma empresa do Rio de Janeiro, a Microsurvey Aéreogeofísica e Consultoria Científica, a aeronave, com dois pesquisadores e o piloto, sobrevoava a região de Espinosa fazendo um aerolevantamento da área e depois seguiria para o aeroporto de Guanambi-BA, quando os motores começaram a falhar.

Segundo um dos ocupantes, ao perceber a falha em um dos motores, o piloto tentou transferir combustível para o outro motor e continuar voando, porém ao perder a altitude forçou o pouso. Como a região era de matagal, o choque com solo foi forte e o avião teve mais avarías que a aeronave da Capital.

Com o impacto, o piloto desmaiou e ficou preso às ferragens. Os dois passageiros ainda tentaram retirá-lo, mas o avião pegou fogo e não conseguiram salvá-lo. Na Anac, o acidente está registrado como baixo nível de combustível “pane seca”. Até hoje o Cenipa não disponibilizou o relatório final da investigação.

Aeronave que fez pouso forçado em Minas Gerais, em julho de 2012. Dos três ocupantes, só o piloto morreu. (Foto Divulgação site Canal Piloto)
Aeronave que fez pouso forçado em Minas Gerais, em julho de 2012. Dos três ocupantes, só o piloto morreu. (Foto Divulgação site Canal Piloto)

Navajo” - Esse modelo de aeronave é considerado um das mais seguros do país entre os aviões executivos de pequeno porte, por ser bimotor e poder voar com apenas um motor. De origem norte-americana, construída pela empresa Piper Aircraft, o bimotor PI-31 “Navajo” começou a ser produzido no Brasil no início da década de 1970 pela Embraer (Empresa Brasileira de Aeronáutica S.A.). Os primeiros foram entregues em 1975, já renomeado para EMB 820 “Navajo Chieftain”, que era uma versão mais moderna que o original. Foi apelidado, posteriormente, de “Navajão”.

Durante os 25 anos em que foi produzido no Brasil, a Embraer, em parceria com a empresa Neiva, entregou 2.326 unidades do modelo. Até hoje muito presente na aviação civil, o aparelho pode ser encontrado em bom estado à venda por cerca de US$ 750 mil.

Turbo-hélice - Em 1984, a Embraer lançou nova versão do Navajo, o EMB 821 “Carajá”. Esse modelo mantinha a mesma concepção de fuselagem do Navajo, mas com alteração importante, a substituição dos dois motores a pistão Lycoming de 350 HP cada, que usavam gasolina azul, por duas turbinas Pratt Whitney de 550 SHP movidas a querosene. Esta alteração visava conquistar os clientes de táxi aéreo. O novo bimotor turbo-hélice transportava até oito passageiros. Desta forma, a velocidade máxima do avião subiu para 407 km/h e a autonomia chegou a 1.666 km. Para sair do chão é preciso uma distância de decolagem de 701 metros; e no pouso 602 metros são suficientes. A produção do Carajá foi encerrada em 1992.

Muitos Navajos foram convertidos ao padrão “Carajá”, trocando os motores a pistão pelo par de turbo-hélices. Esses aviões mantiveram o código EMB 820C, mas abandonaram o nome “Navajo”. A aeronave que fez o pouso forçado no domingo passado em Campo Grande era uma desses aviões, tanto que ainda aparece no registro da ANAC como EMB 820C “Caraja”.

Modelo EMB-820 Navajo, fabricado pela pela Embraer, é um dos mais seguros do país (Foto: Divulgacão/site Embraer)
Modelo EMB-820 Navajo, fabricado pela pela Embraer, é um dos mais seguros do país (Foto: Divulgacão/site Embraer)
Muitos Navajos foram convertidos e trocaram os motores a pistão pelo par de turbo-hélices. (Foto Divulgação/site Embraer)
Muitos Navajos foram convertidos e trocaram os motores a pistão pelo par de turbo-hélices. (Foto Divulgação/site Embraer)

Seguro - Em 2014 a Anac registou 139 acidentes no Brasil, nenhum envolveu o modelo que transportava Luciano Huck, sua família e funcionárias. Em Mato Grosso do Sul foram seis acidentes. Em dois, ocorreram mortes. Um ocorrido no dia 12 de fevereiro, em Chapadão do Sul, em que o piloto Mariano Pedro Pereira Filho, de 24 anos, ao tirar o calço do avião escorregou e encostou na hélice se ferindo gravemente, morrendo depois no hospital.

O outro aconteceu em Campo Grande, no dia 6 de dezembro, que matou o advogado Marco Túlio Murano Garcia, 44 anos, e o piloto Genêse Pereira, 55 anos. Este acidente ainda sem causa esclarecida.

Do total de acidentes no ano passado, 110 ocorridos com aeronaves convencionais; 19 com hilicópteros; 5 com aviões turbo-hélices; 4, com aeronaves a jato; e um com planador. O último registro da Anac envolvendo o modelo que fez pouso forçado na Capital é de 12 de março de 2013, no interior do estado do Pará, quando o piloto ao se aproximar da aerodrómo do município de Monte Dourado (PA) perdeu o controle da aeronave, da Fretax Taxi Aéreo, e se chocou com o solo. Além do piloto, nove passageiros morreram na queda.

Um dos pilotos explicou que os motores utilizados nesta aeronave são turbinas Pratt-Witney de 550 HP, e realmente são muito confiáveis, tendo vida útil dívida em ciclos de acionamento e horas de voo. “Em raríssimos casos falham, pois costumam queimar muito bem o combustível utilizado, mesmo em caso de contaminação, com água, sujeira, fungos”, reiterou. Para o comandante George Sucupira, com um motor apenas o avião chegaria até São Paulo, se tivesse combustível.

Bombeiros atuam no socorro das vítimas no dia 24 deste mês (Foto: Fernando Antunes/Arquivo)
Bombeiros atuam no socorro das vítimas no dia 24 deste mês (Foto: Fernando Antunes/Arquivo)

O comandante, que já trabalhou em Mato Grosso do Sul, lembrou que é preciso muita cautela para expor com precisão as causas de um evento como este. “Sempre quando ocorre um incidente ou acidente aeronáutico conclui-se que a causa refere-se a uma sucessão de pequenas falhas que resultaram no acidente ou incidente”, comentou. E que, por isso, os investigadores iniciam seus trabalhos recolhendo informações muito antes da data do voo final.

Sobre a possibilidade de a aeronave estar voando há mais de 30 anos, o comandante disse que não existe uma legislação específica que determine o tempo de serviço das aeronaves, desde que se respeite as manutenções preventivas e recomendadas pelo fabricante e Anac, porém, cada aeronave, possui uma caderneta de célula, que fica de posse da empresa proprietária, neste caso, a Mato Grosso do Sul Táxi Aéreo. Segundo ele, se nesta caderneta houver alguma menção sobre o tempo de serviço aí, sim, a dona do avião terá que respeitar o que o fabricante recomenda e determina. “Tudo vai depender da boa manutenção”, declarou.

Conforme os registros da Anac, o avião sob a matrícula PTENM, de propriedade da MS Táxi Aéreo, com capacidade para levar até nove passageiros, estava em situação regular. A data de validade do IAM (Inspeção Anual de Manutenção) venceria no próximo dia 12 de junho, e o CA (Certificado de Aeronavegabilidade) venceria 12 de junho de 2019, agora suspenso por conta da avaria causada pelo pouso forçado.

Hangar da MS Táxi Aéreo, empresa dona da aeronave que fez o pouso forçado com a família do Luciano Huck (Foto Divulgação/site MS Táxi Aéreo)
Hangar da MS Táxi Aéreo, empresa dona da aeronave que fez o pouso forçado com a família do Luciano Huck (Foto Divulgação/site MS Táxi Aéreo)

Manutenção - Um dos comandantes consultado pela reportagem, relatou que a ANAC faz vistorias nas oficinas periodicamente, porém, apenas os documentos são vistoriados e não o avião, o que pode torná-lo “uma bomba relógio” se houver “má fé” envolvendo a oficina. “Ela (oficina) pode facilmente ocultar um problema que possa estar ocorrendo em determinada aeronave e deixar de anotá-lo na caderneta, onde devem constar as informações da a vida útil dos motores, célula aviônica e hélices”, explicou.

Ele alerta que, se o piloto reportar um problema em qualquer sistema da aeronave e a oficina fizer reparo de uma peça ou componente, este serviço terá que ser registrado direto na caderneta do avião. Se o mecânico agir de má-fé ou por contenção de despesas, pode ocorrer que seja reparada uma peça que, necessariamente, deveria ser substituída. Isso apenas mascara problema. Mas para Anac estaria tudo bem, “porque ela só cumpre vistorias burocráticas”, analisando somente papel, o que não garante a segurança operacional.

No site da empresa MS Táxi Aéreo, a empresa destaca que as aeronaves são equipadas IFR (regras de voo por instrumentos) para sua maior segurança, sempre revisadas e operadas de acordo com as normas estabelecidas pela autoridade aeronáutica. Também é possível observar que a manutenção nos aviões é realizada pela empresa Hora (Hangar Ofina e Recupeção de Aviões), localizada no aeroporto Teruel, na Capital.

Agora, e se a oficina for do mesmo dono da empresa de taxi aéreo, como a Anac vai ter certeza que a manutenção das aeronaves seguem as normas estabelecidas e todas as anotações na caderneta são verdadeiras. Além da logomarca das duas empresas serem muito semelhantes, o Campo Grande News obteve informações em que o proprietário da MS Táxi Aéreo, Arlindo Dias Barbosa, também seria o representante legal da oficina Hora. Apesar de várias tentativas de falar com os donos da empresa de táxi aéreo, inclusive indo até a sede da mesma, a reportagem não obteve êxito nas solicitações de entrevista.

Hangar da oficina Hora, responsável pela manutenção dos aviões da MS Taxi Aéreo (Foto Divulgação/Facebook)
Hangar da oficina Hora, responsável pela manutenção dos aviões da MS Taxi Aéreo (Foto Divulgação/Facebook)

Investigação – Durante a semana, equipes de investigação da FAB, do Cenipa (Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos) e da Embraer estiveram no local do acidente, a 30 quilômetros do aeroporto internacional de Campo Grande ( MS), para recolher peças do sistema de combustível da aeronave. Também foram coletadas amostras do combustível, do óleo do motor e dos filtros.

Os investigadores também estiveram na sede da empresa MS Táxi Aéreo, para recolher amostras do querosene usado para abastecer a aeronave. Segundo nota da Fab, as amostras recolhidas serão levadas para o DCTA (Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial), localizado em São José dos Campos (SP).

Uma das linhas da investigação do Cenipa seria a possibilidade de adulteração ou contaminação do combustível, seguindo o relato do piloto Osmar Frattini, que a luz da bomba de combustível do motor esquerdo acendera indicando a falta do querosene e que a segunda bomba também não funcionou ao ser acionada, provocando o desligamento do motor.

O mesmo problema teria ocorrido minutos depois com o motor do lado direito que, conforme Frattini, que disse ter dado uma “rateada”, o que levou a aeronave perder altitude rapidamente se estabilizando por algum momento a 3 mil pés, o que o levou a declarar emergência à torre de controle de tráfego aéreo de Campo Grande.

Conforme o piloto, ele teve cerca de 5 minutos para definir o local para pousar, uma vez que não havia tempo para recorrer ao destino alternativo e nem ao aeroporto de Campo Grande. O co-piloto José Flávio chegou a declarar à imprensa que a causa visualmente foi “pane de bomba de combustível.” Mas em nenhum momento o piloto e o co-piloto, em suas declarações à imprensa, cogitaram a falta de querosene no avião.

Além da empresa MS Táxi Aéreo confirmar o abastecimento da aeronave, a Petrobras, por meio da BR Aviation, afirmou que abasteceu o avião modelo EMB 820 C - Caraja, prefixo PT¬EMN, no Aeroporto de Campo Grande, em 24 de maio de 2015, às 7h25. Segundo a Petrobras, as amostras do produto (JET A¬1) foram encaminhadas ao Cenipa e para testes complementares em laboratório especializado. Para afastar a hipótese de adulteração, a empresa disse que outras aeronaves foram abastecidas na mesma ocasião e não foi registrado qualquer “anomalia”.

Para o comandante George Sucupira, a hipótese de adulteração no combustível seria muito remota, considerando a eficiência das turbinas. E o piloto não teria condições de saber se o querosene presente nos tanques do avião era de boa qualidade. “A prova disso será feito na análise química em laboratório. Mas a hipótese mais provável diante das declarações dos pilotos é falta de combustível”, lembrou ele, acrescentando que se for mesmo pane seca, os investigadores já devem saber, uma vez que o avião ficou inteiro.

George Sucupira, presidente da APPA, diz que uma hipótese do pouso forçado é pane seca. (Foto Reprodução/Facebook)
George Sucupira, presidente da APPA, diz que uma hipótese do pouso forçado é pane seca. (Foto Reprodução/Facebook)

No limite - O presidente da APPA fez uma grave revelação sobre o fato de boa parte das empresas de táxi aéreo no país voarem no limite do combustível, desrespeitando as normas da Anac. Ele explicou que, seguindo a legislação, o piloto deve fazer o cálculo da quantidade de combustível antes de decolar, considerando a distância entre a origem e o destino (ida e volta), mais um destino alternativo para uma situação de emergência, e mais um tempo de 45 minutos de voo. “Porém, muitos voam no limite, geralmente”, ressaltou.

Os comandantes consultados pela reportagem foram unânimes em dizer que a hipótese mais provável foi a falta de combustível nos motores. Um deles apontou que a falta do produto poderia ocorrer por diversas causas, como o vazamento excessivo de combustível, falha real nas bombas de alimentação dos motores, falha no cálculo de abastecimento.

Essa última opção com forte evidência, considerando que o voo seria de duas etapas curtíssimas, por volta de 30 minutos cada. Assim, o peso de decolagem na fazenda Cayman, em Miranda, com seis adultos e três crianças e provavelmente muita bagagem. Esses fatores contribuíram para a escolha na quantidade de abastecimento, ou seja, optou-se por abastecer com combustível suficiente para cumprir as etapas mencionadas e mais um pouco de reserva.

Outra razão pela falta do combustível nos motores estaria o fato de a aeronave também ser antiga, e por isso ter ocorrido falha nos marcadores de combustível, que poderiam não estar 100% corretos, tudo são hipótese a serem levantadas pela investigação. Mas também disseram que é necessário aguardar o resultado das investigações do Cenipa para afirmar a causa do acidente.

Outro consenso dos comandantes é que “todo acidente não acontece no dia”. É provocado por uma série de falhas de procedimentos ao longo do tempo. Conforme um dos pilotos, os apresentadores globais Luciano Huck, Angélica e seus três filhos, as babás Marcileia Eunice Garcia, Francisca Clarice Canelo Mesquita; e dois tripulantes, o piloto Osmar Frattini e o co-piloto, José Flávio de Souza Zanatto, foram premiados por estarem no avião. Parece que o prêmio, como declarou Angélica, foi o "milagre da vida".

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