Luto coletivo reúne seis famílias com denúncias de violência obstétrica
Encontro tratou de falhas no atendimento materno-infantil e investigação contra maternidade da Capital

Entre cartazes, relatos de dor e cobranças por justiça, seis famílias que perderam filhos por negligência ou violência obstétrica participaram, na manhã desta quarta-feira (26), de audiência pública na Câmara Municipal de Campo Grande. O encontro, intitulado “Entre dor e direitos: a realidade da violência obstétrica”, discutiu falhas no atendimento materno-infantil, a criação de protocolos de prevenção e confirmou a reabertura da ação civil pública que investiga irregularidades na Maternidade Cândido Mariano.
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Seis famílias que perderam filhos por negligência ou violência obstétrica participaram de audiência pública na Câmara Municipal de Campo Grande. O encontro discutiu falhas no atendimento materno-infantil e confirmou a reabertura da ação civil pública que investiga irregularidades na Maternidade Cândido Mariano. Entre os casos relatados, destaca-se o de Elisa, que sofreu danos neurológicos graves durante o parto e faleceu em 2024, e o de Antônio Gabriel, que não resistiu após negligência médica. A ação do Ministério Público aponta 265 não conformidades na maternidade, sendo 118 críticas, incluindo problemas estruturais e documentais.
Uma das pessoas que participou foi a farmacêutica e psicóloga Vanessa Quadros dos Reis, de 46 anos, que relatou a história da filha Elisa, que nasceu na Maternidade Cândido Mariano em 8 de fevereiro de 2022, durante a pandemia. Ela diz que a equipe insistiu em um parto natural sem evolução e se ausentou da sala no período expulsivo.
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“Elisa entrou em sofrimento fetal e ficou sozinha enquanto elas tomavam café com chipa”, contou. Segundo Vanessa, a bebê sofreu encefalopatia hipóxico-isquêmica, convulsionou, passou por UTI e desenvolveu multideficiências. “Ela ficou com tetraparesia, epilepsia, síndrome de Oeste, precisou de traqueostomia e gastrostomia. Faleceu em 27 de fevereiro de 2024”.
Vanessa afirma que só depois descobriu que as profissionais envolvidas eram reincidentes. Amanhã (27), ela participa da primeira oitiva no CFM (Conselho Federal de Medicina). “Espero que o CRM se posicione para impedir que ciclos de violência se repitam".
Também presente na audiência, o servidor público Adalberto Fontoura Alves, de 39 anos, pai de Antônio Gabriel, relatou negligência. Ele explica que o bebê nasceu também na Maternidade Cândido Mariano, com cesárea marcada e pré-natal sem intercorrências.
Segundo Adalberto, o recém-nascido apresentou dificuldade respiratória logo após o parto. “Quando percebi que ele não respirava bem, chamei a enfermeira. Em minutos, ela me disse que o médico tinha ido embora”, afirmou.

O pai relata que o profissional responsável se negou a retornar, mesmo sendo plantonista e mesmo após aviso da equipe. O bebê só recebeu atendimento às 9h, quase duas horas após o nascimento, porque a plantonista estava em outro parto de alto risco. “Foi uma sucessão de negligências. Resumindo: ele foi abandonado.” Antônio Gabriel ficou cinco dias internado na UTI, mas não resistiu.
Após ficar um ano de luto e sem falar sobre o caso, Adalberto explica que conheceu outras famílias que passaram pela mesma situação e decidiu se unir à luta. “Foi um momento muito difícil”, disse. “Acabei criando forças para ajudar, para me juntar a elas, à luta delas, para buscarmos não só justiça, mas o bem-estar e a proteção de quem precisa do remédio.”
Ele explica que o grupo conta com seis famílias de crianças mortas: Levi, Kalleb, Elisa, Dante, Dudu e Antônio Gabriel, mas que já receberam denúncias de outras. Ele elaborou um dossiê sobre os casos e entregou às autoridades presentes. “Fiz um dossiê sobre todos os casos, com detalhes. Foram mais de 100 denúncias".

Discussões - O debate foi proposto pela vereadora Luiza Ribeiro (PT) e secretariado por André Salineiro (PL). Ambos relatam que receberam denúncias de pais e mães sobre violência obstétrica em seus gabinetes com frequência.
“É preciso tratar especificamente da conduta dos profissionais que atendem mulheres e crianças no momento do nascimento: primeiro, para evitar mortes, lesões e sofrimentos; e também para garantir uma relação mais humanizada. Isso envolve procedimentos médicos, claro, mas também políticas públicas estaduais, municipais e até nas unidades privadas”, disse a vereadora.
As discussões passaram pelas boas práticas de parto e pela necessidade de atendimento humanizado. A defensora pública Thais Dominato Silva Teixeira explicou que o trabalho envolve repressão, com ações indenizatórias, mas principalmente prevenção.
“A gente precisa mudar práticas, trabalhar com a formação dos profissionais e com o empoderamento das mulheres. Há procedimentos que não podem mais ser realizados”, afirmou Thais. Ela também defendeu a criação de um observatório de casos e a implantação de uma casa de parto em Campo Grande.

Já a secretária-executiva da Mulher, Angélica Fontanari, reforçou que denúncias são fundamentais para gerar responsabilização. Ela lembrou que casos de violência obstétrica podem ser reportados ao 180, central de atendimento a mulheres, e ao 136, canal do Ministério da Saúde.
“No mundo jurídico, aquilo que não está registrado não existe”, disse Angélica. “Precisamos divulgar esses canais para que as investigações avancem”, complementou a secretária-executiva da Semu (Secretaria Executiva da Mulher).
Apesar dos convites, o CRM-MS (Conselho Regional de Medicina de Mato Grosso do Sul) e o Coren-MS (Conselho Regional de Enfermagem de Mato Grosso do Sul) não enviaram representantes, segundo os vereadores.
Ação pública - Durante a audiência, representantes da OAB e mães mencionaram a reabertura da ação civil pública que apontou problemas estruturais e documentais na maternidade. Conforme já noticiado, o processo havia sido suspenso até 31 de outubro, após a instituição assumir o compromisso de corrigir falhas apontadas pela Vigilância Sanitária.
O relatório que embasou a ação, proposta pelo MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul) em 2023, apontava 265 não conformidades, sendo 118 críticas — infiltrações, fiação exposta, falta de alvarás e problemas nos centros cirúrgico e obstétrico, na UTI neonatal e em áreas de esterilização.

O promotor Marcos Roberto Dietz, da 76ª Promotoria de Justiça, confirmou que solicitou a retomada da ação. “Uma vistoria de julho deste ano mostrou que várias irregularidades persistem. O processo não está parado; já pedimos a continuidade”, afirmou.
Ele também citou outra ação que cobra ampliação de leitos neonatais e o acompanhamento da reestruturação da Rede Aline, que substitui a Rede Cegonha. “Mais importante do que criar novos canais é fazer funcionar os que já existem”, disse Marcos. “A informação chegou, e o Ministério Público pôde atuar porque esses mecanismos estão ativos”, complementou.
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