Problemas noite e dia: os gargalos do trânsito que atormentam a cidade
Nos últimos sete anos, a frota de Campo Grande teve acréscimo de 108.479 veículos
RESUMO
Nossa ferramenta de IA resume a notícia para você!
Campo Grande enfrenta caos no trânsito, especialmente nos horários de pico. Congestionamentos na saída para Três Lagoas, na Avenida Ministro João Arinos, Rua Ceará e Avenida Via Parque causam transtornos, atrasos e acidentes. Motoristas reclamam da saturação do macroanel, da lentidão e da falta de sinalização. A imprudência de alguns condutores, como furar o sinal vermelho, agrava a situação. Especialistas apontam a necessidade de rotas alternativas, melhorias na malha viária e investimentos em transporte público. O crescimento da frota de veículos, especialmente de motocicletas, contribui para o problema. O Detran-MS destaca a cultura da pressa como fator de risco e planeja campanhas educativas para motoentregadores. A falta de atenção dos motoristas é apontada como principal causa de acidentes, com destaque para o uso de celular ao volante. A médica Pietra Zorzo, do Corpo de Bombeiros, ressalta a importância do uso correto do capacete e da paciência no trânsito.
O sol nascente ilumina o caos na saída para Três Lagoas. Por volta das 6h30 de segunda-feira (dia 26), o trânsito trava diante do volume de veículos. Na Avenida Ministro João Arinos, se juntam o fluxo das pessoas que saem dos bairros na região do Maria Aparecida Pedrossian, onde há expressivo crescimento populacional, e o que vem pela BR-262.
Já no lusco-fusco, o sol poente encontra engarrafamento em importantes vias que conectam a cidade, como a Rua Ceará e a Avenida Via Parque. O resultado é fluxo parado, condutores furando o sinal vermelho para avançar alguns metros, pequenas batidas e buzinas a extravasarem o estresse.

Na saída para Três Lagoas, o eletricista Adriano Jacob, 40 anos, resume o descontentamento com um xingamento. Depois, conta que demora quase 30 minutos para chegar ao Centro e que, pela lentidão, acaba se atrasando para os compromissos.
No local, onde o trânsito urbano se integra com o fluxo da 262 e dá acesso a BR-163, o macroanel também se mostra saturado no horário de pico.
“Os caminhões atrapalham muito. O fluxo para eles deveria ser em outro sentido. Aqui não tem como andar a pé. É perigosíssimo”, diz o professor João Fremio, 43 anos.
Motorista de aplicativo e professor de natação, Leonardo Galearte conta que o engarrafamento já fez até perder entrevista de emprego. “É bem complicado. Principalmente de manhã é bem movimentado”.
O jardineiro Edilson de Almeida, 32 anos, que mora no Jardim Noroeste, afirma que é preciso abrir rota alternativa. “Para sair desse trânsito congestionado aqui”.
Evelyn Raquel, 25 anos, conta que os motociclistas ainda conseguem avançar pelo corredor formado pelos carros e caminhões parados. “É triste para passar de manhã. Só tem essa saída aqui para vários bairros, está complicado”.
O caos no trânsito a partir de 17h30
Na Rua Ceará, perto da Joaquim Murtinho, o caos no trânsito também tem hora marcada. A partir das 17h30, a rua “entope”, as buzinas se avolumam e os semáforos não conseguem dar fluidez ao tráfego.
“Aqui é bem complicado de estacionar, para você parar e comer. Não tem como, o fluxo é intenso durante o dia e de noite. Mas no fim da tarde ninguém passa. E acidente é constante, semana passada teve um bem feio”, diz a comerciante Daniele Souza, 42 anos. Há três anos, ela trabalha em um trailer de espetinho e lanche que fica na área de estacionamento, próximo ao ponto de ônibus de universidade.
A acadêmica Jéssica Barbosa, 28 anos, mora no Jardim Itatiaia e, apesar de ser próximo, sai de casa com bastante antecedência para não se atrasar. Outro problema que ela relata é a falta de estacionamento.

Para o pintor José Carlos, 59 anos, que passa diariamente pela Rua Ceará, o pior horário no trânsito é entre 17h30 e 18h. “Eu procuro sair cedo e não ficar na correria, porque não adianta”.
O vendedor Rulyan Lechner, 23 anos, mede o impacto da lentidão no tempo de deslocamento. Ele mora no Bairro São Jorge da Lagoa e leva, em média, 40 minutos para chegar ao serviço, na Rua Ceará. No retorno para casa, demora 1 hora. Portanto, acréscimo de 20 minutos.
“Aqui acontece muito acidente, principalmente porque não tem sinalização e o pessoal usa muito essa rua para virar, fazer a curva”, diz o jovem, ao mencionar o cruzamento da Ceará com a Rua Luís Freire Benchetrit.
Numa tentativa de melhorar o fluxo, a rotatória das avenidas Mato Grosso e Nelly Martins (conhecida como Via Parque) foi semaforizada em 2017, com investimento de R$ 1,6 milhão. Oito anos depois, o trecho volta a dar sinais de saturação.
O militar Arthur Vinícius, 23 anos, conta que diariamente passa pelo local para buscar a namorada. Mas trocou o carro pela motocicleta para agilizar o trajeto. Ele mora no Bairro Monte Castelo e demora 40 minutos no deslocamento.
“Principalmente nessa rotatória, o trânsito fica bem difícil, por mais que você tenha o semáforo. Não respeitam. O pessoal que está vindo pela Nelly Martins não para. Principalmente de moto”, diz Arthur.
Ele destaca que a malha viária precisa de melhorias para acompanhar o crescimento de Campo Grande. “A cidade cresce, mas o trânsito está ficando mais lento por causa dos buracos. A pessoa não pode andar rápido porque qualquer buraquinho já está furando pneu, estragando uma roda. Dá um prejuízo”.
A Agetran (Agência Municipal de Transporte e Trânsito) informa que a equipe técnica está em fase de estudo nas regiões para saber quais melhorias são cabíveis.
Foco nos motoentregadores
De 2021 até agora, Campo Grande contabiliza 1.872.950 infrações de trânsito. Sendo 681.783 por transitar em velocidade superior à máxima permitida em 20%. Na análise da diretora de Educação para o Trânsito do Detran/MS (Departamento Estadual de Trânsito), Andréa Moringo da Silva, o ranking reflete a cultura da pressa.
“É o estilo de vida ao que as pessoas se submetem. Assumimos vários compromissos. Temos que desacelerar no trânsito e na vida cotidiana”, afirma Andréa.
A partir de junho, o departamento vai ter campanha específica para os motoentregadores. “Muitas vezes, eles recebem pelo número de entregas e acabam agindo de forma imprudente. Ultrapassam pela direita, passam pelo corredor, circulam pela calçada”, diz a diretora.
Sobre o corredor, ela explica que essa circulação de motocicleta no espaço entre os demais veículos só é permitida quando o semáforo está vermelho. Com os carros parados, as motos podem se deslocar pelo corredor até a área exclusiva de espera em frente ao sinal.
Mas a série histórica do ranking de notificações também traz surpresas. A sexta multa mais aplicada é por não usar cinto de segurança. Uma exigência que vem desde 1997, quando foi instituído o CTB (Código de Trânsito Brasileiro). Apesar de tanto tempo, ainda há quem ache que o cinto é uma exigência apenas para o condutor.
Nos últimos sete anos, a frota de Campo Grande teve acréscimo de 108.479 veículos. Em 2018, eram 571.282. Agora, a frota é de 679.761 veículos. Considerando a população de 954.537, conforme dado do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), é um veículo para cada 1,4 habitante da Capital.
No período, o aumento de motocicletas foi expressivo: 21%. O total passou de 126.474 para 153.493. Segundo o Detran, Campo Grande registrou 8.549 acidentes em 2025, sendo 1.655 envolvendo motociclistas.
A batalha diária pelas ruas
Das 6h às 22h nas ruas de Campo Grande, o motoboy Matheus Gonzalez Brito, 26 anos, relata uma batalha por espaço nas vias da cidade, potencializada por condutores desatentos.
Atualmente, o maior risco para a categoria é o motorista desatento ao trânsito. Muitas vezes no celular, passando maquiagem, comendo durante a direção, invadindo constantemente a faixa onde se encontram os veículos de menor tamanho. Grande parte dos motoristas de carro não sinaliza ao mudar de faixa, vira sem dar seta”, diz Matheus.
Para ele, o estresse das ruas é agravado pelo preconceito. “Sofremos não só no trânsito, mas nos comércios onde somos discriminados. Muitas vezes não temos acesso a banheiros e água potável. Infelizmente, nossa categoria não tem apoio nenhum. Estamos perdendo jovens e pais de famílias todos os dias para um trânsito violento e mal sinalizado. Cheio de buracos e semáforos que vivem sem funcionar”, reclama o motoboy.

Na rotina das entregas, a remuneração, em geral, tem duas modalidades. Pagamento fixo de R$ 120 por quatro horas de trabalho e há quem receba um valor a cada entrega. Os primeiros são considerados mais calmos no trânsito, diante do dinheiro certo. Enquanto os segundos são vistos como a galera que coloca a taxa na frente da vida. Porque quanto mais entrega pelo aplicativo, mais dinheiro.
“A questão mais séria no trânsito é a falta de atenção. Hoje em dia, o pessoal está parecendo um zumbi. Não soltam o celular por porcaria nenhuma. Nem mesmo para dirigir. Nem mesmo para pilotar uma moto. Um segundo de bobeira causa o acidente. O Detran deveria multar quem está usando celular no trânsito”, diz o motoboy Fábio Carvalho de Oliveira, 29 anos.
“Não adianta ter pressa e não chegar”

Os recentes acidentes fatais no trânsito de Campo Grande seguem na memória de Pietra Zorzo, médica e primeiro-tenente do Corpo de Bombeiros. Ela trabalha na Ursa, a unidade de resgate e suporte avançado que é uma UTI (Unidade de Terapia Intensiva) sobre rodas.
Os ferimentos mais comuns em acidentes envolvendo motociclistas são membros inferiores e traumatismo craniano.
“A importância do capacete é imensa. Ele vai proteger a cabeça do motociclista. Deve ser usado com a viseira fechada e bem ajustado. Porque na hora da colisão, se não estiver bem preso, o capacete pode voar e acaba não protegendo. O uso de maneira adequada pode salvar vidas. Já vi pacientes em estado muito grave porque caiu e o capacete voou por não estar bem fixado”, alerta a médica.
Além do capacete, ela destaca que a pressa nem sempre será garantia de chegar a tempo.
Não adianta a gente ter pressa e não chegar. Tem que ter paciência, o trânsito tem momentos de pico, que é quando acontece o maior número de acidentes. A principal causa é desatenção. Eu atendi acidentes graves, que marcaram agora em maio, e que foram por falta de atenção e cuidado. É muito triste. É melhor chegar atrasado do que não chegar”, diz a tenente.
Desde 2021, o Corpo de Bombeiros lidera o Projeto Pilotar Seguro, por meio da equipe do serviço do motossocorro. Os motociclistas recebem orientações teóricas sobre direção defensiva e colocam os conhecimentos em prática em uma pista de teste.
Levantamento da corporação mostra que o Centro da Capital é onde mais acontecem as colisões, seguido por bairros como Amambaí, Tijuca, Nova Lima, Monte Castelo e Coronel Antonino. Os dias da semana de maior incidência de acidentes de trânsito são sexta-feira e sábado.
Mobilidade urbana: calçada, ciclovia e ônibus

Pesquisadora sobre mobilidade urbana e coordenadora do curso de Engenharia Civil da UCDB (Universidade Católica Dom Bosco), Rocheli Carnaval Cavalcanti destaca o papel das calçadas na cidade.
“Pensando em mobilidade urbana, calçadas bem conservadas facilitam o deslocamento, evitam acidentes e promovem uma convivência mais agradável entre pedestres, ciclistas e condutores de veículos. Além disso, calçadas em bom estado contribuem para a estética urbana, valorizam nossa cidade, incentivam o comércio local e trazem bem-estar aos moradores. Portanto, investir na manutenção e melhoria das calçadas é fundamental para uma cidade mais segura, acessível e acolhedora”, diz a pesquisadora.
A ciclovia também é apontada como uma estratégia inteligente para tornar Campo Grande mais moderna, sustentável e com melhor qualidade de vida. “A cidade já enfrenta desafios relacionados ao trânsito intenso em determinados horários. As ciclovias oferecem uma alternativa sustentável e saudável para o deslocamento diário. Elas incentivam o uso de bicicletas, que ajudam a reduzir veículos nas ruas, diminuindo o congestionamento e melhorando a qualidade do ar”, afirma Rocheli.
Para o transporte coletivo se tornar atraente aos passageiros, diante da substituição pelas motocicletas e veículos por aplicativo, as mudanças precisam ser profundas. Como ônibus com ar-condicionado, internet, pontualidade e preço acessível.
“Não é fácil, mas seria muito compensador e melhoraria demais a mobilidade urbana de Campo Grande, que já dá sinais de trânsito critico em muitos pontos e horários”, reforça a pesquisadora.
Receba as principais notícias do Estado pelo Whats. Clique aqui para acessar o canal do Campo Grande News e siga nossas redes sociais.