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Problemas noite e dia: os gargalos do trânsito que atormentam a cidade

Nos últimos sete anos, a frota de Campo Grande teve acréscimo de 108.479 veículos

Por Aline dos Santos, Gabi Cenciarelli e Jéssica Fernandes | 27/05/2025 11:53


Problemas noite e dia: os gargalos do trânsito que atormentam a cidade
A 2ª feira começa começa com engarrafamento na saída para Três Lagoas. (Foto: Marcos Maluf)

RESUMO

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Campo Grande enfrenta caos no trânsito, especialmente nos horários de pico. Congestionamentos na saída para Três Lagoas, na Avenida Ministro João Arinos, Rua Ceará e Avenida Via Parque causam transtornos, atrasos e acidentes. Motoristas reclamam da saturação do macroanel, da lentidão e da falta de sinalização. A imprudência de alguns condutores, como furar o sinal vermelho, agrava a situação. Especialistas apontam a necessidade de rotas alternativas, melhorias na malha viária e investimentos em transporte público. O crescimento da frota de veículos, especialmente de motocicletas, contribui para o problema. O Detran-MS destaca a cultura da pressa como fator de risco e planeja campanhas educativas para motoentregadores. A falta de atenção dos motoristas é apontada como principal causa de acidentes, com destaque para o uso de celular ao volante. A médica Pietra Zorzo, do Corpo de Bombeiros, ressalta a importância do uso correto do capacete e da paciência no trânsito.

O sol nascente ilumina o caos na saída para Três Lagoas. Por volta das 6h30 de segunda-feira (dia 26), o trânsito trava diante do volume de veículos. Na Avenida Ministro João Arinos, se juntam o fluxo das pessoas que saem dos bairros na região do Maria Aparecida Pedrossian, onde há expressivo crescimento populacional, e o que vem pela BR-262.

Já no lusco-fusco, o sol poente encontra engarrafamento em importantes vias que conectam a cidade, como a Rua Ceará e a Avenida Via Parque. O resultado é fluxo parado, condutores furando o sinal vermelho para avançar alguns metros, pequenas batidas e buzinas a extravasarem o estresse.

Problemas noite e dia: os gargalos do trânsito que atormentam a cidade
João Fremio aponta que o macroanel não comporta mais o fluxo no horário de pico. (Foto: Marcos Maluf)

Na saída para Três Lagoas,  o eletricista Adriano Jacob, 40 anos, resume o descontentamento com um xingamento. Depois, conta que demora quase 30 minutos para chegar ao Centro e que, pela lentidão, acaba se atrasando para os compromissos.

No local, onde o trânsito urbano se integra com o fluxo da 262 e dá acesso a BR-163, o macroanel também se mostra saturado no horário de pico.

“Os caminhões atrapalham muito. O fluxo para eles deveria ser em outro sentido. Aqui não tem como andar a pé. É perigosíssimo”, diz o professor João Fremio, 43 anos.

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"É bem complicado", reclama Leonardo sobre trânsito na Avenida João Arinos. (Foto: Marcos Maluf)

Motorista de aplicativo e professor de natação, Leonardo Galearte conta que o engarrafamento já fez até perder entrevista de emprego. “É bem complicado. Principalmente de manhã é bem movimentado”.

O jardineiro Edilson de Almeida, 32 anos, que mora no Jardim Noroeste, afirma que é preciso abrir rota alternativa. “Para sair desse trânsito congestionado aqui”.

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Carros, pedestres e caminhões na saída para Três Lagoas. (Foto: Marcos Maluf)

Evelyn Raquel, 25 anos, conta que os motociclistas ainda conseguem avançar pelo corredor formado pelos carros e caminhões parados. “É triste para passar de manhã. Só tem essa saída aqui para vários bairros, está complicado”.

O caos no trânsito a partir de  17h30

Problemas noite e dia: os gargalos do trânsito que atormentam a cidade
Fila de veículo se forma na Rua Ceará a partir das 17h30. (Foto: Osmar Veiga)

Na Rua Ceará, perto da Joaquim Murtinho, o caos no trânsito também tem hora marcada. A partir das 17h30, a rua “entope”, as buzinas se avolumam e os semáforos não conseguem dar fluidez ao tráfego.

 “Aqui é bem complicado de estacionar, para você parar e comer. Não tem como, o fluxo é intenso durante o dia e de noite. Mas no fim da tarde ninguém passa. E acidente é constante, semana passada teve um bem feio”, diz a comerciante Daniele Souza, 42 anos. Há três anos, ela trabalha em um trailer de espetinho e lanche que fica na área de estacionamento, próximo ao ponto de ônibus de universidade.

 A acadêmica Jéssica Barbosa, 28 anos, mora no Jardim Itatiaia e, apesar de ser próximo, sai de casa com bastante antecedência para não se atrasar. Outro problema que ela relata é a falta de estacionamento.

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"E acidente é constante, semana passada teve um bem feio", diz Daniele sobre a Rua Ceará. (Foto: Osmar Veiga

Para o pintor José Carlos, 59 anos, que passa diariamente pela Rua Ceará, o pior horário no trânsito é entre 17h30 e 18h. “Eu procuro sair cedo e não ficar na correria, porque não adianta”.

O vendedor Rulyan Lechner, 23 anos, mede o impacto da lentidão no tempo de deslocamento. Ele mora no Bairro São Jorge da Lagoa e leva, em média, 40 minutos para chegar ao serviço, na Rua Ceará. No retorno para casa, demora 1 hora. Portanto, acréscimo de 20 minutos.

 “Aqui acontece muito acidente, principalmente porque não tem sinalização e o pessoal usa muito essa rua para virar, fazer a curva”, diz o jovem, ao mencionar o cruzamento da Ceará com a Rua Luís Freire Benchetrit.

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Fim do dia é horário de pico para o trãnsito na Rua Ceará. (Foto: Osmar Veiga)

Numa tentativa de melhorar o fluxo, a rotatória das avenidas Mato Grosso e Nelly Martins (conhecida como Via Parque) foi semaforizada em 2017, com investimento de R$ 1,6 milhão. Oito anos depois, o trecho volta a dar sinais de saturação.

O militar Arthur Vinícius, 23 anos, conta que diariamente passa pelo local para buscar a namorada. Mas trocou o carro pela motocicleta para agilizar o trajeto. Ele mora no Bairro Monte Castelo e demora 40 minutos no deslocamento.

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Rotatória semaforizada da Mato Grosso com a Via Parque. (Foto: Osmar Veiga)

 “Principalmente nessa rotatória, o trânsito fica bem difícil, por mais que você tenha o semáforo. Não respeitam. O pessoal que está vindo pela Nelly Martins não para. Principalmente de moto”, diz Arthur.

Ele destaca que a malha viária precisa de melhorias para acompanhar o crescimento de Campo Grande. “A cidade cresce, mas o trânsito está ficando mais lento por causa dos buracos. A pessoa não pode andar rápido porque qualquer buraquinho já está furando pneu, estragando uma roda. Dá um prejuízo”.

A  Agetran (Agência Municipal de Transporte e Trânsito) informa que a equipe técnica está em fase de estudo nas regiões para saber quais melhorias são cabíveis.

Foco nos motoentregadores

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Trabalhadores durante motociata em 31 de março, na Avenida Afonso Pena. (Foto: Henrique Kawaminami)

De 2021 até agora, Campo Grande contabiliza 1.872.950 infrações de trânsito. Sendo 681.783 por transitar em velocidade superior à máxima permitida em 20%. Na análise da diretora de Educação para o Trânsito do Detran/MS (Departamento Estadual de Trânsito), Andréa Moringo da Silva, o ranking reflete a cultura da pressa.

 “É o estilo de vida ao que as pessoas se submetem. Assumimos vários compromissos. Temos que desacelerar no trânsito e na vida cotidiana”, afirma Andréa.

 A partir de junho, o departamento vai ter campanha específica para os motoentregadores. “Muitas vezes, eles recebem pelo número de entregas e acabam agindo de forma imprudente. Ultrapassam pela direita, passam pelo corredor, circulam pela calçada”, diz a diretora.

Sobre o corredor, ela explica que essa circulação de motocicleta no espaço entre os demais veículos só é permitida quando o semáforo está vermelho. Com os carros parados, as motos podem se deslocar pelo corredor até a área exclusiva de espera em frente ao sinal.

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Andrea Moringo durante o lançamento da campanha Maio Amarelo. (Foto: Marcos Maluf)

Mas a série histórica do ranking de notificações também traz surpresas. A sexta multa mais aplicada é por não usar cinto de segurança. Uma exigência que vem desde 1997, quando foi instituído o CTB (Código de Trânsito Brasileiro). Apesar de tanto tempo, ainda há quem ache que o cinto é uma exigência apenas para o condutor.

Nos últimos sete anos, a frota de Campo Grande teve acréscimo de 108.479 veículos. Em 2018, eram 571.282. Agora, a frota é de 679.761 veículos. Considerando a população de 954.537, conforme dado do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), é um veículo para cada 1,4 habitante da Capital.

No período, o aumento de motocicletas foi expressivo: 21%. O total passou de 126.474 para 153.493. Segundo o Detran, Campo Grande registrou 8.549 acidentes em 2025, sendo 1.655 envolvendo motociclistas.

A batalha diária pelas ruas 

Das 6h às 22h nas ruas de Campo Grande, o motoboy Matheus Gonzalez Brito, 26 anos, relata uma batalha por espaço nas vias da cidade, potencializada por condutores desatentos.

 Atualmente, o maior risco para a categoria é o motorista desatento ao trânsito. Muitas vezes no celular, passando maquiagem, comendo durante a direção, invadindo constantemente a faixa onde se encontram os veículos de menor tamanho. Grande parte dos motoristas de carro não sinaliza ao mudar de faixa, vira sem dar seta”, diz Matheus.

Para ele, o estresse das ruas é agravado pelo preconceito. “Sofremos não só no trânsito, mas nos comércios onde somos discriminados. Muitas vezes não temos acesso a banheiros e água potável. Infelizmente, nossa categoria não tem apoio nenhum. Estamos perdendo jovens e pais de famílias todos os dias para um trânsito violento e mal sinalizado. Cheio de buracos e semáforos que vivem sem funcionar”, reclama o motoboy.

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“A questão mais séria no trânsito é a falta de atenção", diz o motoboy Fábio. (Foto: Henrique Kawaminami)

 Na rotina das entregas, a remuneração, em geral, tem duas modalidades. Pagamento fixo de R$ 120 por quatro horas de trabalho e há quem receba um valor a cada entrega. Os primeiros são considerados mais calmos no trânsito, diante do dinheiro certo. Enquanto os segundos são vistos como a galera que coloca a taxa na frente da vida. Porque quanto mais entrega pelo aplicativo, mais dinheiro.

 “A questão mais séria no trânsito é a falta de atenção. Hoje em dia, o pessoal está parecendo um zumbi. Não soltam o celular por porcaria nenhuma. Nem mesmo para dirigir. Nem mesmo para pilotar uma moto. Um segundo de bobeira causa o acidente. O Detran deveria multar quem está usando celular no trânsito”, diz o motoboy Fábio Carvalho de Oliveira, 29 anos.

“Não adianta ter pressa e não chegar”

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Pietra Zorzo é médica e trabalha na "linha de frente" para socorrer vítimas do trânsito. (Foto: Henrique Kawaminami)

 Os recentes acidentes fatais no trânsito de Campo Grande seguem na memória de Pietra Zorzo, médica e primeiro-tenente do Corpo de Bombeiros. Ela trabalha na Ursa, a unidade de resgate e suporte avançado que é uma UTI (Unidade de Terapia Intensiva) sobre rodas.

 Os ferimentos mais comuns em acidentes envolvendo motociclistas são membros inferiores e traumatismo craniano.

 “A importância do capacete é imensa. Ele vai proteger a cabeça do motociclista. Deve ser usado com a viseira fechada e bem ajustado. Porque na hora da colisão, se não estiver bem preso, o capacete pode voar e acaba não protegendo. O uso de maneira adequada pode salvar vidas. Já vi pacientes em estado muito grave porque caiu e o capacete voou por não estar bem fixado”, alerta a médica.

Além do capacete, ela destaca que a pressa nem sempre será garantia de chegar a tempo.

Não adianta a gente ter pressa e não chegar. Tem que ter paciência, o trânsito tem momentos de pico, que é quando acontece o maior número de acidentes. A principal causa é desatenção. Eu atendi acidentes graves, que marcaram agora em maio, e que foram por falta de atenção e cuidado. É muito triste. É melhor chegar atrasado do que não chegar”, diz a tenente.

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Acidente no dia 6 de maio matou condutora de moto, no Bairro Tiradentes. (Foto: Marcos Maluf)

Desde 2021, o Corpo de Bombeiros lidera o Projeto Pilotar Seguro, por meio da equipe do serviço do motossocorro.  Os motociclistas recebem orientações teóricas sobre direção defensiva e colocam os conhecimentos em prática em uma pista de teste.

Levantamento da corporação mostra que o Centro da Capital é onde mais acontecem as colisões, seguido por bairros como Amambaí, Tijuca, Nova Lima, Monte Castelo e Coronel Antonino.  Os dias da semana de maior incidência de acidentes de trânsito são sexta-feira e sábado.

Mobilidade urbana: calçada, ciclovia e ônibus 

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Ônibus na Rua Ceará, um dos pontos tradicionais de trânsito engarrafado na Capital. (Foto: Osmar Veiga)

Pesquisadora sobre mobilidade urbana e coordenadora do curso de Engenharia Civil da UCDB (Universidade Católica Dom Bosco), Rocheli Carnaval Cavalcanti destaca o papel das calçadas na cidade.

“Pensando em mobilidade urbana, calçadas bem conservadas facilitam o deslocamento, evitam acidentes e promovem uma convivência mais agradável entre pedestres, ciclistas e condutores de veículos. Além disso, calçadas em bom estado contribuem para a estética urbana, valorizam nossa cidade, incentivam o comércio local e trazem bem-estar aos moradores. Portanto, investir na manutenção e melhoria das calçadas é fundamental para uma cidade mais segura, acessível e acolhedora”, diz a pesquisadora.

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Pedestres caminham em calçada rachada no Bairro Taquarussu. (Foto: Marcos Maluf)

A ciclovia também é apontada como uma estratégia inteligente para tornar Campo Grande mais moderna, sustentável e com melhor qualidade de vida. “A cidade já enfrenta desafios relacionados ao trânsito intenso em determinados horários. As ciclovias oferecem uma alternativa sustentável e saudável para o deslocamento diário. Elas incentivam o uso de bicicletas, que ajudam a reduzir veículos nas ruas, diminuindo o congestionamento e melhorando a qualidade do ar”, afirma Rocheli.

Para o transporte coletivo se tornar atraente aos passageiros, diante da substituição pelas motocicletas e veículos por aplicativo, as mudanças precisam ser profundas. Como ônibus com ar-condicionado, internet, pontualidade e preço acessível.

 “Não é fácil, mas seria muito compensador e melhoraria demais a mobilidade urbana de Campo Grande, que já dá sinais de trânsito critico em muitos pontos e horários”, reforça a pesquisadora.

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