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Interior

Procurador da República é acusado de avisar foragido sobre ordem de prisão

Líder indígena disse à PF ter sido avisado pelo procurador Marco Antônio Delfino sobre o mandado de prisão decretado em 2016; MPF contesta e diz que índio não domina a língua portuguesa

Helio de Freitas, de Dourados | 22/03/2019 11:50
O procurador Marco Antonio Delfino de Almeida conversa com índios em Dourados (Foto: Helio de Freitas)
O procurador Marco Antonio Delfino de Almeida conversa com índios em Dourados (Foto: Helio de Freitas)

O procurador da República Marco Antônio Delfino de Almeida, conhecido em todo o país por atuar em defesa das comunidades indígenas de Mato Grosso do Sul, está sendo acusado de avisar um foragido sobre o mandado de prisão preventiva, decretado pela Justiça Federal.

A revelação foi feita pelo próprio foragido, o líder indígena Leonardo de Souza. Depois de mais de dois anos e meio como fugitivo, acusado de comandar o ataque a uma equipe da Polícia Militar, em junho de 2016, Leonardo foi preso em dezembro do ano passado pela Força Nacional na aldeia Tey Kuê, em Caarapó, a 282 km de Campo Grande.

Através da assessoria de imprensa, o MPF (Ministério Público Federal) diz que a prisão de Leonardo foi solicitada pelo próprio Marco Antonio e afirma que o índio não sabe ler e escrever em português e apenas “desenha o nome” (leia a nota na íntegra, abaixo).

Conflito em 2016 – Leonardo é pai do agente de saúde indígena Aquileu Rodrigues de Souza, morto a tiros aos 26 anos de idade durante ataque supostamente organizado por fazendeiros de Caarapó ao grupo que tinha invadido a fazenda Yvú, no dia 15 de junho de 2016.

Revoltados com a morte, índios atacaram a equipe da PM, agrediram os policiais, tomaram as armas deles e colocaram fogo na viatura. Um caminhão também foi queimado pelos moradores da aldeia naquele dia.

Preso após 30 meses – O Campo Grande News teve acesso a cópias do inquérito policial instaurado após Leonardo de Souza ser preso em dezembro do ano passado e da audiência na Justiça Federal, quando o juiz mandou encaminhar à PGR cópias dos autos, incluindo a declaração de que Marco Antonio havia avisado o foragido sobre a ordem de prisão.

Conhecido na comunidade indígena como agressivo e acusado de vender drogas para os moradores, Leonardo já tinha ameaçado um oficial de Justiça que foi à aldeia para tentar intimá-lo.

No dia 13 de dezembro do ano passado, Leonardo de Souza foi localizado na aldeia pela Força Nacional. Quando cumpriam o mandado de prisão, expedido em agosto de 2016, os policiais foram atacados por um grupo de índios que tentou impedir a prisão de Leonardo. A viatura ficou danificada e a equipe teve de usar força não letal para controlar a situação.

Trazido para a delegacia da Polícia Federal em Dourados, Leonardo foi autuado em flagrante por tráfico de drogas, já que os policiais encontraram maconha na casa dele.

Trecho do depoimento de Leonardo de Souza à Polícia Federal (Foto: Reprodução)
Trecho do depoimento de Leonardo de Souza à Polícia Federal (Foto: Reprodução)

Diz que foi avisado – No interrogatório, após confirmar que fala e compreende a língua portuguesa, Leonardo afirmou ter sido avisado por Marco Antonio sobre a ordem de prisão sete dias antes de o mandado ser expedido.

Leonardo de Souza também afirmou que viu o procurador por três vezes após ser avisado e inclusive havia participado recentemente de uma reunião com Marco Antonio, mas nada foi dito sobre o mandado de prisão.

No mesmo interrogatório, Leonardo negou participação no ataque aos policiais em 2016 e disse que a maconha encontrada na casa pela Força Nacional não era dele. Também negou ter incitado os índios a atacarem a equipe da Força Nacional.

Autuado em flagrante por tráfico e indiciado por incitar a destruição de viaturas da Força Nacional no momento da prisão, Leonardo teve a prisão preventiva decretada pelo juiz federal da 1ª Vara Moisés Anderson Costa Rodrigues da Silva e atualmente está recolhido na PED (Penitenciária Estadual de Dourados).

MPF – Em nota encaminhada ao Campo Grande News, o MPF questiona o fato de Leonardo de Souza não falar fluentemente a língua portuguesa e que por isso o interrogatório da PF “pode padecer de vício de autenticidade”.

Veja a nota na íntegra:

A prisão de Leonardo de Souza foi pedida pelo próprio Ministério Público Federal (processo n. 0002734-76-2016.4.03.6002), sendo requerida nesses mesmos autos a realização de diligências pela Polícia Federal para cumprimento da medida, bem como a inclusão do mandado de prisão expedido no Banco Nacional de Mandados de Prisão, a fim de que fosse cumprida a prisão preventiva do acusado.

Em que pese as declarações prestadas por Leonardo de Souza na Delegacia de Polícia, ao ser ouvido durante a audiência de custódia, LEONARDO DE SOUZA contou com o auxílio de intérprete, tendo mencionado em sua língua materna que não sabe ler e escrever em português, apenas sabe desenhar seu nome, como também disse compreender pouco do português e ter dificuldade para formar conceitos na língua portuguesa, de sorte que o interrogatório do preso pode padecer de vício de autenticidade.

Em razão das infundadas declarações constantes do termo de declarações supostamente prestadas por LEONARDO DE SOUZA, em depoimento colhido pelo Delegado de Polícia Federal ora acusado, intimou-se o investigado para que se explicasse, necessariamente com o auxílio de intérprete, sob pena de incorrer nas sanções do crime de calúnia, previsto no art. 138, c.c. art. 141 do Código Penal.

A pedido do próprio MPF, o juiz Moisés Anderson Costa Rodrigues da Silva determinou o envio do caso à PGR (Procuradoria Geral da República), para providências.

Leonardo de Souza (com o rosto pintado), no dia do velório do filho, em junho de 2016 (Foto: Helio de Freitas)
Leonardo de Souza (com o rosto pintado), no dia do velório do filho, em junho de 2016 (Foto: Helio de Freitas)

Testemunhas rebatem – A versão de que Leonardo de Souza tem dificuldade para entender a língua portuguesa é rechaçada por testemunhas ouvidas pela Polícia Federal. Entre as testemunhas estão policiais da Força Nacional que fizeram a prisão dele, o oficial de Justiça Otílio Marquezolo e a juíza da comarca de Caarapó, Cristiane Aparecida Biberg de Oliveira.

Ouvida no dia 18 de dezembro do ano passado na PF, ela afirmou que Leonardo de Souza era “totalmente integrado” à comunidade e que fala e entende fluentemente o português. A magistrada disse ainda que Leonardo era considerado agressivo e perigoso, mesmo antes da morte do filho.

MPF x PF – A denúncia contra Marco Antonio é mais um capítulo na crise entre o Ministério Público Federal e a Polícia Federal por causa dos conflitos entre fazendeiros e índios, ocorrido em junho de 2016 em Caarapó.

No início deste mês, o MPF recorreu ao TRF (Tribunal Regional Federal) da 3ª Região contra a extinção sem julgamento de ação em que acusa três delegados e um agente da Polícia Federal de ilícitos relacionados à investigação.

Os policiais são acusados de falsidade ideológica e crimes contra a fé pública por manter contato com o fazendeiro Dionei Guedin, um dos denunciados pelo ataque aos índios, e supostamente manipular dados das investigações. A Superintendência da PF nega a denúncia e diz que processo disciplinar não identificou as supostas irregularidades apontadas pelo MPF.

Um dos delegados citados na denúncia do MPF é Denis Colares de Araújo, que conduziu o inquérito sobre a prisão de Leonardo de Souza e fez o interrogatório em que o líder indígena disse ter sido avisado pelo procurador sobre o mandado de prisão.

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