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Cidades

Lei é de 2009, mas onda nacionalista leva hino de volta às escolas

Escolas privadas de Campo Grande voltam a apresentar o hino nacional uma vez por semana

Izabela Sanchez | 02/12/2018 09:53
Alunos do Colégio Refferencial cantam o hino durante a sexta cultura, que ocorre uma vez por mês (Foto: Izabela Sanchez)
Alunos do Colégio Refferencial cantam o hino durante a sexta cultura, que ocorre uma vez por mês (Foto: Izabela Sanchez)

É a última sexta feira do ano para os alunos da escola particular voltada ao ensino médio e cursinho, no Centro de Campo Grande. É a sexta cultural, que acontece uma vez por mês na escola. Dispersos, os estudantes formam grupos, conversam, dão risada e fazem fila na cantina, enquanto um professor ensaia uma música no violão. De repente, ao sinal do coordenador pedagógico, os estudantes ficam alinhados, braços colados no corpo e o hino nacional começa.

Lei desde 2009, em teoria, o hino deveria ser tocado uma vez por semana em escolas do ensino fundamental, públicas e privadas. Mas agora, uma tendência provocada pela “onda nacionalista” toma conta de algumas escolas particulares nos últimos dois anos e traz o hino de volta aos espaços estudantis.

Coordenador pedagógico do colégio Refferencial, Edilson Soareas da Silveira, afirma que o hino é tocado às sextas, uma vez por mês, durante atividade cultural. A prática, explica, começou no início do ano. O plano, agora, é ampliar a atividade e o hino, em 2019, deve ser executado toda semana na sexta-feira.

“A gente pensou da seguinte forma, se a gente analisar o contexto geral, está faltando o sentimento de patriotismo. A gente vê uma sociedade que não dá valor para a sua pátria, depredação de estruturas públicas, a falta de consciência de patriotismo, então isso nos levou a resgatar de baixo para cima, ou seja, começar com os jovens. Então tentar resgatar isso, algo que os pais, na sua grande maioria não está acontecendo”, comentou.

O coordenador afirma que a escola é “apartidária”, mas que preza pelo respeito ao país e à pátria. Além do hino, agora o colégio pretende incluir, nas disciplinas, o ensino sobre a letra, a história e o significado do hino nacional.

“Na época que a gente estudava, muitos anos atrás, era obrigatório você cantar o hino todo dia. E hoje não tem mais essa, falta essa vontade, esse prazer de se cantar pela pátria, então a gente sentiu essa necessidade. Muitos acham muito bacana, alguns até já nos perguntaram porque não se trabalha as palavras do hino em sala de aula, porque tem palavras que não são de costume falar. Então é um projeto que a gente vai implantar agora em 2018, trabalhar com as palavras, o sentido do hino, na disciplina de português e arte e dar um pouco mais de valor, resgatar a importância do hino”, explica.

No Refferencial, a prática é aprovada pelos alunos. “Eu acho super importante. Para quem quer seguir carreira militar é super importante”, relata Ruan Heil Dias, 17, aluno do terceiro ano do ensino médio que sonha ingressas na Aman (Academia Militar das Agulhas Negras).

“Antes de tudo o hino é o nosso patrimônio cultural. Tocando o hino os alunos podem se importar mais com o país. Promove mais o sentimento nacionalista. É um grande ato de respeito”, comenta ele. Ainda assim, o aluno prefere que o hino seja tocado apenas uma vez por mês.

Polyana de Oliveira Costa, 17, também está no terceiro ano do ensino médio e acha que a execução do hino ensina os estudantes a amarem a nação. “O hino representa a glória do país. Eu acho importante estudar a história do hino”, afirma. Para a estudante o ensino sobre o hino não precisa de uma disciplina específica.

“Eu acho muito importante porque realça o patriotismo e valoriza a cultura do país. Ajuda a criar esse sentimento de nação”, comenta a estudante do 2º ano do ensino médio Ana Carolina Bandin Gomes, 16.

Para Michele Paraguaçu de Oliveira Carvalho, 16, que também está no 2º ano do ensino médio, o hino ajuda a valorizar a cultura e “criar um sentimento de nação”.

Estudantes do Colégio Refferencial durante a sexta cultural (Foto: Izabela Sanchez)
Estudantes do Colégio Refferencial durante a sexta cultural (Foto: Izabela Sanchez)

Escolas - Também durante a sexta-feira, os alunos do ensino fundamental do colégio Bionatus cantam o hino, antes das provas. Coordenadora pedagógica do ensino fundamental, Taissa Melina Rios Rosa explica que a prática começou no ano passado.

“O ano passado teve a copa, ficou um momento mais patriota, sentimos a necessidade, tem uma lei que se pede que se cante toda semana”. Já o ensino sobre questões morais e cívicas, explica, é abordado em conteúdo específico, na aula de história. “Ele vai envolver, quando o professor passa aquele conteúdo. Nas datas comemorativas, 7 de setembro, além de cantar o hino, a gente entra com o hino daquele dia”.

No colégio Dom Bosco, o hino é realizado apenas em datas especiais. É o que explica o coordenador do ensino médio, Ludio da Silva. “Tinha uma época que a gente tinha uma sistemática, nas atividades oficiais sempre tem. É trabalhado desde pequenininho, em sala de aula com uma professora, o canto é realizado em datas especiais, nos eventos do colégio, também nas datas cívicas”, afirma.

“É trabalhado os valores do civismo, da pátria, nas disciplinas de humanas, filosofia, sociologia, desde a séries iniciais, principalmente”, opina.

Há ao menos 4 anos, segundo a coordenadora pedagógica do Colégio Nota 10, Vanessa Bernardes Caobianco, o hino é tocado durante a sexta-feira, no primeiro horário. “É uma das normas essa questão da valorização do hino e da questão moral e cívica. Nós aceitamos nossos valores como cidadão, de valorização da questão cívica”, afirma.

“Não há uma disciplina [educação moral e cívica], mas por meio, na verdade, de todas as disciplinas, história, geografia, texto que fala sobre o cidadão, de falar da valorização da nossa cultura, do nosso país, da ética, ela permeia todas as disciplinas de acordo com o trabalho que vai ser feito”, complementa.

Atentos, alunos cantam o hino em formação durante a sexta cultura no Colégio Refferencial (Foto: Izabela Sanchez)
Atentos, alunos cantam o hino em formação durante a sexta cultura no Colégio Refferencial (Foto: Izabela Sanchez)

Ensino moral e cívico – No Distrito Federal foi aprovada uma lei que obriga o ensino da disciplina “Educação Moral e Cívica” nas escolas de ensino infantil e fundamental. Além disso, a reforma do ensino médio retirou a obrigatoriedade de disciplinas como sociologia e filosofia.

Na Assembleia legislativa de Mato Grosso do Sul ainda não há projeto para o retorno do ensino moral e cívico, apesar de iniciativas em vários estados e municípios. No entanto o deputados admitem que a volta da disciplina seria “positiva” para o ambiente escolar, assim como outros temas.

É o que também pensa o coordenador pedagógico do colégio Refferencial. “Eu penso que seria um resgate muito importante, deveria sim acontecer. Isso é trabalhado de uma forma indireta, antigamente você tinha educação moral e cívica e era trabalhado constantemente. Hoje não, hoje você tem que inserir a educação moral e cívica na disciplina de filosofia, de sociologia”, explicou.

Ainda assim, as opiniões não são unânimes e as mudanças na educação preocupam professores, a exemplo do professor de sociologia da rede pública, Teylor Fuchs.

“Eu acho que essa questão do nacionalismo, o grande problema, é algumas posturas conservadoras, é preocupante, você vê essas pessoas conservadoras ganhando cada vez mais voz, mais espaço. Cada vez mais enfrentamento com quem pensa diferente, a intolerância. A gente segue o conteúdo que é definido pelo Estado, e não entramos nessas discussões, mas, em alguns assuntos, como movimentos sociais, quando a gente trabalha a questão do feminismo, a gente sente essa intolerância, um preconceito, antes era velado, agora estão colocando isso pra fora” comenta.

Para o professor, a vitória de Jair Bolsonaro (PSL), que adota uma postura conservadora com diversas questões, acaba por influenciar comportamentos intolerantes dentro das escolas.

“Tendo um representante institucionalizado, as pessoas estão colocando seu preconceito cada vez mais pra fora. Colocam em dúvida o que a gente está ensinando, ‘será que é isso mesmo’. Esses dias até em uma aula sobre democracia, alguns alunos disseram que a democracia não é boa. Questões que eram inquestionáveis hoje estão sendo questionado por alunos de 15 anos”, explica.

Ele explica que perder disciplinas como a sociologia representa retrocesso, além de não preparar os alunos para o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio). “Acho que seria um retrocesso enorme, principalmente num momento em que a gente precisa discutir cada vez mais. Sociologia e filosofia são ciências reconhecidas no mundo. A grande dificuldade da permanência da matéria é lutar contra esse discurso que tenta desqualificar as disciplinas”, opina o professor.

Presidente da Fetems (Federação dos Trabalhadores em Educação de Mato Grosso do Sul), Jaime Teixeira acha que o hino, nas escolas, não é um problema, mas a “volta” de disciplinas como Educação Moral e Cívica não deve ser estimulada.

“O hino nacional sempre foi tocado, não tem problema nenhum. Agora nós que trabalhamos com educação, não tem cabimento nenhum voltar o ensino moral e cívico. É uma matéria usada na época da ditadura para promover ufanismo. Hoje nós temos duas disciplinas, filosofia e sociologia. Nós entendemos que na educação pública não há necessidade sobre isso. Há uma corrente a favor, mas nós somos contrários”, declarou.

Como é no ensino público – A Semed (Secretaria Municipal de Educação) declarou, por meio da assessoria de imprensa, que nas escolas da rede municipal o hino é tocado em ocasiões especiais, mas não diariamente. Já a SED (Secretaria Estadual de Educação), explica que a decisão sobre uso dos símbolos nacionais fica à cargo da direção escolar.

Em visita à Campo Grande, o ministro da educação, Rossieli Soares, afirmou ser “importante cultiva os símbolos nacionais”. Para o ministro, no entanto, a decisão de como serão apresentados deve ser das escolas.

“Eu acho que a gente precisa, como nação, cultivar os nossos hinos, nossos símbolos, nossas bandeiras. Eu acho que é importante. Agora, toda escola precisa construir sua forma de fazer, discutir, conversar com os alunos, se é no início da aula, no meio, no fim, cantar todos os dias, se não é. Eu não sei, eu discutiria com a minha rede. Mas acho que a gente deveria cada vez mais como nação trabalhar”.

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