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Em Pauta

A eterna igreja dos Não-Crentes

Mário Sérgio Lorenzetto | 30/07/2017 10:00
A eterna igreja dos Não-Crentes

O fenômeno religioso nunca esteve tão aberto a debates e críticas como nos últimos anos. Durante boa parte da história, em quase todas as épocas e lugares, debater religião despertava incompreensão e rechaço social, quando não supunha perseguição e inclusive a morte. Ao longo da história o ateu sempre foi o "religioso" mais solitário.
O ateísmo engloba algum tipo de movimento grupal, é uma escola de pensamento? A resposta breve é não. Existem ateus de todas as raças, culturas e tendências políticas. Muitos ateus defendem princípios opostos às religiões. Há os que sustentam posturas anti-religiosas furibundas e há os que se declaram pertencentes a uma cultura religiosa, cujos valores morais, apesar de não ser crentes, compartilham. Há ateus anti-clericais e há ateus que defendem os valores religiosos com um fervor parecido ao de muitos crentes. Quase nada os une. Nem mesmo no nível ético ou intelectual. Mas podemos colocá-los em dois ou três grandes grupos sem faltar-lhes respeito e compreensão de seus direitos.

A eterna igreja dos Não-Crentes

Os ateus políticos.

O retrato mais acabado do ateu político, típico do século passado, que perdeu força no XXI, descrevia os progressistas de esquerda, cujo ateísmo formava parte de um conglomerado de ateus mais amplo. A maioria deles era marxista, que se caracterizavam pelo anti-clericalismo mais do que por apresentar uma elaborada justificativa intelectual de sua falta de fé. Essa figura poderia ser polêmica, mas no fundo pouco preocupava os setores religiosos mais conservadores, especialmente quando ficou comprovado que o avanço do comunismo soviético estava detido. Depois da falta de crescimento - até a queda - do sovietismo, o anti-clericalismo era constituído, em essência, por uma minoria ruidosa mas inofensiva.

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O pensador ateu não-marxista.

Existia um segundo estereótipo, o do intelectual ateu, que longe de limitar-se a uma crítica política das religiões, podia oferecer elaborada justificativas racionais para suas posturas. Esse tipo de ateísmo não difere em seu espírito do ateísmo praticado na Antiga Grécia, ainda que se compreenda que agora maneja argumentos e conhecimentos científicos impensáveis há vinte ou vinte e cinco séculos. Esse é um ateísmo que se eternizou, mais antigo que quase todas as outras religiões, talvez perca apenas em idade ao zoroastrismo. Ainda que em boa parte da história foi pouco menos que clandestino. A partir do século XVII, o liberalismo, o racionalismo e a revolução científico- industrial ajudaram que ganhasse visibilidade. Quando chega o século XX, já era uma ideia assumida que na "intelligentsia" dos países ocidentais, inclusive entre os mais conservadores, abundavam os ateus. E eles continuaram a crescer. Um estudo terminou ilustrando o que muitos suponham por mera intuição, que dentro das populações ocidentais a religiosidade era menor conforme aumentava o nível acadêmico. De fato, no meio dos pensadores a religiosidade é menor que a religião dos não-crentes. E entre os cientistas eram os que trabalhavam com biologia os mais adeptos do ateísmo.

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A irrupção dos cientistas não-crentes.

Bertrand Russel pode ser considerado o "comandante" das tropas de não-crentes do século passado. Suas críticas às religiões eram bastante diretas, mas eram argumentadas com tal finura e sentido lógico que não podia ser confundido com ímpeto militante anti-religioso. Mas Russel era só para a elite pensante. Mais discretos por um lado é extremamente influenciadores foi a tropa de choque de ateus constituída por Alberto Einstein, Carl Sagan e Stephem Hawking. O primeiro é mais famoso - Einstein - quase nunca entrava nesse debate. A ponto de até hoje muitos pensarem que ele era religioso por usar Deus como metáfora. Sagan valorizava seu trabalho por cima dos debates religiosos. Hawking é o mais explícito dos três, mas pouco militante.

A eterna igreja dos Não-Crentes

A falta do debate religioso no Brasil.

No mundo anglo-saxão existe uma tradição que não brotou no Brasil: a tradição do debate. Aliás, nada é debatido neste país. A mídia, especialmente televisa é o eternizar da mesmice e da ausência absoluta de coragem. É verdade que esses debates no mundo anglo-saxão não competem com os esportes, a economia e a política, bem como é verdade que esses debates estão dirigidos a camadas mais interessadas da população, ainda assim, sua popularidade excede tudo o que ouvimos, lemos e assistimos no Brasil. É claro que tem um componente de espetáculo, sobretudo na versão televisiva. Quase podemos dizer que por lá existe uma "indústria do debate". Isso não significa que deles não participem os melhores intelectuais de cada país. A educação e a cultura não estão apenas nas escolas, estão na imprensa diariamente. Isso os torna mais ricos intelectualmente. A questão religiosa é apenas um desses debates, e é acalorado, fundamental para que todos possam decidir seus destinos e no que desejam acreditar. Ainda que optem por não crer.

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