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Em Pauta

Os ataques comunistas contra Darwin e Mendel

Mário Sérgio Lorenzetto | 19/10/2018 08:50
Os ataques comunistas contra Darwin e Mendel

A última vez que o viram estava almoçando solitário em uma mesa no fundo da Academia Russa de Ciências. Ele que tinha sido uma figura chave da época da ciência stalinista. O herói da biologia daquele regime autoritário. Pesava sobre ele a acusação mais vil para um cientista. Tinha sido o responsável pela morte de milhares de biólogos russos. Quem era aquele personagem de passado obscuro que em 1971 almoçava em solidão?

Trofim Delisovich Lysenko (1898-1976) se engalanava de seu passado de trabalhador rural. Nascido na Ucrânia, ali começou suas pesquisas sobre uma matéria que lhe interessava por tradição familiar, mas que também interessava à imensa e faminta União Soviética: como conseguir cultivar nos longos e cruentos invernos russos.

Naquela época, os agro-biólogos se guiavam pela seleção natural de Charles Darwin e pelas leis da herança familiar de Gregor Mendel para entender a influência da genética e meio ambiente, na relação entre genótipo e fenótipo. Esses estudos tinham um objetivo final prático: obter variedades agrícolas que permitissem aumentar as colheitas ao longo do ano.

Os ataques comunistas contra Darwin e Mendel

Lysenko conseguiu aumentar as colheitas de trigo.

O jovem Lysenko parecia um cientistas prometedor. Em 1928 publicou um estudo de grande impacto sobre a "vernalização", termo que inventou para descrever um processo que transformava o trigo de inverno em trigo de primavera. Desde a Antiguidade, os agricultores conheciam a diferença entre ambos: enquanto o segundo pode ser plantado diretamente na primavera, o primeiro necessita de um moderado frio invernal para estimular seu crescimento.

A "vernalização" praticada por Lysenko consistia em um tratamento com frio e umidade aplicado nas sementes invernais que permitia ser plantadas na primavera, facilitando a obtenção de colheitas se um inverno demasiado gélido arrasava a agricultura. Ainda que Lysenko não fosse o primeiro a conseguir essa adaptação, seus resultados alcançaram uma grande ressonância na União Soviética.

Todavia, na década do 30 Lysenko começou a apartar-se da ciência. Várias experiências de então o levaram a afirmar que as sementes condicionadas pela temperatura e umidade criavam novas gerações de plantas adaptadas à plantação da primavera sem necessidade de tratamento. Em outras palavras, o trigo de inverno tratado pela umidade e temperatura passaria seus genes para os descendentes.

Os ataques comunistas contra Darwin e Mendel

Nasce o Lysenkoísmo.

A proposta de Lysenko trombava com tudo que se conhecia sobre a evolução darwiniana e a herança mendeliana. Lysenko encontrou uma fácil solução: negar a Darwin e Mendel. As ideias de Lysenko estavam em linha perfeita com as propostas do francês Jean-Baptiste Lamarck sobre a herança de caracteres adquiridos, ainda qu Lysenko se esforçasse em afirmar que sua teoria não era lamarquista. E encontrou um outro marco para suas ideias. Não era darwinista, nem mendelista e nem lamarquista; era comunista.

Para enfrentar a dura competição proposta por Darwin (portanto, capitalista), Lysenko propunha que as plantas cooperavam entre si (as plantas seriam comunistas). Ainda que nunca tentou aplicar suas teorias em seres humanos, seu posicionamento ideológico e suas promessas de ricas colheitas fizeram com que ganhasse os favores do regime comunista.

Ele destacava que as ideias de Mendel era uma ciência estrangeira, desenvolvida por uma classe social "politicamente indesejável". Lysenko foi útil a Stálin e sua cúpula: era o cientista ideal de origem descamisada. Assim, em 1948, Stalin adotou as ideias de Lysenko como a única biologia oficial da União Soviética e qualquer outra teoria entrava na ilegalidade.

Os ataques comunistas contra Darwin e Mendel

A grande purga de biólogos.

Então começou a purga. Em tempos de Stalin nenhum cientista poderia se opor a Lysenko sem ser preso. O debate científico era uma desculpa para liquidar a uma velha geração de cientista politicamente inadaptados. Uma das maiores gerações de geneticistas perdeu seu trabalho, seu sustento, seu lar e sua família. Muitos foram parar nos gulags, os campos de concentração na Sibéria. Lysenko a ninguém perdoava. Vavilov, seu antigo mentor, foi convertido em dissidente e faleceu de fome na prisão.

A estrela de Lysenko foi apagando-se à medida que suas promessas de abundantes colheitas fracassaram e seus estudos não encontravam respaldo científico. Os elogios públicos foram trocados por ferozes ataques. Sua morte esteve envolvida em silêncio oficial. Lysenko não passava de um oportunista com poucos estudos. Como tantos outros criados pelos regimes autoritários.

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