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Em Pauta

Sem lenço e nem documento. Países sem RG

Mário Sérgio Lorenzetto | 06/02/2018 08:21
Sem lenço e nem documento. Países sem RG

O governo brasileiro está comemorando uma façanha ímpar: a criação de um "Documento Nacional de Identificação" (DNI). Com ele, estaremos dispensados do CPF, título de eleitor, certidão de nascimento e de casamento. Com a nossa longa tradição da falta de direitos individuais, a burocracia cobrava, até agora, caro a afirmação de que somos cidadãos.
Não é assim que funciona em muitos outros países. Muitos não têm carteira de identidade, como na Inglaterra. Em outros, a carteira de identidade existe, mas não é obrigatória, assim é na Itália e na França. Tanto no primeiro grupo (Inglaterra, Austrália, Dinamarca, Noruega, Nova Zelândia e Filipinas), como no segundo grupo (França, Itália, EUA, Japão, Canadá... a lista é longa), são válidos documentos escolares, bancários, passaporte e carteira de habilitação para dirigir veículos.
O caso da Inglaterra é especial devido à forte ligação entre a noção de soberania do indivíduo herdada da fortíssima tradição liberal do país, que entende uma carteira de identidade como uma coerção que infringe essa soberania.

Sem lenço e nem documento. Países sem RG

O "Citizencard", o cartão do cidadão para beber.

Mais recentemente, um esquema de "padronização de provas de idade" (Identity Documents Act 2010) foi adotado pelo governo britânico para resolver o problema dos jovens que necessitassem comprovar a idade para a compra de bebidas alcoólicas. Segundo esse esquema, qualquer pessoa pode solicitar, pela internet, e sem burocracia, um Citizencard no qual consta apenas o nome, a foto, a data de nascimento e um número de referência. O cartão, que não é obrigatório, é reconhecido pelo governo, lojas e empresas de transporte.
Para eles, uma carteira de identidade equivale a afirmar que os indivíduos não são amadurecidos para ter autodeterminação. Ao construir os argumentos contrários à carteira de identidade, os liberais britânicos colocaram na balança os aspectos práticos da carteira de identidade contra a perda de identidade do indivíduo. Esse é um aspecto que jamais discutimos em um país que copia as leis medievais de Portugal, onde divulgar um documento poderia ser penalizado com a morte. Vivemos no mundo do atraso e de pouca liberdade.

Sem lenço e nem documento. Países sem RG

Quem se beneficia com uma carteira de identidade?

Essa é a pergunta que nunca nos fizemos. Quem ganha com uma carteira de identidade e quem perde? Os britânicos entenderam que o cidadão não ganharia com esse documento. Também entenderam que sairiam ganhando a polícia, os criminosos e as empresas de dados biométricos. E resolveram pela liberdade do cidadão.
Para a polícia, os documentos de identificação de um cidadão são como uma placa de carro, só que com muitas informações. Eles que coloquem nossas informações nos computadores e não nos obriguem a andar com um papel inútil. Os britânicos entenderam que dar esse poder à polícia seria excessivo e facilmente corrompível. Para os criminosos, a existência de tal carteira é uma enorme oportunidade de roubá-las e falsificá-las. Foi isso que aconteceu na época da Lei Seca, nos EUA, onde uma documento de identidade valia mais que muitos litros de uísque. No caso da empresas de dados biométricos, os maiores ganhadores, essas passam a ter um mercado cativo muito maior que qualquer outro. É o verdadeiro maná. Um mercado disputado a ferro e fogo, por duas ou três empresas que obtêm lucros monumentais.

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