Força invisível: como a economia popular movimenta renda, resistência e inovação
MS tem 161.913 microempreendedores individuais, o que representa 48,4% das empresas formalizadas

Maycon Oliveira da Silva, 33 anos, já foi trabalhador de carteira assinada, dono de espetinho, teve tabacaria e agora é proprietário da barbearia “É o Bronx”, no Jardim Tijuca, em Campo Grande. Em toda a trajetória, foi movido pelo objetivo de dar uma vida melhor para a família. Hoje, colhe os frutos de todo o esforço: sustenta a casa com os lucros da barbearia.
RESUMO
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Em Mato Grosso do Sul, microempreendedores individuais (MEIs) representam quase metade das empresas formalizadas, impulsionando a economia local e gerando empregos. O estado conta com mais de 160 mil MEIs, cuja média de idade é de 40 anos, com predominância masculina, embora a participação feminina seja expressiva. Histórias como a de Maycon, barbeiro, Gabrielli, confeiteira, e Beatriz, artesã, ilustram a força do empreendedorismo na busca por independência financeira e realização profissional. Apesar dos benefícios da formalização como MEI, como acesso a crédito e simplificação de impostos, persistem desafios como a burocracia e a dificuldade em obter financiamento. O Sebrae oferece suporte aos microempreendedores com consultorias e capacitações em gestão. A economia popular, baseada na autogestão, surge como alternativa em meio a crises econômicas, demonstrando a criatividade e a resiliência dos brasileiros. Iniciativas como o Mercado Escola da UFMS, em Campo Grande, apoiam pequenos produtores com infraestrutura e formação, fomentando o desenvolvimento local e a economia criativa.
“Mudou completamente a minha vida. Hoje, 95% do sustento da minha casa vem da barbearia. Tudo está bem melhor. Tudo aquilo que eu queria se tornou possível. É só ter uma meta e trabalhar muito”, diz Maycon.
A coragem de empreender veio quando percebeu que o trabalho CLT (carteira assinada) não comportaria seus sonhos.
Eu trabalhei três anos em uma concessionária e comecei a pensar em abrir minha própria empresa. Porque me comparava com os meus superiores. Gerentes que já estavam na empresa há 15 anos ganhavam R$ 6 mil, não tinha para onde crescer. Eu pensava: eu consigo alavancar minha carreira aqui? Não quis ficar estagnado”, afirma o empreendedor.
O começo foi difícil, principalmente com as apostas erradas. “Comecei a arriscar, abri um espetinho sem nem saber assar carne. Me juntei com um amigo, ele assava e eu atendia. Não deu certo. Depois, abri uma tabacaria, mas nunca gostei de beber e quis sair desse público. Fiz um curso de barbeiro e abri aqui”, relata Maycon.
Depois de acertar no investimento, mais desafio para quem trabalha por conta própria. Ele precisou se adequar à burocracia e estudar.
“E, para tudo isso, eu fiz cursos. Primeiro, me aperfeiçoei em cortes, depois na gestão de pessoas, na área de vendas, tentei diversificar o portfólio de atendimentos, não ficar só em corte e barba. Fui buscar cursos de marketing, de liderança. Alguns eu fiz no Senac e outros fiz particulares, investindo na minha formação. Quem tem um produto tem que investir no seu produto. Eu preciso investir em mim, me atualizar e entender do meu negócio”.
Ele destaca que ser MEI (Microempreendedor Individual) facilita ter acesso a taxas menores e financiamentos. “Mas não é tão fácil como parece, porque não pode ter nome sujo, tem que fazer alguns seguros no banco. No final deste ano, quero pegar um empréstimo mais alto. Quero crescer”, diz o dono da barbearia.
Madrugar na cozinha e sonho com sabor de brigadeiro
O dia começa cedo para Gabrielli Gasperin Martins, 33 anos. Às 5h da manhã, ela já está na cozinha colocando salgados para assar e garantindo a produção de bolos caseiros. De segunda a quinta, são 30. De sexta a sábado, o número sobe para 40.
Os bolos, que colorem e enchem de sabores a estufa da loja “Meu Caseirinho”, no Bairro Maria Aparecida Pedrossian, em Campo Grande, viraram a fonte de renda da família.
Além de Gabrielli, que saiu do emprego de auxiliar administrativo para investir em um negócio próprio, o esposo também deixou a segurança da carteira assinada para reforçar a equipe. Ela conta que é MEI há um ano e viu um novo mercado se abrir: vendas para o setor corporativo. Além de acesso a aplicativo de delivery.
Ser MEI abre muitas portas para a gente. Consigo atender empresas porque tenho nota fiscal. No Natal e na Páscoa, foram muitos pedidos corporativos”, diz Gabrielli.
A produção de bolos começou como uma renda extra, mas, quando formou uma cartela de clientes, ela decidiu investir no sonho.
“No começo, o mais difícil era não ter um salário certo. E o melhor dessa mudança foi conseguir ser mais presente na vida da minha filha, que vai fazer seis anos. Consigo conciliar melhor os meus horários com o dela”.
Para a empreendedora, o sucesso tem sabor doce. Os bolos mais vendidos são o de cenoura com cobertura de brigadeiro e o de laranja.
As flores no caminho de Beatriz

“Me encontrei nas biojoias. É muito gratificante pegar uma flor, desidratar e transformar em uma linda peça. Minhas criações são feitas com elementos naturais, como flores, folhas, sementes, sal, café. Tudo aquilo que a natureza nos oferece com generosidade”, afirma Beatriz Corregaro, que deixou a profissão de fisioterapeuta para se tornar empreendedora.
As peças da Flor de Luz Biojoias também encapsulam lembranças, como fio de cabelo de bebê, dentinhos, cordão umbilical e cinzas de cremação. “Cada biojoia é carregada de significado e feita com profundo respeito à memória de quem a encomenda”, diz Beatriz.
Em fevereiro do ano passado, ela decidiu formalizar a atividade com o apoio do Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas).
“Durante os cursos que participei, tive meu primeiro contato com o MEI e compreendi a importância de profissionalizar meu trabalho. Assim, abri meu CNPJ, buscando não só a formalização, mas também o aprimoramento por meio da capacitação. Pois uma empresa que é formalizada e tem o respaldo do Sebrae é melhor vista no mercado”.
A força dos microempreendedores na economia
Mato Grosso do Sul tem 161.913 MEIs (Microempreendedores Individuais) ativos, o que representa 48,4% das empresas formalizadas no Estado. O número total é de 334.575.
Na prática, isso significa que quase uma em cada duas empresas sul-mato-grossenses atua dentro desse regime. Conforme o Sebrae, evidência clara da relevância do MEI para a inclusão produtiva, geração de renda e estímulo à formalização de pequenos negócios.
A média de idade dos microempreendedores é de 40 anos. No recorte por gênero, os homens são maioria entre os MEIs, representando 54,7% dos registros, enquanto as mulheres correspondem a 44,8%, número ainda expressivo e que reforça o papel feminino no empreendedorismo estadual.
Formalização e acesso a crédito são desafios
Apesar de o regime de MEI oferecer vantagens como isenção de taxas para abertura e funcionamento, acesso facilitado ao CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica) e simplificação de obrigações fiscais, muitos ainda desconhecem os detalhes do processo de formalização, o que pode levar à informalidade ou ao aproveitamento limitado dos benefícios disponíveis. O microempreendedor pode contribuir para a aposentadoria e receber benefícios de seguridade.
Segundo o estudo “Perfil do MEI - Edição 2024”, 56% dos microempreendedores formalizaram-se por necessidade de uma fonte de renda, enquanto 39% o fizeram por enxergar uma oportunidade de negócio. Após a formalização, 73% relataram aumento nas vendas, o que demonstra o impacto positivo da regularização.
Apesar disso, o acesso ao crédito permanece como uma das maiores dificuldades enfrentadas pelos MEIs. As principais finalidades para solicitação de crédito são capital de giro, expansão do negócio, investimento em equipamentos ou tecnologia e cobertura de emergências.
Contudo, muitos esbarram em entraves como histórico de inadimplência, baixa capacidade de pagamento, ausência de garantias e documentação incompleta. Também há muitos MEIs que ainda utilizam apenas contas bancárias de pessoa física, o que dificulta a comprovação do faturamento e a análise de crédito pelas instituições financeiras.
Para mudar esse cenário, o Sebrae/MS oferece orientações por meio de consultorias especializadas, além de soluções como plano de negócios, ferramentas de gestão financeira, estudos de viabilidade e informações sobre as melhores linhas de crédito.
A economia que emerge da necessidade
“A gente costuma brincar que a economia popular é aquela feita sem patrão. A economia que é baseada na autogestão das pessoas. Ela está dentro de um ecossistema capitalista. Mas o principal objetivo da economia popular é que, tanto individualmente ou coletivamente, as pessoas consigam gerar renda. E, a partir do momento em que a gente vai explorando essa economia popular, consegue ver outros recortes”, afirma Joel Pereira Cirqueira.
Professor na UCDB (Universidade Católica Dom Bosco), ele é administrador, mestre em Psicologia Social, doutorando em Administração na UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul) e consultor de gestão.
Um dos recortes da economia popular é a feira livre, setor que o pesquisador conhece desde a infância, quando ia ajudar os avós. “Eu me recordo que havia a ideia de que se comprasse o produto na feira, não era considerado tão bom. Agora, a gente vê esse movimento que tem sido empreendido por muitos jovens de fomentar essa economia popular com as feiras”.
Joel destaca os desafios de ser patrão e, ao mesmo tempo, o empregado. Ele exemplifica que a lógica do “eu faço meu horário” soa sedutora. Mas a realidade é que a pessoa precisa trabalhar por horas e horas para conseguir alcançar determinado ganho.
“Se a gente não olhar com cuidado, cria relações muito fragilizadas. Não tem como uma pessoa viver de fazer feira uma vez por semana. Ela tem que fazer o seu corre para conseguir manter renda fixa”, diz o professor.
A economia popular emerge da necessidade, diante da crise do modelo tradicional.
Com desemprego, inflação, historicamente a gente viveu momentos muito difíceis, as pessoas tiveram que ser criativas. Você precisa comer, então vai ser criativo. É uma economia emergente, porque emerge da necessidade. Enquanto a economia mais formal vem do contexto industrial, a economia popular vem das periferias”, afirma Joel.
Saberes do campo chegam à universidade
No próximo mês, a UFMS vai abrir uma chamada pública diferente. O edital será para seleção de pequenos produtores rurais, cooperativas, quilombolas e indígenas. As atividades serão desenvolvidas no Mercado Escola, estrutura no campus da universidade em Campo Grande.
A ideia deriva da feirinha agroecológica, que já era realizada na instituição de ensino, por onde circulam 12 mil pessoas por dia.
“Mas foi percebida a necessidade de não ficar só na comercialização. As pessoas precisam se desenvolver. Com isso, veio o Mercado Escola, um espaço dedicado à agricultura familiar e economia criativa. Aqui a gente consegue fazer desenvolvimento de produto, estudo de mercado. Que a partir daqui elas possam caminhar sozinhas”, afirma a coordenadora Aline Gomes da Silva.
O espaço tem doca para desembarque dos produtos, sala de aula, laboratórios e grande pátio que vai abrigar 34 estandes para comercialização de frutas, legumes, artesanatos, chipa, sopa paraguaia. Inicialmente, a venda será uma vez por semana.
Segundo Aline, os selecionados vão participar de formações ligadas a custo de produção, como colocar preço no produto, atendimento ao consumidor, análise de mercado. “A gente conta com todos os professores e técnicos da universidade, de diferentes áreas”.
O Mercado Escola é o primeiro no Brasil a dedicar espaço para agricultura familiar e economia criativa dentro de uma universidade.
"Nós estamos desenvolvendo um modelo que esperamos que seja replicado em outros Estados e em outras universidades. Um espaço coletivo para comercialização e desenvolvimento de empreendimentos familiares". destaca a coordenadora.
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