Mercado aquecido, mas sem mão de obra, impacta qualidade no atendimento
Empresários mostram que a escassez de funcionários reflete na logística cotidiana

Campo Grande tem vivido um paradoxo no mercado de trabalho: ao mesmo tempo em que há centenas de vagas abertas, muitas permanecem sem candidatos ou sem profissionais qualificados. O assunto já é bem conhecido, mas o outro lado é o impacto que isso causa no atendimento.
RESUMO
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Campo Grande enfrenta um paradoxo no mercado de trabalho: vagas em aberto, mas falta de profissionais qualificados. Setores como comércio, construção civil e gastronomia sofrem com a escassez, impactando o atendimento ao público. Apesar do saldo positivo de empregos no estado, encontrar mão de obra qualificada é um desafio para as empresas. A falta de funcionários afeta estabelecimentos como a Padoca do Enaldo, que precisou reduzir a jornada de funcionamento e o cardápio. A Ótica Veja investe em treinamento e inteligência artificial para otimizar processos. Uma gráfica na Vila Planalto também relata dificuldades em completar o quadro de funcionários. A situação reflete o crescimento econômico da cidade, exigindo esforços para qualificar a mão de obra e atender à demanda das empresas.
Comércio, construção civil, bares, restaurantes enfrentam a mesma dificuldade. Quem procura por serviços presenciais ou precisa de agilidade em determinados setores encontra um ritmo mais lento, não por falta de esforço das empresas, mas porque equipes reduzidas acabam sobrecarregadas.
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De acordo com dados do Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), o saldo de emprego em Mato Grosso do Sul está positivo, resultando em saldo de 26.755 no período de janeiro a julho. O número é resultado de 261.535 admissões e 234.780 desligamentos.
Em Campo Grande, o saldo positivo é de 6.903 no mesmo período, resultado de 92.008 contratações e 85.105 desligamentos.
No entanto, em dezembro do ano passado, os números não são tão animadores. O painel mostra saldo negativo de 2.806 na Capital. No mês de referência, houve mais demissões (11.381) do que contratações (8.575).
De acordo com a Funsat (Fundação Social do Trabalho), os anúncios abertos no órgão são em torno de 4 mil ao mês, podendo variar durante períodos do ano.
Para quem busca emprego, a mensagem é clara: oportunidades existem. Mas achar gente para trabalhar é quase a conta-gotas.
Na Padoca do Enaldo, em Campo Grande, a rotina de trabalho é marcada por adaptações para lidar com a falta de funcionários. A proprietária, Michelle Echeverria, conta que a escassez de mão de obra acompanha o negócio quase desde o início.
Atualmente, o estabelecimento tem nove funcionários, mas necessita de mais quatro para a área administrativa e para as funções de garçom, cozinheira e confeiteira.
“Praticamente desde que abrimos, são raros os meses em que temos equipe completa. Vamos fazer três anos, e esse é o maior desafio. Hoje, a minha técnica de nutrição auxilia no atendimento e no caixa, e a cozinheira auxilia na confeitaria, tudo para suprir”, enfatizou.
Para conseguir manter a operação, Michelle precisou tomar decisões difíceis, como reduzir a jornada de funcionamento e cortar opções do cardápio.
“Eu tive de fechar um dia da semana para dar uma folga geral porque não estávamos conseguindo fazer escala e deixamos de faturar por causa disso. Eu diminuí algumas coisas do cardápio para não demorar muito tempo na cozinha. Diminuímos dois pratos do almoço e três dos lanches tradicionais. Eram pratos mais elaborados e, por isso, demoravam mais”, explicou.
A mudança foi necessária, pensando na necessidade do cliente. “Percebemos a urgência do cliente em receber o prato no tempo certo. Antes eram 5 minutos; agora, são 10 minutos”, detalhou.
Mesmo com currículos chegando, a empresária explica que a dificuldade vai além da quantidade.
“Chegam muitos currículos, mas as pessoas não têm nível básico de conhecimento. Têm experiências rasas; os funcionários pingam de emprego em emprego. Então, eles acham que mudar de emprego por R$ 100 vai ser bom, mas deixam de adquirir experiência. A gente contrata, mas o funcionário não permanece; falta comprometimento com a carreira. Precisamos mostrar que o problema não é da empresa, para que as pessoas tenham um pouco mais de empatia. A empresa está levando a culpa por funcionários ruins”, disse.
Ela também comenta o tipo de pessoa que aparece para trabalhar: uns pedem para não registrar a carteira de trabalho para não perder os benefícios, e outros duram dois dias.
“Contratei um funcionário que, dois dias depois, pediu para sair porque disse que era muita coisa para aprender. Também já houve uma mulher que foi embora 15 dias depois porque não gostou de limpar uma panela, dizendo que era cozinheira. Gente que pediu para não assinar a carteira porque estava recebendo benefício”, contou.
Segundo o supervisor da loja Ótica Veja, Gustavo Reis, o problema já é crônico. “Sempre passamos por isso. Como nosso ramo precisa ter um conhecimento bem específico, fazemos o treinamento durante os 3 primeiros meses com os colaboradores, especificamente para a área de vendas”, explicou.
Embora a empresa esteja atualmente com o quadro completo, ele ressalta que ainda necessita de mais quatro funcionários para cobrir eventuais problemas. É aí que está o desafio.
“Estamos sempre contratando e treinando devido às férias dos funcionários; por isso, precisamos ter de três a quatro funcionários a mais para cobrir. Isso impacta diretamente o faturamento e influencia, principalmente, a logística da empresa. Em geral, temos de remanejar funcionários nos períodos de férias. Então, com certeza, a falta de funcionários e, principalmente, de mão de obra qualificada impacta diretamente o tempo de atendimento e o faturamento”, pontuou.
Para contornar as dificuldades, a ótica aposta em treinamento e no uso de tecnologia. “Estamos capacitando e investindo muito em treinamento. Utilizamos IA (Inteligência Artificial) em vários processos dentro da empresa. Hoje, o empresário que não utiliza IA no seu negócio como uma alavanca para otimizar processos e, consequentemente, aumentar o faturamento está atrasado, ainda mais com essa escassez de mão de obra”, disse.
Na Vila Planalto, uma gráfica coordenada por Thalita Aquino também enfrenta dificuldades para manter o quadro de funcionários completo. Atualmente, a empresa conta com dez funcionários, mas o ideal seria quinze.
"Em três anos, a gente não conseguiu fechar uma equipe para dizer que estamos com uma equipe boa e completa. O número de desempregados é grande, mas, na prática, não existe mão de obra. É uma conta que não fecha; a gente acaba optando por contratar um funcionário que não tem nenhum tipo de experiência ou que está iniciando para treinar e qualificar, mas nem sempre temos êxito", relatou.
Ela reconhece que essa situação afeta o atendimento ao público. “No WhatsApp, atendemos 150 clientes por dia. Se o nosso quadro estivesse completo, com pessoas comprometidas, reduziríamos esse atendimento pela metade”, pontuou.
Crescimento – Na visão do superintendente de Desenvolvimento Econômico de Campo Grande, Luciano Rodrigues, o cenário é reflexo do avanço da Capital.
“É a questão da dor do crescimento. Campo Grande e Mato Grosso do Sul vivem em quase pleno emprego. Há muitas empresas chegando e reclamando que não há gente capacitada”, afirmou.
O desafio exige união de esforços entre o poder público e entidades de capacitação. “Temos de juntar a Prefeitura, o Sistema S e demais entidades para investir em capacitação e promover a mudança na mentalidade das pessoas, porque cada vez mais virão empresas para cá e vão precisar de gente capacitada para trabalhar. Reconhecemos essa necessidade e temos feito esforços”, pontuou.
O superintendente também destaca o aspecto social ligado à falta de mão de obra. “Acho que tem as questões sociais: as pessoas entenderem que o trabalho traz dignidade, traz valor. Acho que essa questão de mudar a mentalidade, pensar que pode não ganhar tudo aquilo que quer, mas pode conseguir crescer, evoluir, ter curso. Eu acho isso importantíssimo”, concluiu.
Nova geração - O presidente da CDL-CG (Câmara dos Dirigentes Lojistas de Campo Grande), Adelaido Vila, destaca da necessidade de ter alguém qualificado.
"O empresário precisa de uma pessoa que não seja apenas uma mão, que manuseie os produtos, que entregue um produto ou que sirva alguém, precisa do corpo inteiro e essa conquista do corpo inteiro depende dos propósitos das empresas", ressaltou.
Vila também pontua que a nova geração acaba não aceitando desconfortos no trabalho. "Evita qualquer tipo de conflito, qualquer tipo de resistência. A nova geração, simplesmente, abandona o trabalho e vai embora. Essa é a geração que está aí, a geração Z", completou.
Pensando em toda essa problemática, a entidade busca levar a tecnologia para dentro das empresas.
"Nós já criamos o funcionário digital, que tem o objetivo de garantir o atendimento via WhatsApp. Muitos clientes fazem contato com as empresas e não conseguem falar com o funcionário. Então, criamos todo um procedimento de esclarecimento de dúvidas, de demonstração de produto e de argumentação sobre esse produto. Mas, o que estamos fazendo é conciliar o trabalho humano com essa IA", disse.
Para o presidente da Associação Comercial e Industrial de Campo Grande, Renato Paniago, é necessário repensar em alguns pontos estruturais do mercado de trabalho.
"As novas gerações têm expectativas diferentes em relação ao ambiente de trabalho, à flexibilidade e à valorização da carreira. Se conseguirmos adaptar o modelo de contratação e de gestão de pessoas a essa realidade, oferecendo condições mais atrativas e sustentáveis, teremos um equilíbrio maior entre a necessidade das empresas e a disponibilidade de profissionais."
Renato também destaca a importância da tecnologia nos dias atuais, o que pode ajudar a minimizar o problema.
"As empresas podem investir fortemente em capital humano, oferecendo melhores condições de trabalho e planos de valorização que ajudem a reter talentos. Ao mesmo tempo, podem buscar apoio na tecnologia, adotando ferramentas digitais que auxiliem no atendimento, reduzam filas e agilizem processos. Esse equilíbrio entre pessoas bem preparadas e tecnologia de apoio é o caminho para oferecer uma experiência de qualidade ao cliente, mesmo em momentos de escassez de mão de obra", finalizou.
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