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Arquitetura

Casa de 100 anos abriga histórias de professor amado e de cartomante famosa

No Amambaí, construção histórica recebeu, durante anos, moradores atendidos por dona Mercedes e festas de amigos do historiador Ivanir Vieira da Cunha

Thailla Torres | 25/06/2018 08:22
Fachada da casa, vista de uma das ruas mais antigas do Amambaí. (Foto: Fernando Antunes)
Fachada da casa, vista de uma das ruas mais antigas do Amambaí. (Foto: Fernando Antunes)

Na casa de tijolos de areia, no Bairro Amambaí, não fosse pela fachada, seria pelo azulejo a viagem no tempo. A surpresa é que ao entrar pelo portão no terreno 1.200 m², mais que o mobiliário antigo e as relíquias, a construção de muito tempo revela a identidade de duas pessoas que marcaram a história de 100 anos da residência.

A família calcula ser uma das casas mais antigas de Campo Grande, hoje tomada pela poeira. O local foi cenário para os atendimentos da cartomante Mercedes Vieira da Cunha, que morreu aos 82 anos, em 2003, e de seu sobrinho historiador Ivanir Vieira da Cunha, que partiu aos 65 anos, em 2016.

No terreno há duas construções. A casa vermelha, desbotada e de frente para a rua, é a mais antiga delas, erguida pela mãe de Mercedes, dona Perciliana Maria dos Santos da Cunha que chegou no bairro por volta de 1915 e ali morou até morte aos 103 anos de vida. Mercedes, foi única entre os filhos que nunca casou e passou vida dedicada à fé. "Nunca casou e nunca namorou. Foi uma mulher devota a Deus. Era também católica na igreja Nossa Senhora do Perpétuo Socorro", lembra uma das sobrinhas, Carmem Vieira da Cunha, de 70 anos que até hoje mora no mesmo terreno.

Mercedes, a cartomante conhecida na cidade. (Foto: Arquivo Pessoal)
Mercedes, a cartomante conhecida na cidade. (Foto: Arquivo Pessoal)
Ivanir, o professor amado e festeiro. (Foto: Arquivo Pessoal)
Ivanir, o professor amado e festeiro. (Foto: Arquivo Pessoal)

A casa foi templo para os atendimentos de Mercedes. "Ela era cartomante, lia baralho espanhol e a casa estava sempre cheia, desde madrugada", recorda a sobrinha-neta Valesca Zschornack, de 45 anos.

A cena de uma fila de pessoas na porta de casa nunca saiu do imaginário familiar. "Era muita gente, tia Mercedes era conhecida nessa cidade, o atendimento dela demorava horas e eram somente seis por dia, nada mais que isso. Quando era criança não gostava muito, a sala estava sempre abarrotada de gente", recorda.

Foi assim até os últimos minutos de vida, quando Mercedes partiu aos 82 anos, de câncer. Após isso, nada mudou na residência em relação a estrutura, mas a casa foi tomada pela antiguidades e coleções do sobrinho e professor de História, Ivanir Vieira da Cunha.

Nascido na mesma casa, Ivanir foi do tipo que se apaixonou pela História ainda pequeno. Gostava pesquisar, amava colecionar e se realizava ao dividir suas experiências com quem fosse. Não era à toa que a casa vivia cheia, garante a família. "Muita gente, essa casa já recebeu muita gente", conta Carmem, irmã do historiador. "Ele era um professor muito querido, tanto que a casa nunca ficou vazia. Nossa família sempre foi muito católica, então tinha festas de São João, São Cosme e Damião e todo domingo, ele reunia os amigos para fazer um almoço diferente", lembra a irmã.

Sala está repleta de antiguidades deixadas por Ivanir. (Foto: Fernando Antunes)
Sala está repleta de antiguidades deixadas por Ivanir. (Foto: Fernando Antunes)
Mala da década de 30. (Foto: Paulo Francis)
Mala da década de 30. (Foto: Paulo Francis)
Uma coleção de carrinhos em miniatura. (Foto: Paulo Francis)
Uma coleção de carrinhos em miniatura. (Foto: Paulo Francis)

Ivanir graduou em História pela antiga FUCMAT e lecionou durante anos na escola estadual General Malan, no bairro Amambaí. "Onde você vai e pergunta, era um professor querido. O coração sente muita saudade, porque ele era uma alegria na vida de muita gente".

Colecionador, Ivanir não dispensava relíquias, muito menos uma obra de arte. A parede da casa que hoje está repleta de porcelanas, antigamente, era bem mais lotada de quadros e obras compradas ao longo do tempo. "As pessoas sabiam que ele gostava e davam pra ele. Ao mesmo tempo, quem chegasse aqui e gostasse de alguma peça, ele presenteava de imediato. Parecia não ter apego".

O irmão partiu cedo, em 2016, após um infarto. "Acordou sentindo uma dores no perto, não estava disposto, levamos ao médico e no mesmo dia ele morreu", lembra. Para dar continuidade ao desejo do irmão, Carmem doou parte dos objetos que tomavam os cantos da casa. "Era muita coisa, falando assim até parece exagero, mas cada amigo intimo levou uma peça deixada por ele. Os objetos mais antigos e raros, nós doamos para um museu em Bonito", conta.

Carmem é a irmã que guarda tudo com carinho. (Foto: Paulo Francis)
Carmem é a irmã que guarda tudo com carinho. (Foto: Paulo Francis)
Paulo foi professor, durante anos, na escola General Malan. (Foto: Arquivo Pessoal)
Paulo foi professor, durante anos, na escola General Malan. (Foto: Arquivo Pessoal)

Mas parte do mobiliário e das coleções continuam na casa. Livros, discos de vinil, porcelanas, santos, miniaturas e objetos históricos ainda ocupam a sala. Em quarto vazio, as caixas de papelão preservam os CD's e VHS preferidos. "De vez em quando eu ainda abro para limpar tudo. Era coisa que ele gostava muito, por isso não tive coragem de doar", diz a irmã.

Os móveis e objetos deixados por Ivanir hoje ficam na segunda casa construída há 45 anos, no fundos do mesmo terreno. A casa vermelha que abrigou a família e as histórias hoje permanece fechada, danificada por conta do tempo. "A casa ficou muito grande pra pouca família que ainda resta. Temos outros irmãos, mas cada um mora em uma casa diferente, então decidimos vender e recomeçar em outro lugar". 

O imóvel avaliado em R$ 1,5 milhão está à venda, mas há tempos, ninguém se interessa pela casa. "Só perguntam, mas ninguém vai a fundo na proposta. Mas é um espaço lindo e a gente torce para que alguém aproveite a história que ela tem".

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Detalhe do teto da casa vermelha, que hoje permanece fechada. (Foto: Fernando Antunes)
Detalhe do teto da casa vermelha, que hoje permanece fechada. (Foto: Fernando Antunes)
Está é a vista da sala onde pessoas passavam o dia à espera de Mercedes. (Foto: Fernando Antunes)
Está é a vista da sala onde pessoas passavam o dia à espera de Mercedes. (Foto: Fernando Antunes)
Fachada da residência, hoje desbotada e tomada pelo verde das trepadeiras. (Foto: Fernando Antunes)
Fachada da residência, hoje desbotada e tomada pelo verde das trepadeiras. (Foto: Fernando Antunes)
No quintal de 1.200 m², a segunda casa construída pela família "Vieira da Cunha" (Foto: Fernando Antunes)
No quintal de 1.200 m², a segunda casa construída pela família "Vieira da Cunha" (Foto: Fernando Antunes)
Imagens sacras parecem continuar abençoando a família que resta. (Foto: Fernando Antunes)
Imagens sacras parecem continuar abençoando a família que resta. (Foto: Fernando Antunes)
E a história de 100 anos parece que aos poucos, está se perdendo no tempo. (Foto: Fernando Antunes)
E a história de 100 anos parece que aos poucos, está se perdendo no tempo. (Foto: Fernando Antunes)
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