Aos 75 anos, Juvercino mantém viva a memória da mãe com traje gaúcho
De família sulista, mas sem nunca ter ido ao RS, porteiro se sente 'dono do trono' quando pilchado
Filho e neto de gaúchos, Juvercino Teotonio da Silva, de 75 anos, carrega no corpo e na alma o orgulho de suas raízes. Mesmo sem nunca ter pisado no Rio Grande do Sul, ele veste com orgulho o traje típico que a mãe colocou tantas vezes nele durante a infância. Quando pilchado, como se chama o look completo, Juvercino diz que não apenas se sente bem, mas o “dono do trono”.
Ele desfila pela casa com a bombacha, camisa, lenço, botas, guaiaca, chapéu e manta. Para ele, a roupa poderia ser usada todos os dias. Nascido em Mato Grosso do Sul, Juvercino sempre ouviu que não era um gaúcho legítimo para usar a roupa. Mesmo com os comentários, ele afirma não ligar para a opinião dos outros.
A tradição é mantida não só por gosto dele, mas pela memória e homenagem à mãe, Izaura Teotonio de Assis, que faleceu aos 88 anos, há 8 anos.
Podia ficar em casa com ela, mas a calça não tá servindo muito. Se pudesse, ficava o dia todo com ela. Quando estou trajado, me sinto dono do trono. Gosto do frio. Quando está quente, sinto que tenho 80, quando está frio, tenho 18. O pessoal fala que não sou gaúcho. Eu falo que eu gosto e já vi até japonês vestido".
Apesar de conhecer o avô e saber que ele se vestia assim, foi vendo a mãe e os tios que a paixão pelo traje nasceu. “Meu bisavô era gaúcho. Meu avô me conheceu, mas ele faleceu quando eu era pequeno. Meus tios usavam o traje gaúcho, minha mãe mantinha a tradição. Chimarrão era o dia inteiro em casa, o fandango (baile) também, peguei isso dela.”

Falando na mãe, Juvercino conta que guarda lembranças ainda vivas de Izaura ensinando ele a dançar vaneirão, rancheira, xote, tudo. A culinária é algo que ele também mantém na lembrança e tenta recriar os pratos.
“Ela deixou muita saudade para todo mundo. Quando minha mãe era viva, a casa dela era cheia. Peguei isso pra mim, gosto de casa cheia. Carrego dela a culinária, sou bom de panela. Faço doce, bolo, de tudo. O churrasco aqui é quase sempre, mas o gaúcho, que é diferente do de Mato Grosso do Sul. A costela assada no espeto é o diferencial. Se não tiver isso e uma ponta de peito, não é churrasco. Aqui não falta costela e mate.”
O porteiro abre o baú do passado para mostrar os discos de vinil de bandas gaúchas que escutava com a mãe. Dos seis filhos, apenas ele manteve o costume e amor às raízes.
“Faço isso em memória da minha mãe. Ela faleceu por idade mesmo. Eu era muito apegado com ela. O engraçado é que o gosto pelas coisas só eu peguei. Eu não tenho uma foto dela agora.”
Vindo de uma família de baileiros, Juvercino conta que começou a dançar nos galpões gaúchos de Campo Grande e nunca mais parou. “Eu morava no Jockey e ia até o CTG, e me deu na cabeça de me trajar. Eu ia direto e gostei. Eu levava os parentes para o baile gaúcho, todo mundo gostava, a gente é baileiro. Vestia meus filhos de trajes gaúchos também.”

Sobre as festas, ele conta que já ganhou até reconhecimento de melhor traje tradicional. “Tem uma colônia nas Três Barras e todo ano tinha baile. O festeiro me contratava para fazer a festa. O fandango começava às 18h e ia até 6h do outro dia. Eu era o DJ da época.”
Legítimo gaúcho, o assunto chimarrão é palavra delicada e levada a sério em casa. Juvercino ensina como fazer um de verdade, começando pela erva.
Tem que ser tradicional. Não compro no Mercadão aqui, aquelas azeda tudo. Posso tomar o dia todo. Eu comecei a tomar com 12 anos, tomava com a minha mãe e nunca mais parei. O jeito gaúcho de fazer é pegar a erva, colocar na cuia e fazer o topete. Mas aqui não é pegar a bomba e enfiar lá dentro, é agasalhar ela na erva enquanto tapa a boca dela. Depois é só colocar a água".
Ele conta que o contato com o chimarrão foi natural, já que a família cultivava a erva no sítio onde moravam, perto de Amambai.
“Minha mãe mesmo socava a erva. A gente colhia, pegava ela e colocava em uma esteira para secar, fazia tipo um fogo de chão para assar e colocava no pilão. Aí virava o pó da erva. Eu ajudava ela a fazer. O sustento não vinha da venda da erva, mas da lavoura.”
A esposa, Maria Eunice Norberto, de 72 anos, não gosta de tereré nem de chimarrão. Ela comenta que costumava acompanhar o marido nos bailes, ia de prenda, àqueles vestidos compridos. A dança também está no sangue dela por ser filha de paraguaia.
“Somos casados há 55 anos. Sou cozinheira. Ele não pede muita comida gaúcha, só churrasco que faz. O prazer dele é a casa cheia e os netos. Ele fica todo pomposo com essa roupa.”

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