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Comportamento

Avó branca e neta negra encaram racismo e andam de mãos dadas contra preconceito

Thailla Torres | 26/05/2017 08:14
Mariana virou um exemplo de força quando recebeu da vida o desafio de encarar de frente o preconceito.
Mariana virou um exemplo de força quando recebeu da vida o desafio de encarar de frente o preconceito.

Mariana virou um exemplo de força quando recebeu da vida o desafio de encarar de frente o preconceito no caminho. Filha de mãe branca e pai negro, os dias não são fáceis, para quem sente na pele a dor de olhares e palavras duras vindas de gente que usa a cor da pele como argumento preconceituoso. Por isso, desde pequena, uma das frases que aprendeu com o pai ainda emociona: “Tenha orgulho da tua pele!”, sentimento que ela divide hoje com a avó e a filha, ambas brancas.

Jornalista, Mariana Castelar, de 32 anos narra que entre as situações que já viveu de preconceitos, algumas chegam ser absurdas pela insistência. "Quando minha avó, que é branca, morou um tempo no Espírito Santo, as pessoas e o porteiro insistiam que eu era cuidadora dela. Uma dia ele, o porteiro, chegou a me perguntar quando eu recebia pelo trabalho", relata. 

Sempre com educação ela lidava com olhar desconfiado de quem não acreditava na história. "O olhar das pessoas mostravam a dúvida sobre como eu tinha condições de pagar aquele apartamento".

De mãos dados, elas caminham juntas contra o preconceito. (Foto: Marcos Ermínio)
De mãos dados, elas caminham juntas contra o preconceito. (Foto: Marcos Ermínio)

Quando Mariana conta as situações, para muita gente é tudo fora realidade. "É como diz o ditado, quem bate esquece, quem apanha nunca. Na realidade de quem é negro é assim, a gente se machuca mas as pessoas acham que é exagero, que tudo é uma brincadeira e que negro tem oportunidade como qualquer outra pessoa, mas isso é mentira".

Ela diz, como em todo lugar, há exceções no comportamento das pessoas. Mas Campo Grande é um dos lugares onde mais se encontra discriminação. "Eu tinha 3 anos. Meu pai contava que na roda na hora de dividir o lanche na escola uma coleguinha disse que não ia pegar o meu porque eu era preta. Quando cheguei em casa, chorava no chuveiro, esfregando a bucha vegetal tentando tirar a sujeira", lembra.

A imagem do choro e tristeza marcou tanto, que dali em diante Mariana carrega um lição. "Desde aquele momento o meu pai disse: tenha orgulho da sua cor! E minha mãe reforçava que eu deveria colocar amor em tudo que eu fizesse na vida".

Mas as decepções não acabaram na infância. Foi na adolescência que o preconceito foi ainda mais doloroso. "Eu tinha a mesma turma de amigos há 8 anos na escola, eram pessoas que frequentavam a minha casa. Naquele ano um holandês veio passar terminar o ensino médio na escola e rolou uma lista das meninas mais bonitas e ele disse o meu nome, mas os amigos disseram que eu não poderia estar na lista por ser preta".

Não há nada no mundo que diminua o amor tão grande entre avó e neta.
Não há nada no mundo que diminua o amor tão grande entre avó e neta.

A situação comoveu Mariana não pela vaidade, mas pelo abismo entre o respeito e a lealdade dos amigos. "Naquele momento meu chão abriu, porque até então a galera que falava da minha cor para minha mãe eu nem ligava, mas quando vi que eram os meus próprios amigos que tinham preconceito comigo, aquilo doeu. Sinceramente? Eu não queria estar na lista das mais bonitas, mas muito menos ser julgada porque eu era negra".

E o mais absurdo é que até no nascimento os pais de Mariana enfrentaram o preconceito."No meu registro de nascimento eu sou branca, acredita? Naquele tempo eles não tinham muitas informações e nem como lutar contra. Até hoje na certidão continuo branca".

E o que mais perturba Mariana e sua avó Maria Lugão Ferreira, de 76 anos, é o preconceito cotidiano, dos comentários a oportunidade desigual para quem é negro no País. "Eu acho um egoísmo tão grande do ser humano. Temo o direito de viver sem olhar a cor de ninguém. Confesso que eu acho isso uma loucura nos tempos de hoje".

Apesar da timidez durante a conversa, o sorriso é de orgulho da neta que para ela nunca teve nenhuma diferença. "Quando minha filha casou com o pai da Mariana que era negro, muita gente falava com desconfiança, mas eu nunca vi diferença porque na verdade não tem. Somos todos seres humanos. Eu lembro que na época do casamento tive que aconselhar minha filha a responder com amor caso o marido sofresse alguma discriminação", lembra Maria.

Mariana, Helena sua filha e a avó Maria. (Foto: Marcos Ermínio)
Mariana, Helena sua filha e a avó Maria. (Foto: Marcos Ermínio)
Mariana ao lado do pai que já faleceu.
Mariana ao lado do pai que já faleceu.

Para Mariana, a indignação é em relação ao tratamento desigual desde a uma ida no shopping ao mercado de trabalho. "Meu pai por exemplo, que era negro, foi o homem mais rico da família, fez três faculdades enquanto a minha mãe não conseguiu nenhuma. Só que ele faz parte de um minoria, enquanto a maioria da comunidade negra nesse País não consegue emprego por conta da sua cor. E alguém acha que isso história, é só olhar a sua volta e ver quantos negros estão nos mesmos cargos que muita gente por aí".

A força para conviver com situações desagradáveis, Mariana diz encontrar no amor da família e o carinho de poucos. "Eu faço isso em tudo na vida, coloco amor na frente e acredito que enquanto o ser humano criar outro dizendo que o tom de pele determina o que ela é na vida, isso pra mim vai continuar sendo surreal".

Para dona Maria, o única resposta é ter esperança. "Eu já estou idoso, não sei se vou estar viva para ver isso, mas temos que acabar com essa hipocrisia e falta de respeito. Eu espero que isso um dia não exista", torce.

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