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Comportamento

Cola durante a prova pode até ser educativo, garante pesquisadora

A professor de matemática, Juliana Alves fez uma pesquisa para doutorado usando o tema

Alana Portela | 21/04/2019 07:44
A cola na mão é uma das tradicionais para lembrar das fórmulas de matemática na hora da prova (Foto: Kisie Ainoã)
A cola na mão é uma das tradicionais para lembrar das fórmulas de matemática na hora da prova (Foto: Kisie Ainoã)

Quem nunca fez aquela colinha para se lembrar de uma resposta na hora da prova? Aqueles rabiscos no braço, entre os vãos dos dedos, na borracha, no lápis ou em papéis minúsculos que quase não dá para entender a letra. Pois é, muitos estudantes usam esse método para não errar na prova, porém isso pode sim ajudar os alunos, garante a professora de Matemática, Juliana Alves, que estudou os efeitos da cola durante doutorado e indica a estratégia como instrumento docente.

“A cola mostra a engenhosidade do aluno, o que desafia professores e instituições de ensino a buscar estratégias. E esse não é um problema das instituições púbicas ou de determinado nível de ensino. Pelo contrário, ocorre também em instituições privadas e nos mais diversos níveis de ensino, do fundamental à pós-graduação”, conta.

Especificamente em relação à utilização da cola, no GEPEMA (Grupo e Estudos e Pesquisa em Educação Matemática e Avaliação), não havia um trabalho formalizado, relata Juliana. “Esse foi iniciado, em 2014, por meio de uma pesquisa de mestrado realizada pelo professor Cristiano Forster, um dos orientandos da professora Regina Buriasco. Em 2015, quando ingressei no doutorado em Educação Matemática, aqui da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul de Aquidauana, discutimos algumas possibilidades de pesquisa e houve a abertura para seguir naquilo que sentíssemos maior interesse. E a ideia de exploração da cola me encantou” lembra.

“O Cristiano pesquisou a utilização da cola em prova escrita como um recurso à aprendizagem e concluiu que a oportunidade de aprendizagem foi proporcionada em pelo menos dois momentos: quando o aluno preparou sua cola e quando construiu e validou o gabarito da prova”, disse.

Para a pesquisadora, a utilização da cola é “resistente”. “Os mais variados mecanismos de controle e punição acabam levando a uma mudança de estratégia por parte dos alunos e ao aperfeiçoamento de sua utilização, possibilitando inferir que não há efetividade de qualquer que seja o instrumento de vigilância e repressão. Esses aspectos nos leva a pensar que não há efetividade nos instrumentos de controle, e até mesmo a questionar se é possível eliminar a cola”, relata.

Foi a partir deste ponto que surgiu a ideia da pesquisa, em aliar-se a ela. Contudo, como uma estratégia docente. “Consideramos que diversificar os meios de avaliar a aprendizagem é mais construtivo”, afirma.

Para realizar o projeto, Juliana contou com a ajuda da orientadora de doutorado, professora Dra. Regina Buriasco, que é docente da Universidade Estadual de Londrina e colaboradora do doutorado em Educação Matemática da UFMS. “Ela desenvolve pesquisa na área de avaliação da aprendizagem escolar há mais de 20 anos e coordena o GEPEMA. Além de pesquisar, também utiliza diversas estratégias avaliativas em sala de aula com seus alunos da graduação, de mestrado e de doutorado. A utilização da cola em provas é uma delas”, contou.

A professora Juliana Alves ensinando os alunos da UFMS de Aquidauna (Foto: Divulgação)
A professora Juliana Alves ensinando os alunos da UFMS de Aquidauna (Foto: Divulgação)

Desmistificando - As ações de um professor sempre são voltadas para a aprendizagem de seus alunos, diz Juliana Alves. “Ter consciência, a partir da pesquisa do Cristiano, de que utilizar a cola contribui para esse fim, foi importante no desenvolvimento de minha tese”, falou.

No entanto, a professora de matemática quis mais, como partir de algo que é uma conduta comum entre os alunos (a cola tradicional, proibida) para um processo de subversão. “Um processo de desconstrução do proibido para o permitido, de um meio fraudulento para um meio de estudo e aprendizagem, de uma conduta discente para uma estratégia docente”, disse.

Juliana relata como foi dar continuidade no tema. “Delicado. Este ano, estamos elaborando um projeto de pesquisa a ser desenvolvido, uma escola pública com alunos do ensino médio e o recebimento da proposta causa estranhamento. É necessário explicar bem a ideia desde aos gestores até aos estudantes para que não haja interpretações de que ‘agora pode tudo’ ou que o professor está sendo permissivo e conivente com uma atitude considerada fraudulenta”, afirma.

A proposta é que a cola perca sua força e finalidade de dar vantagem na nota e se constitua um meio de estudo. “A ideia é trabalhar com outros tipos e dinâmicas de cola, pesquisando a viabilidade e funcionalidade da cola como estratégia docente na escola de educação básica”, conta.

A professora relata que de início, os alunos pensam que a utilização da cola tornará a prova mais fácil. “Isso aconteceu com meus estudantes ao receber a proposta. Mas, ao final, falaram que foi difícil e que tiveram que estudar muito, porque dispor apenas das informações não era suficiente, pois é preciso saber utilizá-las”.

“Como professora foi necessário que eu passasse por um processo de aprendizagem da avaliação. Mudar uma conduta em um curto espaço de tempo foi difícil, porém mais complicado ainda é ter essa prática cotidianamente”, disse.

Os alunos estudando durante a aula de matemática da professora Juliana Alves (Divulgação)
Os alunos estudando durante a aula de matemática da professora Juliana Alves (Divulgação)

Estratégia - Conforme a professora Juliana Alves, o intuito não é promover a cola tradicional, mas reconstruí-la como recurso ao estudo, investigando essa reconstrução. “A cola é a única fonte de consulta permitida no momento da realização da prova e deve ser elaborada pelo próprio estudante. Ele precisa estudar para preparar sua cola. Serve de apoio na prova e minimiza a pressão da memorização e o nervosismo comum em dias de prova”, explica.

Juliana relata que a cola como estratégia docente necessita de estudo prévio, escolhas (porque o espaço destinado a ela é limitado), análise, produção pessoal e reflexão. “É tomada como um recurso ao estudo, aliada do professor”, disse.

Podem existir diversos encaminhamentos para utilizar a cola em uma prova escrita. “O que realizamos em nossa tese é apenas um deles. Cada professor tem autonomia para realizar os ajustes que julgar necessários à sua realidade tanto em relação ao instrumento e dinâmica quanto aos critérios de pontuação, correção e regras sobre a utilização e construção da cola. O mais importante é tornar a avaliação também em um momento de aprendizagem”, destacou.

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Em sala de aula, os alunos aprendem fórmulas para aplicarem nas provas (Foto: Divulgação)
Em sala de aula, os alunos aprendem fórmulas para aplicarem nas provas (Foto: Divulgação)
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