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Comportamento

Douglas sobreviveu a queda de avião e recuperou a coragem para voar novamente

Ele sofreu um acidente aos 17 anos, ficou sem andar e sua história teve um desfecho nas nuvens

Thailla Torres | 06/10/2017 06:05
Douglas descreve como sobreviveu a uma queda de avião e voltou a voar. (Foto: Marcos Ermínio)
Douglas descreve como sobreviveu a uma queda de avião e voltou a voar. (Foto: Marcos Ermínio)

Douglas Azevedo Avedikian, de 27 anos, foi criado em Campo Grande e sempre louco pela aviação. O avó era piloto, o tio seguiu a mesma profissão e as aeronaves eram as escolhas na infância quando o assunto era diversão. Fascinado pelo céu, Douglas só imaginava a liberdade conquistada lá em cima, até que um dia, um passeio acabou virando pesadelo. O avião pilotado pelo tio caiu com ele como passageiro, um acidente que mudou para sempre sua vida e a forma como encarar o futuro, transformação que ele compartilha hoje no Voz da Experiência.

Nas costas, a cicatriz da cirurgia depois de quebrar quatro vértebras. (Foto: Marcos Ermínio)
Nas costas, a cicatriz da cirurgia depois de quebrar quatro vértebras. (Foto: Marcos Ermínio)

"Tudo aconteceu há 9 anos. Era domingo, 5 de maio de 2008. Eu já costumava voar aos fins de semana. Meu tio é piloto e prestava serviço de táxi aéreo. Então, todo sábado e domingo minha diversão era estar no aeroporto para voar com ele e os amigos.

Naquele domingo nós decolamos, passei em cima do shopping, do Parque das Nações e ficamos cerca de 40 minutos voando. Quando voltamos para o aeroporto e estávamos para tocar o solo, um ultraleve entrou na nossa frente e ele não tinha comunicação com a gente. Ou seja, não sabíamos que ele entraria na pista, mas tínhamos autorização da torres para pousar.

Naquele momento, meu tio aumentou a velocidade e fez uma curva para a esquerda. Mas o avião estava muito baixo e com pouca sustentação, por isso em menos de um segundo, caímos.

Quando percebi o avião no chão eu entrei em choque. Vi aquela gasolina vazando para dentro sem ter forças para abrir a porta. Naquele momento eu já não sentia mais as minhas pernas e me bateu o desespero, porque a todo instante eu pedia para tirar o meu tio do avião.

Foi tudo muito rápido, alguns perguntam o que eu pensei na hora, mas não dá tempo. É uma coisa que você nunca espera, está acostumado só a pousar e decolar. 

Fui levado para Santa Casa com muitas lesões na coluna e no rosto. Foram 30 dias internado no hospital e cinco dias em coma, mas permaneci em estado grave.

Quebrei quatro vértebras da coluna e tive uma compressão medular, foi necessário uma cirurgia para descomprimir a medula. Quebrei o maxilar e os dentes vieram parar na minha mão. Foram colocadas duas placas de titânio no rosto e uma no maxilar.

Os médicos disseram aos meus pais que eu ficaria paraplégico para o resto da vida. Mas sempre fomos pessoas de muita fé e no dia da minha cirurgia, meu pai recebeu um versículo da Bíblia que dizia: o que é torcido se endireitará, e o que é áspero se aplainará. Para ele não foi uma coincidência do destino, mas uma certeza que voltaria a andar porque Deus falou com ele.

Quando acordei do coma, eu levei um baque, porque não sentia minhas pernas. Meus pais nunca deixaram eu saber a notícia dos médicos sobre o meu futuro. Por muito tempo eu só acreditei que voltaria a andar, mas a recuperação não foi nada fácil.

Douglas antes do acidente. (Foto: Arquivo Pessoal)
Douglas antes do acidente. (Foto: Arquivo Pessoal)
Como ficou o avião. (Foto: Arquivo Pessoal)
Como ficou o avião. (Foto: Arquivo Pessoal)

Para não perder o ano letivo, passei a estudar em casa, mas era um ritmo intenso de fisioterapia, fonoaudióloga e massagem para aliviar as dores que eu tinha na coluna. Foram 8 meses de cadeira de rodas até que eu fui evoluindo. Depois fui para o andador e depois para a muleta.

Mas não era fácil porque jogava futebol, vôlei e era uma pessoa muito ativa. Perdi massa muscular, cheguei aos 45 quilos. Fiquei tão diferente que chegava a pensar que nunca mais iria andar.

Mas quem me dava força e apoio, principalmente, era o meu pai. Ele me abraçava dizendo que era tudo uma fase e que eu iria superar. Acho que foi muita fé alcançada para eu finalmente me livrar de tudo e andar normalmente. A única sequela é no músculo da perna direita que ficou frágil, ainda preciso de fisioterapia para fortalecer essa musculatura.

Se depois disso tudo eu deixei de voar? Jamais. Na verdade eu ainda estava no hospital e pedia pelo amor de Deus que alguém me tirasse de lá para voar. Até que um dia, quando estava me recuperando em casa, pedi para meu tio, piloto, que me levasse para voar ainda na cadeira de rodas.

No céu eu não segurei a emoção. Foi a primeira vez que eu e ele estávamos voando juntos depois do acidente. Ele chorou e naquele momento eu disse: Nós começamos isso juntos e vamos terminar juntos. Então aquele momento foi muito especial.

Apesar de todo desespero e sofrimento, eu nunca pensei em deixar de voar. Porque pra mim, o avião só cai por falha humana e se a gente tiver responsabilidade, isso é muito difícil de acontecer. Talvez aconteça por um fator externo e isolado como foi o caso desse ultraleve na nossa frente, mas se ele não estivesse, não teríamos caído.

Apesar da vida ter voltado ao normal, posso dizer que o acidente foi transformador. Não sou a mesma pessoa e nem tenho o mesmo sonho. A juventude carrega na gente ambições que só percebemos com a maturidade. Meu pai dizia: a vida não é só bens e ele tinha razão.

Na adolescência, confesso, deseja um carro de luxo, mansão e um avião. Mas depois do acidente isso tudo perdeu a importância. É claro que a gente busca viver de maneira confortável, mas com o tempo a gente perde o exagero. Eu aprendi a olhar a vida com outros olhos, ter humildade e continuar sendo uma pessoa do bem. 

Confesso que apesar do sofrimento, alguns detalhes após acidente me deixa feliz. Na época eu já fazia parte da igreja Batista e tinha muitos amigos. Foi feita uma campanha de doação de sangue e cerca de 15 mil pessoas doaram sangue naqueles 30 dias em meu nome. Eu nunca consigo esquecer de pessoas que conheci e estiveram internada naquela mesma época precisando de transfusão. Saber que tantas pessoas ajudaram com as doações é muito gratificante.

E nada vai mudar a minha paixão pelo céu. Desde o acidente continuo acreditando que voar é enxergar o mundo de outra maneira. O azul do céu me traz paz e me sinto com Deus quando estou lá em cima. Sei que meu lugar é nas nuvens!".

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