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Comportamento

Em bar que foi “sucursal” do Governo há décadas, só figueira continua cliente

Paula Maciulevicius | 28/08/2013 06:25
Próximo da sede do Governo e do estúdio dos fotógrafos de Pedrossian, desculpa ou justificativa, o fato é que todo dia tinha alguém da Secretaria de Comunicação no boteco da esquina. (Foto: Marcos Ermínio)
Próximo da sede do Governo e do estúdio dos fotógrafos de Pedrossian, desculpa ou justificativa, o fato é que todo dia tinha alguém da Secretaria de Comunicação no boteco da esquina. (Foto: Marcos Ermínio)

Na década de 80 quem queria saber dos bastidores políticos ou discutir o tema era só chegar no bar do Paulo, na esquina das ruas Calarge com a 14 de Julho. Nos copos, cachaça e cerveja e no prato, salada de salsicha enlatada com cebola e tomate, que era comido com pão. Apoiados no balcão ou nas poucas mesas estavam os que entendiam do assunto: jornalistas e fotógrafos da Secretaria de Comunicação do então governador Pedro Pedrossian.

O expediente encerrava às 18h na sede do Governo, que à época funcionava na Fundação de Cultura. Mas o outro começava no bar e seguia até 20h. Para esse, cartão de ponto era dispensado. Só não podia era fazer hora extra. O dono, Paulo Nakasato, hoje com 74 anos, era um japonês metódico. Como quem bate o ponto dos clientes, ele colocava os jornalistas e fotógrafos porta afora para que procurassem outra mesa de bar. O dele fechava as portas às 8h da noite. A saideira, se passasse disso, era capaz de ficar para o outro dia.

O Palácio do Governo era a poucas quadras dali e exatamente ao lado estava o estúdio dos fotógrafos Roberto Higa e Valmirar Gomes, que trabalhavam para o governador Pedro Pedrossian. Desculpa ou justificativa, o fato é que todo dia tinha alguém da Secretaria de Comunicação no boteco da esquina.

Secretário de Comunicação na época, Oscar Gaspar, lembra das discussões acaloradas sobre Política que giravam as mesas do boteco.
Secretário de Comunicação na época, Oscar Gaspar, lembra das discussões acaloradas sobre Política que giravam as mesas do boteco.

O lugar era tão marcado que acabou ganhando o nome de sucursal. Quem fala é o próprio secretário de Comunicação daquela época, o jornalista Oscar Ramos Gaspar. Ele faz questão de frisar que parou de beber tem mais de 20 anos, mas lembra como se fosse hoje das histórias que só o "Bar do Paulo" guardaram.

O boteco em si não era referencial para a cidade, mas marcou a época de quem viveu o momento e de alguma forma testemunhou Mato Grosso do Sul dos anos 80. Eram eles quem retratavam, com palavras ou fotos, o cenário político atual.

O bar era modesto, quase que uma mercearia. A porta azul de madeira, duas ou três mesas e ao fundo, a casa do casal de japoneses. Beber por lá era de pé. “A cada vez que ia no laboratório, ia no boteco. Qualquer político saía do estúdio e ia no bar. Fomos rebocados para lá pelo estúdio do Higa”, relembra Oscar.

Quem convive sabe. Juntou jornalista e fotógrafo é história pra contar na certa. A conversa era tanta que o bar virava todas as noites uma espécie de ‘senado’. “Todo mundo conversava os temas mais relevantes ali. Debatia política e economia como se fossem decidir o futuro do Brasil amanhã e ali ninguém tinha responsabilidade de nada” brinca Oscar.

Os anos eram o começo da década de 80. O bar mesmo teve o “auge” entre 1981 e 1982, depois disso, após o fim do mandato de Pedrossian, cada um foi para o seu lado e o bar sentiu o baque. Entre o final da década de 80 e começo dos anos 90, fechou as portas.

Quem olha hoje só vê a madeira azul que um dia serviu de porta. Os espaços abertos para os clientes chegarem foram substituídos por tijolos e a Figueira.
Quem olha hoje só vê a madeira azul que um dia serviu de porta. Os espaços abertos para os clientes chegarem foram substituídos por tijolos e a Figueira.

“A gente brinca que ali foi tombado pelas avessas, pelo esquecimento”, comenta Oscar.

Quem olha hoje só vê a madeira azul que um dia serviu de porta. Os espaços abertos para os clientes chegarem foram substituídos por tijolos, talvez numa tentativa de preservar o lugar de usuários de drogas. O curioso é a Figueira que nasce da estrutura. E claro, as pichações, parte delas artísticas que tomaram conta do que um dia foi o ponto de encontro das novidades políticas.

“Faz parte de um conjunto de memórias de um tempo, de um grupo que num determinado momento tinha um protagonismo. Para a gente que passa, ali tem representação na vida”, completa Oscar.

Sendo o co-responsável, ao lado de Gomes, o fotógrafo Roberto Higa tem na ponta da língua uma explicação para o entra no estúdio e sai no bar. Mais simples seria se na época uma porta entre os imóveis levasse das fotos direto para o balcão do ‘seo’ Paulo.

“Como uma vez tomaram o líquido de revelar foto da geladeira, ninguém mais queria tomar água daquela geladeira, então realmente ia pro bar”, brinca Higa. Sem citar nomes, a história verdadeira era de que a pessoa em questão procurava por água, e pela sede, tomou de uma vez três generosos goles. Reza a lenda que nada de mal aconteceu. Quem bebeu por engano o líquido curou com pinga no bar.

Antônio Mazeica 'Fumaça', um dos frequentadores assíduos de uma época em que por o papo em dia era na mesa do bar.
Antônio Mazeica 'Fumaça', um dos frequentadores assíduos de uma época em que por o papo em dia era na mesa do bar.

Higa conta que além do povo do meio da Comunicação, muita gente que frequentava ali, teve a vida mudada. “Eu tinha ganhado um cartão de um secretário que falava ‘fulano de tal, favor atender com emprego o nosso amigo Roberto Higa’. Na época eu tinha emprego, então dei para um amigo que estava desempregado há dois anos. Ele se aposentou pelo TCE e mora hoje em Recife”, recorda.

Colega de profissão e de boêmia, Antônio Mazeica, mais conhecido como ‘Fumaça’, tem o resumo para o que o bar era naquela época. A justificativa vale até hoje quando o boteco é frequentado pra por o papo em dia.

“No final do expediente todo mundo se reunia no boteco. Todo jornalista entrava como funcionário público e saía de fininho pro boteco. Não tinha isso de internet, de Facebook. A nossa comunicação era boca a boca, então como que a gente colocava a fofoca em dia? Se juntava pra conversar no boteco. Era uma geração que bebia por esporte, por prazer”.

E não é só jornalista que fala não. A vizinhança também sente saudades das portas abertas. O aposentado Nilton Yara, de 66 anos, tinha a oficina ali do lado do bar. O café de todo santo dia era bebido ali. Ele, vez ou outra, ouvia as conversas de quem compôs a boêmia daqueles anos.

'Seo' Nilton era vizinho e se lembra até hoje do café que tomava e das 'pinguinhas' que os frequentadores gostavam.
'Seo' Nilton era vizinho e se lembra até hoje do café que tomava e das 'pinguinhas' que os frequentadores gostavam.

“Era mais o pessoal que gostava de uma pinguinha mesmo. Mas eu frequentava e dá saudade. Era meu vizinho...” fala.

Hoje o bar está abandonado. A estrutura nunca mais vingou depois que o ‘seo’ Paulo fechou as portas. A gente até tentou contato com ele. Mas aos 74 anos, ele só disse que nada tinha pra falar porque já fazia muito tempo. Não tem problema, a história do bar é recontada por quem mais frequentou aquela esquina.

“Eu reclamo que não tem barzinho onde se encontra jornalista hoje”. A frase saudosista é do fotógrafo que tinha o estúdio ao lado. Valmirar Gomes ainda quer reunir todo mundo de novo e quem sabe por a fofoca em dia da política de hoje.

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