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Comportamento

Escoteiro não é mais o mesmo, mas por aqui já recebeu até presidente

Danielle Valentim | 23/04/2019 08:00
Escoteiros chefiados por Sérgio Alves da Silva lavando a Praça Ary Coelho em 1969. (Foto: Kísie Ainoã)
Escoteiros chefiados por Sérgio Alves da Silva lavando a Praça Ary Coelho em 1969. (Foto: Kísie Ainoã)

Nesta terça-feira, dia 23 de abril, é comemorado o “Dia Mundial do Escoteiro”. Na ativa em Campo Grande há mais de 50 anos, o movimento juvenil teve papel importante no fim da década de 60 e início de 70. Da limpeza da cidade a viagens desbravadoras pelo Estado, a velha guarda do movimento critica a perda da essência. Porém, um paralelo com a atualidade defende que a época de "ordens" ficou para trás e a criançada de hoje em dia precisa mesmo é ter iniciativa.

O dia foi escolhido em homenagem ao padroeiro dos escoteiros, São Jorge, conhecido como um santo guerreiro. O movimento foi fundado pelo britânico Robert Stephenson Smyth Baden-Powell, em 1907, que na época se inspirou no cotidiano de tribos africanas. Desde aquela época o objetivo principal do escotismo era tornar crianças e adolescentes cidadãos exemplares.

Pastor Sérgio com dezenas de fotos na mesa do escritório. (Foto: Kísie Ainoã)
Pastor Sérgio com dezenas de fotos na mesa do escritório. (Foto: Kísie Ainoã)

Em Campo Grande, o primeiro chefe de escoteiros foi Sérgio Alves da Silva, hoje com 69 anos. Ele liderou o grupo escoteiro Olavo Bilac 1º MS, ligado ao Sesi. “Eu tinha 17 anos e fui convidado por um amigo, o ex-senador Waldemir Moka, a conhecer o movimento. Nós fomos criados juntos e ele que me levou para o Sesi para participar do grupo de escoteiros. Esse foi o primeiro grupo de escoteiros de Campo Grande”, conta.

Ainda em 1969, ele e as crianças do grupo presentearam a cidade com um banho na Praça Ary Coelho. “Neste dia nós lavamos a Praça Ary Coelho. A limpeza ocorreu no aniversário de Campo Grande, no dia 26 de agosto de 1969, como presente à cidade”, disse.

A frente do Olavo Bilac por poucos anos, Sérgio se desentendeu com um dos superiores saiu do Sesi e começou a servir no Exército Brasileiro. Logo depois foi convidado a chefiar o grupo de escoteiros Marechal Rondon, ligado ao Sesc, a convite do próprio Camillo Boni.

Grupo de escoteiros lavando a Praça Ary Coleho como presente de aniversário a Campo Grande. (Foto: Kísie Ainoã)
Grupo de escoteiros lavando a Praça Ary Coleho como presente de aniversário a Campo Grande. (Foto: Kísie Ainoã)

Mesmo no Exército, onde serviu por nove meses, Sérgio conseguiu conciliar o serviço militar e a chefia do grupo de escoteiros. “Eu havia deixado o Sesi e fazia 15 dias que eu estava no Exército. Porém, o dr. Camillo Boni soube da minha liderança e me chamou para levar minha equipe de escoteiros à Cuiabá, onde ocorreria um encontro nacional de escoteiros. O comandante da 9ª região militar, o general Plinio Pitaluga, era amigo do dr. Camillo e me deu mais 15 dias para que eu fosse a essa viagem levar o grupo. A viagem aconteceu em junho de 1969”, conta.

A aproximação com o engenheiro rendeu a Sérgio grandes oportunidades, uma delas e a mais importante, a de estudar. Atualmente pastor, Sérgio é formado em teologia, psicologia e pedagogia.

“Camillo Boni foi um homem muito influente em Campo Grande. Ele era Italiano e a gente ria muito dele. Ele contava que assim que chegou ao Brasil ficou 20 anos em Cuiabá, depois 30 anos em Aquidauana, mais 50 em Campo Grande e ainda tinha 70 anos”, ri Sérgio. “Dr. Camillo foi um pai que eu tive na adolescência. Eu tinha parado de estudar e ele pediu para a secretaria dele me matricular no Colégio Osvaldo Cruz e eu nunca mais parei de estudar”, completa.

Os escoteiros tem diversos lemas, como “estar sempre alerta para ajudar o próximo e praticar diariamente uma boa ação”. Os escoteiros prezam a natureza e as atividades ao ar livre como exercícios, excursões e acampamentos, e têm como finalidade serem sadios para desenvolver noções de dever com a Pátria e para com o próximo.

Ex-senador Waldemir Moka em época de escotismo. (Foto: Kísie Ainoã)
Ex-senador Waldemir Moka em época de escotismo. (Foto: Kísie Ainoã)

O ex-senador Waldemir Moka relembra que o grupo Olavo Bilac foi o primeiro em terra, mas que a Base Aérea também manteve um time de escoteiros do ar, o grupo Antônio João de Figueiredo. Moka ressalta que ter feito parte do grupo moldou parte de sua personalidade.

“Os escoteiros do ar se reuniam no círculo militar. Esse foi o primeiro grupo de escoteiros de Campo Grande do ar na Base Aérea. Depois que esse grupo acabou, começou o grupo de escoteiros da terra. O escotismo dá uma formação para o cidadão muito importante. Já naquela época dentro do grupo havia uma preocupação ambiental e sempre foi pontuado que os escoteiros eram bons para os animais e as plantas. São ensinamentos que em uma criança ou pré-adolescência são coisas fortes e os ensinam sobre lealdade. Isso contou muito ao longo da minha vida. Claro que eu tive família para apoiar também, mas ajudou na formação da minha personalidade”, explica Moka.

Waldemir ressalta que muito se perdeu nos anos, mas que o escotismo é uma escola. “Aprender a fazer fogo, preparar comida, seguir uma pista, uma trilha, fazer os famosos nós de escoteiros. Diferentemente de outras modalidades, você tem liberdade. No escotismo você não é obrigado, você quer ir por vontade própria. Eu tenho recordações muito boas. Foi uma escola”, finaliza.

Entre aventuras, Sérgio relembra uma viagem em um vagão da Maria Fumaça à Ponta Porã com 118 crianças e depois descida ao Buraco das Araras. “Tinha pais que não deixavam as crianças viajar. Mas hoje eu fico imaginando que não faria isso de novo”, ri. “Mas naquele tempo você tinha uma liderança diferente. Você falava uma vez e já era obedecido”, disse.

Para Sérgio, a essência do escotismo de certa forma “acabou”. “Porque ser escoteiro era um desafio. As provas exigiam mais, por exemplo, a localização por bússola assim como o fundador que conviveu um tempo com o costume tribal”, disse.

Grupo na Maria Fumaça e bilhete da época. (Foto: Kísie Ainoã)
Grupo na Maria Fumaça e bilhete da época. (Foto: Kísie Ainoã)
Vista de Costa e Silva em Campo Grande. (Foto: Kísie Ainoã)
Vista de Costa e Silva em Campo Grande. (Foto: Kísie Ainoã)

Visita de Costa e Silva - Os Lobinhos recepcionavam até presidentes da república. Ainda em 69, o 27º Presidente do Brasil, Costa e Silva - segundo do período da Ditadura Militar - visitou Campo Grande. O Grupo Marechal Rondon foi convidado à recepcioná-lo. “O dr. Camilo Boni era muito influente e o general da época era muito rígido, mas também muito amigo, então éramos convidados. Eu que era chefe e os demais escoteiros ficamos mais longe. Os lobinhos foram quem entraram no pátio e se aproximaram de Costa e Silva”, conta.

E hoje em dia? A escoteira e atual chefe dos lobinhos do grupo Olavo Bilac 01, Ana Rita Amarília discorda que o movimento tenha se enfraquecido. Para ela, com o passar dos anos mudam-se as técnicas de aplicação das atividades, mas a essência é a mesma.

“O público mudou. É um público que é muito ligado as tecnologias. Hoje as crianças são mais elétricas. A gente precisa se atualizar com frequência”, defende.

Ana Rita e o filho João Pedro durante homenagem à Brasília Silva Mello. (Foto: Divulgação)
Ana Rita e o filho João Pedro durante homenagem à Brasília Silva Mello. (Foto: Divulgação)
Ana Rita e filho João Pedro em passeio no Bondinho, no Rio de Janeiro. (Foto: Arquivo Pessoal)
Ana Rita e filho João Pedro em passeio no Bondinho, no Rio de Janeiro. (Foto: Arquivo Pessoal)

Rita explica que o escotismo é dividido em ramos, lobinho, escoteiros, sênior e pioneiros. “Para os lobinhos trabalhamos a parte mística e os personagens da Jângal, por exemplo, com a Pantera Negra, o lado físico, o espiritual e amor aos animais com Francisco de Assis. Todos formam a “Faceis”: Físico, afetivo, caráter, espiritual, intelectual e social”, diz.

Insignas e distintivios - Todo escoteiro se empenha para ganhar insignas e distintivos. “Nas férias João Pedro (filho) ajudou meu pai a pintar parede e conseguiu validar o distintivo. Ele já tem a especialidade de natação e de confeitaria. As atividades são para vida toda e não só apenas por duas horas aos sábados”, frisa.

O mestre em administração Jefferson de Pádua, de 42 anos, atual presidente da região escoteira de Mato Grosso do Sul explica que o movimento escoteiro passou por diversas mudanças, algumas significativas, como de 2000 para cá.

Outra diferença é que antigamente o chefe mandava fazer, mas, agora, as crianças tomam iniciativas. (Foto: Arquivo Pessoal)
Outra diferença é que antigamente o chefe mandava fazer, mas, agora, as crianças tomam iniciativas. (Foto: Arquivo Pessoal)
Ainda na década de 70, as etapas eram vencidas apenas por mérito, hoje em dia, por desenvolvimento da criança. (Foto: Arquivo Pessoal)
Ainda na década de 70, as etapas eram vencidas apenas por mérito, hoje em dia, por desenvolvimento da criança. (Foto: Arquivo Pessoal)

Ainda na década de 70, as etapas eram vencidas apenas por mérito. Diferente de agora, em que se prezam os objetivos educacionais alcançados e o desenvolvimento da criança e adolescente. Atualmente, os pais de crianças escoteiras também são convidados a participarem de cursos, sendo eles o preliminar, que explica todo o movimento escoteiro, e o básico, que inclui até acampamentos.

Jefferson explica que o movimento organiza os ECOs (Encontros do Centro-Oeste), que neste ano será sediado em Campo Grande, nos dias 13 e 14 de julho. É nesse encontro que os dirigentes organizam como serão as atividades para os próximos anos.

“No início do mês organizamos um evento que teve até apresentação de dança do ventre por mulheres cadeirantes e demais atividades inclusivas. Aprendemos sobre o assunto para que depois nossos jovens façam o acolhimento das crianças”, explica.

O presidente também discorda que o escotismo perdeu a essência e explica que a diferença é que nas décadas de 70, 80 e 90 se frisava as técnicas escoteiras, como nós, fogo e acampamentos.

“Hoje não frisamos isso. Nosso objetivo é transformar as crianças em bons cidadãos, que sejam responsáveis pelo seu próprio desenvolvimento. Ressaltamos em cada jogo um objetivo educacional, nas áreas física, afetiva, do caráter, espiritual, intelectual e social. O acampamento, os nós, e demais ações se tornam um chamariz para que a criança permaneça dentro do movimento”, explica.

Outra diferença é que antigamente o chefe mandava fazer, mas, agora, as crianças tomam iniciativas. “Temos o exemplo de uma lobinha de 9 anos. Minha esposa faz tratamento contra um câncer e lá existe um trabalho voluntário de fabricação de toucas de lã. A lobinha digitou um texto por conta própria pedindo doações e pediu para que a diretora da escola autorizasse a distribuição nas salas. Outra Lobinha fez uma campanha para conseguir cobertores. Para o seu aniversário pediu que os convidados no lugar do presente, doassem cobertores. Então, esse é nosso pagamento, já que todos são voluntários”, finaliza Jefferson.

De família escoteira, Jefferson faz parte do movimento desde 1984 e cuida de crianças como chefe desde 1996. Há seis anos se tornou dirigente e no ano passado ganhou a eleição como presidente da região de MS. A mãe Brasília Mello é presidente do grupo escoteiros Messiânico e esposa diretoria administrativa. Ele também tem duas filhas, uma lobinho e outra na fase escoteira.

Seminário de inclusão. (Foto: Arquivo Pessoal)
Seminário de inclusão. (Foto: Arquivo Pessoal)
Lobinhos reunidos. (Foto: Arquivo Pessoal)
Lobinhos reunidos. (Foto: Arquivo Pessoal)

O movimento escoteiro é dividido em cinco fases:

Os Lobinhos, de 6 a 10 anos, em que se aplicam atividades lúdicas baseadas na alcateia, como o menino Mogli. Os professores recebem os nomes dos personagens.

Os escoteiros e as escoteiras, de 11 a 14 anos, as atividades são relacionadas à aventura. Os participantes já montam sua própria barraca, fazem seu fodo, sua comida, sempre trabalhando em grupo. O lema é “Sempre Alerta”.

Os sênior (meninos) e guia (meninas), de 15 a 18 anos. Nessa fase, os escoteiros são movidos a desafios mais elaborados, como acampamento volante. O lema também é “Sempre Alerta”.

Os pioneiros e pioneiras, de 18 a 21 anos, em que o objetivo já é formar um plano de vida, com direcionamentos a cursos na faculdade, metas futuras e organização de atividades.

E, por fim, os escotistas e dirigentes, de 21 anos em diante. São voluntários que trabalham na orientação e avaliação das crianças, sendo inclusive, responsáveis por organizar os demais escoteiros, como um RH (Recursos Humanos) dentro do grupo.

Atualmente, o Estado conta com 1200 escoteiros de 20 grupos diferentes. No Brasil, há pelo menos 4,8 mil grupos de escoteiros.

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