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Comportamento

João trocou Ceará por MS, mas festa de 90 anos teve rapadura e sacos de farinha

Thailla Torres | 27/03/2018 08:06
João Belarmino comemorou 90 anos de vida no último dia 18 de março com festa à altura.
João Belarmino comemorou 90 anos de vida no último dia 18 de março com festa à altura.

Aos 90 anos, seu Francisco João Belarmino esbanja a simpatia nordestina. "Tem tempo para me ouvir?", questiona. Ao receber o sim, ajeita a cadeira de fio recém feita por ele e com um cumprimento carinhoso começa o "dedo de prosa". As lágrimas caem ao mencionar a festa de aniversário, no dia 18 de março, que teve lembrancinhas da vida simples que trouxe do Nordeste e também revelaram o instinto de sobrevivência de quem chegou nessas bandas para mudar de vida.

O evento foi organizado nos mínimos detalhes pelos 9 filhos. No lugar dos brigadeiros, para distribuir aos convidados teve rapadura e sacos de farinha com o gosto do Nordeste. Até a decoração da mesa foi pensada diferente, e no lugar das flores, foram colocados vasinhos com pedaços de cana, para lembrar o engenho que João conquistou e tirou a família da dificuldade quando chegaram aqui.

Rapadura, mel e farinha foram lembrancinhas do aniversário de João.
Rapadura, mel e farinha foram lembrancinhas do aniversário de João.

Nascido em Quixeramobim, no Ceará, as circunstâncias o levaram para vários lugares, até fincar o pé de vez em Mato Grosso do Sul, em 1959.

Saído do Nordeste em 1954, João voltou para casa em 57, casou-se e voltou para o Estado do então Mato Grosso no mesmo ano. "Lá no Nordeste a gente ouvia que a terra daqui era boa. Que banana dava na beira da estrada. Então eu quis conhecer esse lugar", conta.

A esposa de João até quis levá-lo de volta para o Ceará, por saudade da família, mas ele não desistiu de investir longe da seca e da miséria. "Era difícil, não chovia, morria tudo que a gente plantava".

João não aprendeu a ler e nem escrever, mas soube calcular o que tinha para traçar um futuro. "Cheguei aqui e comprei um pedacinho de terra, na região de Fátima do Sul, decidi plantar mandioca. As pessoas duvidavam que ia dar certo, porque já tinha mandioca demais naquela época, mas eu quis plantar e comecei a fazer a nossa farinha".

Foram 12 anos de trabalho dedicados a farinheira artesanal criada por ele. "Eu ia na feira com 100 sacos de farinha, vendia tudo. Voltava pra casa e trabalhava de novo".

Um decoração rústica para lembrar o estilo do pai nordestino.
Um decoração rústica para lembrar o estilo do pai nordestino.
Sacos de farinha ocuparam lugar do bolo.
Sacos de farinha ocuparam lugar do bolo.

O trabalho era feito com ajuda dos filhos, mas na hora da escola, João parava tudo o que estava fazendo para garantir que eles chegassem bem à aula. "Papai não teve estudo, mas ele se preocupou muito com a educação dos filhos, todos foram educados. Isso era uma prioridade na vida dele", conta uma das filhas, Marinete Belarmino.

A honestidade do pai também era inquestionável, garante ela. "Apesar de não saber ler e escrever, ele nunca se perdeu nas contas. Sabia quem tinha que pagar e o quanto devia. Nunca deixou de fazer as coisas certinhas".

João foi ficando de vez nas terras sul-mato-grossenses e a saudade do Ceará perdeu-se no tempo. Foi quando ele juntou as economias que tinha e foi buscar o restante da família que havia ficado no Nordeste. "Sempre gostei de todo mundo perto. Tinha que vir todo mundo junto e no Ceará, a terra só é boa quando chove, mas no sertão é difícil".

Por aqui depois de anos trabalhando com farinha, João e a família dedicaram-se à lavoura. "Plantamos milho, abóbora, mandioca e até algodão. Foi assim um bom tempo", lembra.

Hoje, ele mora em Campo Grande, com a segunda esposa, depois de ter ficado viúvo. Sem trabalhar, na frente de casa ele cuida de um terreno para matar a saudade da roça. "Ele não aguenta ficar parado. Sempre foi trabalhador e a saúde dele é sempre estar em movimento".

Carro de boi em que João carregava farinha para vender.
Carro de boi em que João carregava farinha para vender.

A família surpreende-se com a memória e a saúde de João aos 90 anos, que apesar da idade, não tem sinais de esquecimento e é um senhor vaidoso. "Ele está sempre de camisa, gosta de cuidar da pele, usa protetor solar e faz questão de ir ao médico regularmente. É um homem que sempre se cuidou muito", conta a filha.

No café da manhã, não perde as raízes nordestinas ao pedir cuscuz e tapioca como primeira refeição do dia. Por isso na hora de preparar a festança pelos 90 anos do pai, os filhos resolveram homenageá-lo com tudo que fez parte da vida.

"Na mesa decorada, a mala de couro é a mesma que ele trouxe do Nordeste quando chegou aqui. A foto do carro de boi é ele e os filhos quando iam para a feira. Além do poço que lembra o período que ele também passou em São Paulo trabalhando com isso e os sacos de farinha que sempre fez parte da vida dele, lá e aqui com a família".

Com os olhinhos vermelhos, seu João se emociona ao lembrar da festa e busca palavras para agradecer à vida. "Minha família é o tesouro que tenho na terra e creio que chegar aos 90 com tanta saúde, é só por Deus mesmo. Só tenho a agradecer por ter feito a escolha certa de chegar aqui".

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