ACOMPANHE-NOS     Campo Grande News no Facebook Campo Grande News no Twitter Campo Grande News no Instagram
MARÇO, QUINTA  28    CAMPO GRANDE 26º

Comportamento

Mãe foge das histórias de menino e escolhe contar Cinderela ao filho toda noite

Paula Maciulevicius | 08/04/2015 06:23
Desde os três meses de vida Isaac ouve da mãe historinhas antes de dormir. (Foto: Arquivo Pessoal)
Desde os três meses de vida Isaac ouve da mãe historinhas antes de dormir. (Foto: Arquivo Pessoal)

"Talvez eu devesse contar pro Isaac apenas 'João e o Pé de Feijão', 'João e Maria' e 'Os 3 porquinhos'. E até conto todas essas. Mas a preferida dele antes de dormir tem sido a "Cinderela". E quando a história acaba, ele com os olhinhos virando pede: 'de novo mamãe; a Cindelela de novo!'".

Desde os três meses de vida Isaac, que hoje tem 2 anos, ouve da mãe, Maria Alice Campagnoli Otre, historinhas antes de dormir. As fotos mostram o manuseio dos livros mesmo antes de saber o que letrinha com letrinha formaria. Numa época em que se discute tanto os conceitos formados em cima do que é de menino ou de menina, me chamou atenção a forma como Maria Alice escolheu de contribuir para que o filho no futuro tivesse uma cabeça diferente. 

O conto de fadas desta princesa que deixa cair um sapatinho ao sair correndo do baile não era exatamente a preferência da mãe, foi ao acaso. "Estava fazendo ele dormir e resolvi contar de cabeça, sem livros. Foi a que me lembrei", fala a mãe.

O contato com livros começou antes mesmo de ele  saber o que letrinha com letrinha formaria. (Foto: Arquivo Pessoal)
O contato com livros começou antes mesmo de ele saber o que letrinha com letrinha formaria. (Foto: Arquivo Pessoal)

Na versão da mãe, o conto não segue as páginas de um livro, vem da imaginação da jornalista Maria Alice e a mensagem que ela quer passar. "Eu mantenho quase tudo igual. Tiro apenas os adjetivos relacionados ao padrão de beleza e tento também tirar estereótipos de que o príncipe 'salvou' a Cinderela da infelicidade e pobreza, porque com um homem e um castelo ela será feliz. Digo que ela também salvou o príncipe da solidão e da tristeza", pontua.

Todas as noites, a Cinderela da história não tem um tipo físico ideal. "É uma moça amável, que sofre muitas injustiças ao lado de pessoas que não gostam dela. Na minha história, o príncipe se apaixona por uma moça inteligente, alegre e falante, não necessariamente 'linda'", diferencia a mãe.

E não é só ele que a liberta de uma vida sofrida para morar num castelo. Cinderela também o liberta de sentimentos que para o menino talvez ainda não tenha um significado: tristeza, da solidão, de uma vida sem graça e alegria.

"Na minha história há um relato em preto e branco, para o Isaac mentalmente colorir. A Cinderela pode ter a cor, o tamanho, o peso que quiser. O príncipe também. Cinderelas, Brancas de Neve, Belas adormecidas, podem ser grandes oportunidades de falarmos sobre coisas que estão pré-estabelecidas há muito tempo e precisam ser mudadas. Para os meninos e para as meninas", explica.

Conto vem da imaginação da jornalista Maria Alice e a mensagem que ela quer passar. (Foto: Arquivo Pessoal)
Conto vem da imaginação da jornalista Maria Alice e a mensagem que ela quer passar. (Foto: Arquivo Pessoal)

Isaac é, por enquanto, único filho de Maria Alice. Assim que a entrevista com a jornalista começa ela explica que criar um filho não é ciência e sim, uma arte. "Eu tenho convivido muito com 'isso é de menino', 'isso é de menina' e não quero criar um filho sexista. Essas histórias que serão contadas por alguém, num momento ou outro, a meu ver trazem posturas defasadas e que precisam ser questionadas. Então prefiro que ele ouça minha primeira versão", argumenta a mãe.

O conto de fadas narrado pela mãe não diz que Cinderela ganhou o príncipe porque era linda, ou porque ele estava sob um feitiço encantado. Também não relaciona a "sorte grande" de ela ter saído da pobreza e virado princesa. "Tento passar valores como respeito às características físicas de cada um, respeito aos gêneros e sobre a pouca importância dos valores materiais em um mundo tão pouco solidário", completa.

O menino só tem 2 anos e toda posição da mãe ainda é muito sutil diante da pouca idade, mas o que Maria Alice reforça é que se não começar agora, depois pode ser muito mais difícil, quando valores machistas e de desigualdades estão tão introjetados no nosso dia a dia.

"Eu acho que é preciso haver um bom senso, sem muitos radicalismos para também não tirar a fantasia da história. Mas indagar, questionar as posturas, o que se espera das personagens, acho que pode ajudar na formação de pessoas críticas e mais atentas aos problemas sociais".

Mãe dedica o que pode de melhor, por querer que Isaac seja o melhor que pode para o mundo.  (Foto: Arquivo Pessoal)
Mãe dedica o que pode de melhor, por querer que Isaac seja o melhor que pode para o mundo. (Foto: Arquivo Pessoal)

Isaac ainda não externaliza como imagina que seja a Cinderela, também porque o foco não está só na aparência, mas o que a mãe já percebeu é que o menino fica intrigado com o fato da madrasta e das irmãs não gostarem dela. "Também tem o encanto da roupa, da carruagem, da correria da saída dela da festa. Mas ele sempre me pergunta como chama 'essa mãe dela', acho que não se conforma com a rejeição", descreve Maria Alice.

O encanto é mantido e até potencializado quando a história caminha para o "felizes para sempre". "Eu canto a valsa do casamento dos dois, é geralmente nessa parte que ele dorme, depois de eu contar umas duas vezes", relata a mãe.

Maria Alice tem 31 anos, é jornalista, atualmente professora de Comunicação no curso de Publicidade, está finalizando o doutorado e engajada desde a gravidez no conceito de "maternidade ativa", que envolve parto natural, amamentação exclusiva até quando a criança quiser, educação sem palmadas, enfim, uma criação com apego e que quebra preconceitos.

"Digo que a maternidade me transformou completamente. Essa Maria Alice nunca existiu. Agradeço ao meu filho pela oportunidade de ser mãe e ter descoberto esse mundo à parte", resume.

Isaac foi muito esperado e a mãe dedica o que pode de melhor a ele, mas também vê o outro lado. "Quero que ele seja o melhor que pode para o mundo. As histórias ajudam muito nisso, versam sobre medos, inseguranças, conquistas e aventuras".

Nos siga no Google Notícias