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Comportamento

Maria adora ir de pantufas de porquinho ao shopping, ao lado da nova família

Com a alegria das coisas simples e teimosia de criança, gosto único para roupas que inclui ir ao shopping com pantufas rosas, é o "xodó" do lar para idosos

Kimberly Teodoro | 10/12/2018 09:05
Aos 85 anos, Maria redescobriu o significado da palavra família (Foto: Kimberly Teodoro)
Aos 85 anos, Maria redescobriu o significado da palavra família (Foto: Kimberly Teodoro)

No rosto expressão humilde de quem não teve uma vida de luxos, nos lábios o sorriso de quem aprendeu o valor das coisas simples e na ponta da língua a apresentação rimada, ainda dos tempos de criança: “Maria Aparecida Silva Ferreira, perna fina e corredeira”, bordão conhecido da senhora de 85 anos, que apesar da idade preserva alegria infantil travessa e conquista logo de cara quem quer seja.

Viúva há mais de 30 anos, o histórico familiar é um tanto complicado, o caso poderia até ser roteiro de novela das 21h, mas as rugas ao redor dos olhos, os fios de cabelo branco, as mãos frágeis e pele fina como papel denunciam as muitas faces da vida de quem vive no mundo real.

O primeiro filho, ela teve aos 13 anos, ainda uma menina sem condições de cuidar dela mesma e nem do bebê, um tia rica propôs cuidar da criança e dar ao recém nascido todo o suporte e apoio de uma família estável e bem estruturada, uma educação “tradicional” e esperança para de um futuro melhor do que aquele que a mãe biológico poderia oferecer no momento.

Marcas do tempo contam histórias de quem teve uma vida de poucos luxos, mas descobriu a alegria na simplicidade (Foto: Kimberly Teodoro)
Marcas do tempo contam histórias de quem teve uma vida de poucos luxos, mas descobriu a alegria na simplicidade (Foto: Kimberly Teodoro)

Essa tia registrou o menino em nome dela e do marido, deixando a promessa de que assim que ele fosse mais velho, ela “devolveria” o bebê para a mãe biológica, reencontro que só aconteceu muito tempo depois da morte da tia, com o filho já adulto, com a idade batendo à porta Maria, que nesse meio tempo havia se casado, ficado viúva, tido outra filha e uma neta.

A filha mais vive uma situação delicada, por motivos de saúde se mudou para o sul, onde passa por tratamento e a neta de quem Maria sente muita saudade teve que fazer a difícil escolha entre cuidar da mãe ou da avó, já que a idade não permite mais que as “pernas finas e corredeiras” andem por aí sem rumo, chegou o momento em que Maria precisa de estabilidade.

Hoje quem paga pelo Lar de idosos é o filho mais velho, que mesmo depois de “perdido” por muito tempo e com os laços emocionais fragilizados pela distância ainda se preocupa com o bem-estar da mãe. “Ele estudou, sabe? É psicólogo e trabalha muito, muito ocupado também”, conta Maria com orgulho, mesmo não tendo visto o filho crescer.

Outfit escolhido por Maria para passar o dia no shopping (Foto: Arquivo pessoal)
Outfit escolhido por Maria para passar o dia no shopping (Foto: Arquivo pessoal)

Maria Aparecida chegou ao Sirpha Lar de Idosos em maio de 2018, pouco tempo comparado a maioria dos acolhidos por lá, mas o suficiente para ressignificar as palavras família, cuidado e amor. Querida entre os cuidadores e outros acolhidos, ela vive sendo paparicada, nunca pede nada, mas é comum ganhar mimos dos funcionários, como a nova garrafa d’água para se manter hidratada, que a “moça” da fisioterapia deu presente enquanto Maria conversava com o Lado B.

“Nunca pedi presente, mas essas moças me tratam muito bem, sabe? Nem tem muito tempo que cheguei aqui e já conheço todo mundo e todo mundo gosta de mim”, afirma. O segredo pode ser o carisma, o sorriso travesso, a alegria de viver ou conversa fácil de quem tem muita experiência para dividir, para ter certeza só olhando nos olhos da senhorinha pessoalmente e ainda assim pode sobrar espaço para a indecisão.

Bem humorada, assistente social do lar, Nathália Grabowski conta que um dos grandes charmes de Maria é a teimosia, como no dia em que as duas saíram para um passeio no shopping e a idosa insistiu em ir de pijama cor-de-rosa e pantufas de porquinho na mesma cor e não teve quem fosse capaz de fazê-la mudar de ideia.

Nathália é a família do coração de Maria, as duas tem a sintonia de quem se conhece a vida toda (Foto: Arquivo pessoal)
Nathália é a família do coração de Maria, as duas tem a sintonia de quem se conhece a vida toda (Foto: Arquivo pessoal)

“Você contou pra ela quem você é pra mim, Nathália?”, brinca Maria, ouvindo a assistente social contar, provavelmente pela milésima vez para quem quiser ouvir, a história do shopping e das pantufas de bichinho. A sintonia entre as duas é tanta que parecem se conhecer pela vida toda e entre risos a resposta para a pergunta é natural, ali dentro Nathália assumiu o papel de “mãe”, como uma filha faria ao ver a idade exigir a troca de papéis.

Nos olhos o reflexo da experiência e das escolhas nem sempre fáceis que a levaram até onde está hoje (Foto: Kimberly Teodoro_
Nos olhos o reflexo da experiência e das escolhas nem sempre fáceis que a levaram até onde está hoje (Foto: Kimberly Teodoro_

Maria quebrou a perna 2 anos atrás e ainda não se recuperou totalmente, a maior parte do tempo ela passa na cadeira de rodas e por causa da circulação, a preferência pelas pantufas é uma questão conforto, já que os pés cansados costumam inchar ao longo do dia. Na listinha de desejos de natal do lar de idosos, o pedido dela para o papai noel é um “sapato de pano”, estilo Alpargata, número 38, para ficar mais elegante nos próximos passeios e dias de visita.

Esse ano, mesmo com a confraternização de natal do lar, Maria também ganhou um lugar no sofá da casa de Nathália, que tenta convencer a idosa de aceitar passar festas de fim de ano junto a família adotiva. A idosa que diz não gostar de “incomodar” ainda não aceitou o convite, mas o carinho da assistente social por ela também pode ser insistência e teimosia do jeito divertido que só a proximidade do afeto pode dar.

O Sirpha lar para idosos é uma instituição de longa permanência para idosos, que opera sem fins lucrativos e com recursos limitados, é possível fazer doações entrando em contato pelo whatsapp: 67 9234-3388, ou contribuições por depósito na conta: Banco do Brasil, Agência: 4211-0, Conta: 90613-1.

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