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Comportamento

Mesma promessa que curou doença liga pai e filha na cultura da fé

Essa é uma das histórias do documentário Las Promesseiras, que mostra famílias devotas de Nossa Senhora dos Milagres de Caacupé

Raul Delvizio | 23/02/2021 07:01
Família Gonzales no dia da celebração de Nossa Senhora de Caacupé (Foto: Arquivo Pessoal)
Família Gonzales no dia da celebração de Nossa Senhora de Caacupé (Foto: Arquivo Pessoal)

Quando se trata da fé, a comunidade paraguaia residente do lado de cá da fronteira tem muito a agradecer a Santa Caacupé. Não é à toa que essa Nossa Senhora dos Milagres tem os promesseiros – fiéis dedicados à ela – como seus companheiros. Em Porto Murtinho, cidade fronteiriça a 362 quilômetros da Capital, são muitos os devotos. Tanto é que já virou festividade local a festa da padroeira. Um exemplo que segue à risca é a família Gonzales.

E são muitas as histórias marcadas pela fé. Uma delas, nos anos 1970, quando o patriarca da família veio de Concepción até o Brasil. Subindo o Rio Paraguai com destino à Murtinho, foi nessa viagem de barco que o Sr. Gonzales acabou encontrando a imagem da Santa Caacupé em sua mala. "Como? Ninguém soube dizer ao certo. Foi um milagre. Pegou na mão e perguntou por ali de quem era. Mas pelo visto era para ele mesmo. Quando chegou aqui, virou presente pra mim, seu filho, que guardo com carinho e orgulho até hoje", afirma Henrique Gonzales, de 65 anos.

Converso todo dia com ela, acendo vela e rezo. Sou seu maior confidenciador".

Imagem da santa (Foto: Arquivo Pessoal)
Imagem da santa (Foto: Arquivo Pessoal)

Maravilhado, Henrique comenta que a partir daquele momento sua fé cresceu ainda mais. E se tratando de milagre, os promesseiros sabem que não é preciso ficar só em uma única vez. "Para poupar a vida do meu filho, que ficou bastante enfermo lá no chaco paraguaio, perto da Bolívia, roguei à santa. Carreguei ele nos braços e clamei aos céus. Foi ela quem salvou meu filho da morte. No mesmo dia em que estava com o pé na cova, voltou pra vida. Hoje ele tem saúde forte, trabalha, fez família", agradece.

Por causa da imagem encontrada pelo pai, todo dia 8 de dezembro – "dia de La Virgen de Caacupé" –, quando se comemora em festividades essa padroeira paraguaia, a casa de seu Henrique enche de alegria. E de pessoas. "Nossos amigos e vizinhos vem para cá e celebramos juntos Nossa Senhora de Caacupé. Pedimos pela sua proteção e afeto", diz.

Nascida e criada em Porto Murtinho, Serafina Maciel também é uma promesseira de longa data que reconhece a importância de Caacupé em suas vidas. "Eu costumava fazer almoço para 100, 150, até 200 crianças humildes aqui em casa só para homenageá-la. Muitas amigas e vizinhas ajudavam desde cedo, a partir das 4h. Por mais trabalhoso que fosse, era muito gostoso", relembra.

Dona de casa de 58 anos, ela esclarece que por meio de uma rifa o povo garantia a compra de uma novilha para a ocasião. "Era dia de churrasco. O menu era arroz branco, vinagrete, maionese, mandioca e farofa de miudezas. Além de bolo e saquinho de doces, como bala, maria mole e pipoca doce. Entregávamos para eles todos", diz.

Seu Henrique ao lado do altar improvisado em casa (Foto: Arquivo Pessoal)
Seu Henrique ao lado do altar improvisado em casa (Foto: Arquivo Pessoal)

Filha de seu Henrique, a também promesseria Eulalia "Lala" Gonzales, 44 anos, fez o seguinte acordo com a santa: "se ela me tirasse da internação, resolvesse as pedras no rim que tinha, durante 7 anos eu me vestiria em sua homenagem para a festa". Trato feito. Já no dia seguinte, Lala se levantou, sentou na cama e ali estava recuperada. "Quando vi, não sentia mais nada de dor. Nem o médico acreditou no que tinha acontecido", reconhece.

É com carinho e determinação que Lala compartilha a fé em Caacupé com o seu pai. Além das tradicionais festas, os dois mantêm o costume de caminhar com a santa debaixo do braço e acompanhar as missas dedicadas à ela.

Sinto que minha família é muito abençoada. Meu pai nem se fala, é muita fé na santa. É um orgulho que compartilho", finaliza a filha.

Todas essas histórias – humanas, reais e muita fé – que até viraram documentário.

Lala junto das mulheres da casa (Foto: Arquivo Pessoal)
Lala junto das mulheres da casa (Foto: Arquivo Pessoal)

"Las Promesseiras" – Os imigrantes e descendentes paraguaios que aqui chegaram no pós-guerra às charqueadas e quebrachais fronteiriços, tinham o acúmulo de muitos sofrimentos. Porém, nunca perderam as motivações da vida: caminho da fé. Padroeira da cultura e religião nacional, os promesseiros de Nossa Senhora de Caacupê agora viraram documentário produzido na região de Porto Murtinho.

"O documentário 'Las Promesseras' é protagonizado pelas mulheres promesseiras. A cultura popular é responsável pela preservação ritualística da memória de um povo, de suas tradições. Quando não existe cultura, não há tradição e sem tradição não há história. Temos que reconhecer a ancestralidade eternizada por esse povo fronteiriço. É o que se aborda nos festejos do Toro Candil e também pelas promesseiras, por exemplo. É exatamente na devoção à santa onde ainda as raízes são firmadas e uma das maiores celebrações devocionais comunitárias da América Latina acontece", explica a documentarista Mara Silvestre.

Cor do Paraguai, o azul e branco representam a padroeira da nação (Foto: Arquivo Pessoal)
Cor do Paraguai, o azul e branco representam a padroeira da nação (Foto: Arquivo Pessoal)

Com relatos pessoais, de promesseiras e demais especialistas, a cineasta colheu durante 2 anos seguidos várias histórias marcadas pela fé. Inclusive, participando das festividades no município fronteiriço. Mara ainda pretende realizar mais dois curta-metragens sobre aspectos e detalhes culturais de Murtinho.

O lançamento definitivo do filme está marcado para acontecer amanhã (24) no Paraguai. Aqui no Brasil, porém, devido à pandemia do novo coronavírus, o documentário "Las Promesseiras" será divulgado de forma on-line, no YouTube.

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