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Comportamento

No Taveirópolis, placas de "aluga-se" não tem telefone, basta procurar Dona Ana

Thaís Pimenta | 09/04/2018 07:50
Marcas de quem teve que lutar muito na vida. (foto: Roberto Higa)
Marcas de quem teve que lutar muito na vida. (foto: Roberto Higa)

No rosto de dona Ana Soares estão as marcas de expressão de quem viveu uma vida de trabalho intenso, debaixo de sol, de chuva, buscando dar o mínimo de conforto para os três filhos. A história da mãe que criou os meninos sozinha, sem ajuda do marido ou da família, que se repete com frequência na periferia das cidades, também é parte de Ana.

Do trabalho na roça, para a cidade como auxiliar de serviços gerais em uma Escola Municipal, doméstica, dona de bar, ela viu uma alternativa para uma renda a mais na construção civil e, junto aos filhos, levantou seis casinhas no bairro Taveirópolis, onde virou personalidade conhecida pelas plaquinhas de aluguel nas fachadas: "Aluga-se uma casa, tratar com dona Ana". Não há telefone ou contato de Whatsapp, apenas a referência a vizinha conhecida, coisa que já não se vê mais com frequência em uma cidade das proporções de Campo Grande.

Ela diz que escolheu anunciar dessa maneira os alugueis porque não deu certo contar com imobliarias. Por isso, ficou conhecida como a dona do Taveirópolis, bairro onde mora desde que chegou em Campo Grande, onde mora até hoje, aos 71 anos. "Teve vezes que ficamos pagando por um ano a imobilária sendo que a casa tava desocupada", diz ela. 

Ana servindo um cliente no bar Nova Alvorada, onde está há 30 anos. (foto: Roberto Higa)
Ana servindo um cliente no bar Nova Alvorada, onde está há 30 anos. (foto: Roberto Higa)

Diabética e com pouca visão, ela conta que usa todo o dinheiro dos alugueis para comprar seus remédios. "Eles são caros, eu não consigo pegar no posto de saúde. Uso porque não gosto de injetar insulina", explica. Ana se considera feliz, diz que realizou quase todos os sonhos de sua vida. "Só falta eu conseguir reformar o bar pra ficar em paz. Estou esperando Deus me levar em paz".

O bar Nova Alvorada, o qual toca há 30 anos, é também onde mora, nos fundos do espaço. Ana lembra dos dias de luta para construir ali, na esquina da rua João Antonio Abdo. "Entrei aqui com meus filhos quando isso aqui não tinha nem janela ainda. Alugava o salão da frente no começo mas aí um conhecido me sugeriu que eu mesmo tocasse ali, e foi o que fiz".

Pra dar conta de trabalhar no bar e também dentro da Escola - suas principais ocupações - Ana colocou os três filhos, na época crianças, pra ajudar. "Sempre me ajudaram, desde os oito anos. Quando eu tinha que ir pro trabalho no colégio eles ficavam no bar pra mim. Na época não era proibido isso".

Os filhos Edivaldo, Edilson e Edson são todos formados, pais de família e, claro, são o orgulho da vida da mãe. "Não tenho do que reclamar deles e até hoje eles são gratos a mim. Meus filhos não bebem, não fumam, são bons pais, bons maridos, acho que fiz tudo certo. Eles passam aqui pra me ver todo dia, agorinha mesmo um deles saiu daqui", conta ela, com um sorriso no rosto.

Desgostosa de como anda a movimentação no Nova Alvorada, Ana reclama da concorrência. "No passado não existia tudo isso de conveniência e de bar, o povo vinha aqui quando queria tomar uma cervejinha. Foi bom dos anos 80 até 2010, mais ou menos", comenta. Mesmo assim, ela não abre mão de sua rotina ali. "Eu acordo, molho minhas plantinhas, almoço e abro aqui 10 horas, aí fico até quando tem movimento".

Lá tudo funciona da maneira mais tradicional possível: não aceita cartão, só dinheiro e todas as compras são monitoradas pelo caderninho de Ana. No copo americano, Ana serve a dose de pinga Jamel por R$ 2. "Eu faço a raizada aqui também e sai o mesmo valor". Sem luxo e com o mínimo, a dona do Taveirópolis segue sua rotina, feliz e orgulhosa de sua trajetória.

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Placa sem telefone, mandando interessado procurar Dona Ana.
Placa sem telefone, mandando interessado procurar Dona Ana.
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