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Comportamento

Novas colônias nascem e abraçam o aniversário de Mato Grosso do Sul

Dulce, Sijuste e Jang, pessoas com origens e sonhos diferentes que deixaram seus países para realizarem sonhos aqui.

Thailla Torres | 11/10/2019 09:11
Dulce é médica da Venezuela, está no Brasil sem poder exercer a Medicina e busca uma vida melhor. (Foto: Paulo Francis)
Dulce é médica da Venezuela, está no Brasil sem poder exercer a Medicina e busca uma vida melhor. (Foto: Paulo Francis)

A despedida de casa é sempre a parte mais dolorida, mas a chegada do outro lado do caminho é instrumento para o recomeço. Da Venezuela, Haiti e Coreia do Sul, Mato Grosso do Sul agora é casa de Dulce, Sijuste e Jang, pessoas com origens e sonhos diferentes que há pouco ou há anos deixaram seus países pela possibilidade de realizar sonhos. Assim, novas colônias nascem nos últimos tempos e ajudam a construir a história do Estado que hoje completa 42 anos.

A vida não era um conto de fadas onde todos tinham as mesmas oportunidades, mas era de luta como para a maioria. Por isso, precisaram abrir mão de algumas coisas para conquistar algo melhor para o futuro.

Nos últimos anos, a economia venezuelana, por exemplo, entrou em colapso e a as condições políticas e sociais se deterioraram sensivelmente. A catástrofe econômica e humanitária intensificou problemas diversos no país, como os relativos às desigualdades, desabastecimento de comida e medicamentos. A soma desses fatores impulsionou a ‘corrida pela sobrevivência’ de venezuelanos, que tentam se reconstruir em diversas partes do mundo.

É o que acontece com centenas deles que nos últimos meses chegaram a Mato Grosso do Sul, entre eles, Dulce Aldeny Fernández Martínez, 45 anos, médica que atualmente trabalha como cuidadora de idoso, em Campo Grande.

Ela e o marido Manoel Euclides Dias, 55 anos, também venezuelano, chegaram por aqui em junho. Ele trabalhava numa companhia de petróleo e ela atuava em duas unidades de saúde antes de abandonar tudo para sobreviver.

Dulce esperava ansiosa pela reportagem, no portão de casa, no Jardim Bonança. Recebida com abraço apertado e sorriso, logo as lágrimas tomaram-lhe os olhos. “É saudade, é raiva, às vezes, é tristeza”, justifica segurando a emoção. “A dificuldade na Venezuela me separou das duas coisas que eu mais amo na vida, a minha família e a Medicina”.

Esperança e sorriso são ferramentas para os dois encararem o recomeço. (Foto: Paulo Francis)
Esperança e sorriso são ferramentas para os dois encararem o recomeço. (Foto: Paulo Francis)

Ela nem espera um pedido para buscar o diploma e o exibe com orgulho da formação que, durante sete anos, garantiu a oportunidade de salvar pessoas na Venezuela. Dulce se lembra dos momentos difíceis, mas com sensação de ter feito sua parte, mesmo em situações precárias. “Lá trabalhávamos no escuro”, lembra. “Não tinha luz. E durante o dia era a claridade da janela que ajudava no atendimento. À noite, usávamos a lanterna do celular”.

Com a crise dos últimos anos, o trabalho se tornou cansativo e o dinheiro recebido mal dava para manter a família. “Eu cheguei a ganhar bem como médica, mas de repente o dinheiro não dava mais para nada, a família começou a fugir para ter o que comer”.

A filha mora nos Estados Unidos para estudar e parte da família migrou para diferentes países. “Peru, Bolívia, Estados Unidos... Cada um está em um lugar”, conta. “E isso é a parte mais triste. A saudade às vezes dói muito”.

Depois de ver cada um buscar um novo caminho, Dulce se viu em desespero quando o marido sofreu com problemas cardíacos. “Lá não tinha condições de tratamento. A saúde está precária, muita gente está morrendo. Mas não se pode falar mal senão você vai parar na cadeia. É uma ditadura”.

Dulce explica que Mato Grosso do Sul foi rota escolhida para o novo caminho e o povo daqui tem auxiliado em tudo que é necessário para ter seus direitos garantidos. “Por exemplo, no começo não tínhamos casa e nem dinheiro para pagar aluguel. As pessoas nos ajudaram e agora consegui um emprego para dar conta das nossas coisas”.

Ela conta que levanta às 4h da manhã para pegar o primeiro ônibus às 5h30 e chegar ao trabalho às 7h30. Com pouco mais de um salário mínimo, o que tem ganhado já aumentou o sorriso, mas Dulce não nega que voltar a exercer a Medicina é o seu maior sonho. “Infelizmente ainda não posso. Um documento necessário para eu conseguir validar o meu diploma por aqui não foi liberado pelo governo Venezuelano”, lamenta.

Deixar o país de origem custa caro: é um investimento que vai além da moeda, trata-se da família, da história e de uma identidade deixada para trás. Mas Dulce é irredutível, mesmo com a saudade acumulada no peito, ela diz que não perde a esperança e acredita que Mato Grosso do Sul é a chance de dar a volta por cima. “Fomos bem recebidos e estamos sendo tratados com muito respeito. Isso me dá esperança. Eu também tenho fé que um dia tudo isso vai mudar. E é melhor tentar mudar do que ficar parada”.

Sijuste está no Brasil há três meses para estudar. (Foto: Henrique Kawaminami)
Sijuste está no Brasil há três meses para estudar. (Foto: Henrique Kawaminami)

A palavra “mudança” carrega a força transformadora exigida pela história do haitiano Sijuste Nedlin, de 27 anos, que faz aniversário neste próximo domingo e chegou ao Brasil há três meses. Além do sonho de estudar física, ele também quer se formar para amenizar os problemas de seus conterrâneos na educação. “Quero ter a chance de levar educação para as pessoas. É um direito de todos”, explica.

Assim como Dulce, Sijuste faz parte do curso de Português para estrangeiro oferecido na Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS) e realizado pelo Núcleo de Ensino e Pesquisa em Português para Estrangeiros (Neppe).

Ainda com dificuldades para falar o idioma, ele se mostra dedicado a repetir palavras, quantas vezes for preciso, para conseguir a pronúncia correta. “Por enquanto a língua tem sido o mais difícil, mas estou aprendendo. Aqui temos bons professores”, elogia.

Sijuste conta que um primo já morava no Mato Grosso do Sul quando decidiu deixar o Haiti em busca de trabalho e estudo. “Lá eu não tinha condições, o estudo é muito caro, então eu entrei no Brasil para tentar estudar”, conta.
À espera da documentação completa, ele espera ingressar na universidade e voltar a ensinar, como fazia no Haiti, mas de maneira informal. “Lá eu ensinava crianças do fundamental a ler e escrever”, conta.

Ensinar o deixa feliz, conta. “Ser professor é maravilhoso e eu gosto de trabalhar com crianças também. A coisa que eu mais quero é ensinar e ver as crianças crescendo sabendo ler, sabendo escolher seus sonhos”.

Além do sonho de estudar Física, ele também quer se formar para amenizar os problemas de seus conterrâneos. (Foto: Henrique Kawaminami)
Além do sonho de estudar Física, ele também quer se formar para amenizar os problemas de seus conterrâneos. (Foto: Henrique Kawaminami)

Longe de casa, o gosto pela educação veio dos pais. “Quando eu tinha sete anos, minha mãe e meu pai faziam de tudo para minha escolaridade, por isso, desde pequeno, eu gosto de estudar”.

Sobre Mato Grosso do Sul ele deixa, de forma direta, o recado sobre a recepção e o futuro dentro do Estado. “Eu tenho um amigo que chama Bruno e, desde o meu terceiro dia, ele me falou ‘oi’ e perguntou como eu estava. Agora somos amigos. E depois que eu me formar, também quero ajudar a cidade”, comenta.

Conhecido pelas aulas de coreano na cidade, Jang Hae Ung, de 55 anos, é pastor da Associação das Famílias Para Unificação e Paz Mundial, que surgiu na Coréia, aquela do falecido Reverendo Moon.

Há 22 anos, escolheu Mato Grosso do Sul para viver por causa da rotina missionária. “Era meu sonho seguir em missão e ajudar outras pessoas”, conta. Chegou por aqui e viveu durante alguns anos em Jardim, a 233 quilômetros de Campo Grande.

Jang Hae Ung, de 55 anos, é pastor da Associação das Famílias Para Unificação e Paz Mundial.
Jang Hae Ung, de 55 anos, é pastor da Associação das Famílias Para Unificação e Paz Mundial.

O povo coreano ainda é raridade no Mato Grosso do Sul, nem se compara ao número de venezuelanos e haitianos encontrados por aí, mas Jang diz que as famílias que aqui vivem tem buscado fortalecer, com eventos e informações, a cultura coreana que nos últimos anos cresceram em cidades maiores como São Paulo e Rio de Janeiro. “Nossos conterrâneos escolhem essas cidades maiores por causa do comércio, muitos chegam aqui para investir”.

Diferente do comércio, Jang diz que chegou para ensinar e transformar a vida de famílias, também, através da fé. “Levar ensinamentos sobre amor e humanidade também são necessários para que as pessoas busquem fazer o bem”.

Com muito mais tempo do que outros em Mato Grosso do Sul, ele diz que o coração já está dividido. “A natureza aqui encanta”, elogia. “É claro que temos nossos costumes e admirações pela Coreia. Mas depois de tantos anos, Mato Grosso do Sul é a minha casa e a da família”.

Destes 42 anos de Estado, metade deles teve sua caminhada observada por Jang que avalia o lugar como um lugar bom para viver e transformar. Hoje, os planos são continuar vivendo aqui. “Aqui é nossa igreja, nossa missão e temos muitas pessoas que contribuíram para esse sentimento”.

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Jang que avalia MS como um lugar bom para viver e se transformar.
Jang que avalia MS como um lugar bom para viver e se transformar.
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