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Comportamento

O agradecimento dos pais à “anja” que parou o carro para salvar rapaz da morte

Paula Maciulevicius | 26/06/2014 08:19
“Obrigada, muito obrigada por ter salvado meu filho”, repetia Marilda para a advogada. (Fotos: Cleber Gellio)
“Obrigada, muito obrigada por ter salvado meu filho”, repetia Marilda para a advogada. (Fotos: Cleber Gellio)

Do Jardim Imá até Jardim São Bento, mas podia ser daqui para qualquer outro lugar. Não seria a distância que impediria a gratidão eterna nas palavras “obrigada, muito obrigada por ter salvado meu filho”, expressadas de uma mãe para outra.

Marilda Batista de Arruda tem 51 anos e nos últimos 12 meses enfrentou três internações do filho, que tenta tirar a própria vida. No último episódio, o rapaz de 19 anos saiu de casa na última segunda (23) decidido a se jogar do pontilhão da Afonso Pena sobre a Rua Ceará, em Campo Grande. A mãe pediu a Deus que mandasse um anjo. Ele parece ter atendido. A advogada Cleuza Mongenot viu a cena do jovem sentado, parou o carro e se dispôs a conversar com ele. Numa brecha, o derrubou no chão.

“Tem nada não. É normal. O problema lá é que ele ia escorregar”, diz Cleuza aos pais do rapaz no encontro. A mãe só tinha lágrimas num primeiro momento, de gratidão. Chorou de alegria e não de uma tristeza que poderia ser bem maior. Chorou pelo alívio de ver o filho caçula vivo e com oportunidade de se tratar de uma doença cruel, a depressão.

Pais do jovem foram agradecer pessoalmente gesto de amor de advogada.
Pais do jovem foram agradecer pessoalmente gesto de amor de advogada.

Nesta quarta-feira, Marilda procurou o Campo Grande News, queria por todo meio um contato para agradecer pessoalmente à advogada. De início, tanto ela como o marido, Isaías Ferreira Barreto, de 49 anos, acreditavam que a mulher que apareceu em cena e se tornou a heroína da família fosse uma psicóloga ou assistente social atuando junto com a Polícia. E não uma mulher e mãe que parou para estender, literalmente, o braço ao próximo.

“Eu queria te encontrar, te agradecer, você foi um anjo”, repetia a mãe Marilda para a advogada. “O governo não ajuda ninguém, mas a sociedade tem que ajudar”, respondeu Cleuza.

O jovem, que interrompeu o segundo ano do ensino médio em março deste ano, saiu de casa com a intenção de se matar. Diagnosticado com depressão profunda, segundo os pais, ele é muito tímido, de poucos amigos. Usa a internet como fuga, mas não consegue lidar com a realidade diferente nos dois mundos, ainda conforme os pais. Na noite anterior, ainda havia ingerido remédios controlados, sem orientação médica.

Na tarde da tentativa, enquanto a cidade se preparava para ver mais um jogo da Copa do Mundo, o rapaz brigou com os pais em casa, até anunciar a saída rumo ao viaduto. Ninguém conseguiu detê-lo. Então, o pai acompanhou, em uma moto Bis, todo o trajeto do ônibus que o filho tomou.

“Ele desceu uma quadra antes do pontilhão. Eu sou pai, mas ele é forte e me empurrou, eu não aguentei”, lembra. “Eu fiquei vendo o que ele ia fazer a 50 metros de distância. Eu não podia ir, se ele me visse, ele ia pular. Foi então que eu pedi a Deus que mandasse um anjo e ele mandou uma ‘anja’”, continua Isaías.

De longe, o pai acompanhou toda a cena e viu quando a advogada segurou o filho. “Esperei o bombeiro colocar ele dentro da viatura e, depois que fechou a porta, eu fui seguindo para o posto do Tiradentes”, detalha o pai. Mesmo agora, com a situação de crise contornada, ele diz que por dinheiro nenhum no mundo, sentaria naquela ponte, por medo do pior acontecer.

O obrigado termina com uma música que a advogada quis tocar ao piano e o pai acompanhou na voz. Era um hino.
O obrigado termina com uma música que a advogada quis tocar ao piano e o pai acompanhou na voz. Era um hino.

O rapaz está internado em tratamento, sem previsão de alta por enquanto. Cleuza recebeu a família de braços abertos, descreveu que estava passando e não acreditou no que via. “Não pode ser, pensei, e parei o meu carro. Ali é palco de desgraça, peguei e comecei a conversar com ele, se depender de mim, ele nã vai morrer. Ele é forte, menino bonito”, revive.

Aos pais, a “anja” se comprometeu em ir visitar o rapaz. Diz que não vê por encerrada a missão. Na cabeça, veio o caso do advogado que morreu depois de pular daquele ponto. “Eu perdi um colega ali. Todas as passarelas deviam ser fechadas, com uma rede”, pede.

No dia em que tudo aconteceu, o verde e amarelo da camisa de Cleuza tinha escrita a frase “Deus Primeiro”. Naquela hora em que passou pelo rapaz, ela tinha acabado de sair do escritório de advocacia porque os funcionários brincaram que é “pé frio” e traria azar à Seleção Brasileira. Na vida dessa família, ela foi uma sorte abençoada.

“Por que eu gosto de propagar isso? O povo tem que imitar a gente nas coisas boas”, resume a advogada.

A mãe do jovem, coincidência ou não, estuda uma profissão dedicada ao auxílio a quem precisa, Serviço Social, além de trabalhar como monitora em escolas. O pai é porteiro e o filho de 19 anos é o único que mora com eles. É o mais novo de três irmãos, por quem eles fazem de tudo. Humildes, o muito obrigado se encerra com uma música que a advogada quis tocar ao piano e o pai acompanhou na voz. Era um hino.

“A sensação que deu eu vi ele sentado lá, só Deus para salvar o meu filho. Eu me vi impotente, até agora nós não recuperamos. Estamos abalados, mas felizes. Hoje ele podia estar enterrado. Seria o fim pra todo mundo”, diz o pai.

“Se não tivesse sido esse gesto de amor ao próximo dela, meu filho não estava com a gente hoje”, agradece Marilda.

Os dois se despediram e foram na mesma ‘Bizinha’, como Isaías chama a motocicleta, visitar o filho internado.

A mãe pediu a Deus que mandasse um anjo. Ele parece ter atendido.
A mãe pediu a Deus que mandasse um anjo. Ele parece ter atendido.
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