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Comportamento

O que as pessoas precisam para enxergar as grandes belezas da vida?

Andrea Brunetto | 15/06/2014 08:04
Cena do filme A Grande Beleza, do italiano Paolo Sorrentino
Cena do filme A Grande Beleza, do italiano Paolo Sorrentino

A Grande Beleza, filme italiano de Paolo Sorrentino, que ganhou o Oscar de melhor filme estrangeiro deste ano, é um filme muito triste. Começa e termina com a mesma cena: uma festa de alta sociedade em uma casa chique, com música alta, eletrônica, em que ninguém se escuta, as pessoas não têm desejo uma por outra, mas mesmo assim se convidam para o sexo e todas buscam algo que as anime, pelo qual valha a pena viver. Tudo é superficial, e os mundanos – assim no filme são chamados no idioma italiano os socialites – seguem a vida nessa balada triste, sarcástica, sem amor e sem alegria.

Definitivamente é um filme Cult, repleto de referências a outros filmes, sobretudo aos de Fellini; e também a escritores. E com as mais belas imagens de Roma que já vi.

O protagonista é um dos mundanos mais conhecidos, jornalista que escreve sobre os demais socialites romanos. Jep Gambardella está comemorando sessenta e cinco anos e não acha graça em nada de sua vida. Aos vinte e seis anos escreveu um romance que o deixou famoso e depois não teve mais inspiração para outro livro. Quando lhe perguntam o porquê, responde que não encontrou mais nenhuma beleza que valesse a pena ser escrita.

Um homem simples o procura, está viúvo depois de trinta anos de casamento com Elisa, que foi o primeiro e único amor do escritor\jornalista. E, lendo o diário que ela deixara, descobre que nunca foi amado pela esposa, pois ela sempre amou o escritor. Mas como? Se foi ela que me abandonou, pergunta Gambardella. Quando, dias depois, volta a falar com o viúvo e pede para ler o diário, ele já o tinha destruído.

Saber que foi amado uma vida toda exatamente por essa que foi a grande beleza de sua vida, o primeiro amor, o coloca para pensar. E a resposta do motivo porque o abandonou, ela levou consigo. Talvez essa seja a grande tristeza de sua vida, ter perdido o amor, ter perdido tempo, ter perdido o sentido e ficar sem resposta.

Li uma crítica na internet que dizia que o filme mostra que a beleza não é tudo e a verdade sucumbe à ilusão. Não concordo. O protagonista anda as voltas com a beleza, mas não a enxerga, ou quase não a enxerga. A bela diva do cinema francês Fanny Ardant passa por ele e quase não a reconhece, mora ao lado do Coliseu, que de sua varanda o vê dourado nos pores de sol do dia-a-dia e não vê sua beleza, passa sob e sobre as pontes de Roma e não vê nada, o Rio Tevere aparece dourado pelo sol, as pessoas remando em barcos e ele não vê graça nenhuma. A beleza está por tudo e ele não a enxerga, pois vive uma ruína interior, uma tristeza que invade tudo, que as ruínas do Coliseu não são maiores que as suas, as próprias.

Escrevo sobre este filme por dois motivos. Semana passada eu escrevi sobre situações inusitadas pelas quais passei em viagens no estrangeiro e deixei de dizer uma coisa muito importante. E o que queria dizer é a citação inicial desse filme, uma citação de Viagem ao fim da noite, de Celine. Assim começa o filme: “Viajar é útil, exercita a imaginação. [...] Aliás, à primeira vista todos podem fazer o mesmo. Basta fechar os olhos.” Então, ao escritor falta também imaginação para viajar com suas palavras e fazer dela livros.

E o segundo motivo é por que foi a semana do Dia dos Namorados, do jogo do Brasil, e queria escrever algo sobre o amor - lendo a palavra de trás para frente dá Roma. Aliás, o filme mostra que quanto ao amor, nenhum caminho leva a Roma, e quem tem boca para falar do amor não vai a Roma.

Sobre o Dia dos Namorados, queria terminar esse texto referente ao filme triste dizendo que, na minha visão, Jep Gambardella não vê sentido em nada, porque o primeiro amor perdido ficou sendo o único e nunca mais amou ninguém e nada.  E isso é uma tristeza.

Queria fazer um brinque, mais do que ao ser amado, ao amor. Por que se o primeiro amor passar, o segundo amor passar, o terceiro amor passar, o coração deve continuar. Ou isso ou você se transforma em Jep Gambardella, nostálgico, melancólico, preso a um tempo que não volta mais. Nunca mais.

Melhor é ser como Carlos Drummond de Andrade escreveu: o coração continua. E se o coração continua, a alegria está presente. E consigo colocar Freud, meu mestre, nessa última frase de minha crônica: ele dizia que estar alegre é tudo.

*Andrea Bruneto é psicanalista, adora ir ao cinema e viajar.

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