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Comportamento

O que é ser médico, aos olhos do estudante e do veterano

Elverson Cardozo | 18/10/2012 08:17
Pedriatra Rubens Trombini é intensivista em duas UTIs da Santa Casa: a pediátrica e a neonatal. (Foto: Pedro Peralta)
Pedriatra Rubens Trombini é intensivista em duas UTIs da Santa Casa: a pediátrica e a neonatal. (Foto: Pedro Peralta)

A rotina do pediatra Rubens Trombini Garcia, de 63 anos, é corrida, mas o cansaço fica para trás quando ele encontra as crianças que atende na UTI (Unidade de Terapia Intensiva) da Santa Casa de Campo Grande, onde trabalha há quase 3 décadas. Marília Lomonaco de Souza, 27 anos, também é uma profissional que corre contra o tempo, do outro lado da cidade, em um dos centros cirúrgicos do HU (Hospital Universitário), onde faz residência médica há 2 anos.

Perto dali, na UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), as amigas Mariana Vantini Soares, de 20 anos, e Carina da Silveira Massaro, da mesma idade, apenas imaginam como é trabalhar, como médicas, em um grande hospital. Por enquanto, são apenas acadêmicas do primeiro ano de medicina, que sonham com uma carreira brilhante e bem sucedida.

Em homenagem ao dia do médico, comemorado nesta quinta-feira (18), o Campo Grande News, foi a dois hospitais e em uma universidade para ouvir profissionais e futuros profissionais que escolheram, como carreira e missão, estender a mão ao próximo e salvar vidas.

Entre corredores extensos, salas, macas, equipamentos, pacientes e corre-corre do pessoal da enfermagem, o centro cirúrgico - com seus aparelhos que assustam muita gente - é o cenário onde Marília Lomonaca escolheu para trabalhar.

Especialista em cirurgia geral, a médica, que terminou a graduação em 2010, não se vê fora dali. Chega a passar horas empenhada em uma única cirurgia, mas a recuperação de um paciente, o resgate de uma vida, compensa todo o trabalho e sempre surpreende. O cansaço, no final das contas, vira só um detalhe. “É gratificante”, resume.

Marília Lomonaco escolheu atuar no centro cirúrgico. (Foto: Pedro Peralta)
Marília Lomonaco escolheu atuar no centro cirúrgico. (Foto: Pedro Peralta)

As histórias que chegam entre receitas, prontuários e relatórios são únicas, por isso não há, para Marília, destaque ou situação que, por algum motivo, tenha sido marcante. Com o passar do tempo, explicou, o trabalho vira rotina como em qualquer outra profissão. Surpresa só para quem vê de fora.

Mas isso não significa que a função seja desenvolvida de forma apática, pelo contrário. Na lida com pacientes, carinho, respeito e paciência são mais que palavras. São atitudes que devem ser relembradas a todo o momento.

Rubens Trombini, o intensivista que atua na UTI pediátrica da Santa Casa, sabe bem o que isso significa. Para o médico formando há 39 anos, o aspecto humano é o fator mais importante da profissão e deve ser levado em consideração pelo profissional atuante e por qualquer pessoa que pensa em seguir carreira na área médica.

Diferente do que se imagina, Trombini diz, sem medo de errar, que o tempo e a experiência foram responsáveis por deixá-lo mais emotivo. "Hoje eu choro muito mais do que eu chorei. A gente aprende a viver os sentimentos dos outros", afirmou.

Das muitas lições que aprendeu nos corredores de hospital e levou para a vida, uma delas veio de um pai, a quem teve a triste tarefa de avisar que a filha única, de 10 anos, estava em morte cerebral.

 "Hoje eu choro muito mais do que eu chorei. A gente aprende a viver os sentimentos dos outros", diz o pediatra Rubens Trombini. (Foto: Pedro Peralta)
"Hoje eu choro muito mais do que eu chorei. A gente aprende a viver os sentimentos dos outros", diz o pediatra Rubens Trombini. (Foto: Pedro Peralta)

"Ele falou para mim: 'A medicina não tem mais nada a fazer por ela?' Eu falei que não. 'Ela está em morte encefálica e é uma questão de dias'. Ele olhou para mim e disse: 'E o que ela pode fazer pelo outros?' 'Como?', perguntei. 'Se o senhor não tem mais nada para oferecer a ela, se a medicina não tem mais nada para oferecer, ela não pode ajudar os outros?'. Eu falei: 'Do que o senhor está falando?' E ele respondeu: 'Doação de órgãos para transplantes'". Nunca me esqueci da lição que esse cara me deu".

A lembrança, durante a entrevista, trouxe ao médico um novo choro, de emoção, e ele recorda outra história. A da mãe, uma senhora, moradora de Dourados, que levou a filha, portadora de um tumor cerebral, para internar às 2h da manhã.

"Eu fui lá, examinei a criança e vi que era muito grave. Aí eu falei: 'Duas horas da manhã, sua filha com tumor cerebral e agora que a senhora veio?' Ela falou: 'É doutor, vou falar para o senhor... Eu moro no sítio e o primeiro ônibus que passa lá só chega no posto de saúde às 9h. Quando chego não tem mais ficha aí eu levo minha filha com dor de cabeça de volta para casa. Desta vez a dor foi tanta que voltei. Não tinha ficha. Fiquei abordando todos os médicos que saiam, até que um me acolheu, viu meu problema, diagnosticou e me mandou correndo para cá".

O pediatra voltou a questionar a mulher. Perguntou pelo marido e quis saber porque ele não ajudava. A reposta foi uma das piores que ouviu: "'Meu marido é paralítico. Está na cama. Eu tenho cinco filhos. Capino todos os dia na roça. O que eu ganho dou de comer a eles no dia seguinte. Hoje, o pouco que tinha deixei lá'. Eu falei: 'E a senhora?' Ela disse: 'Estou sem comer há 12 horas'.

À época deste acontecimento, um grupo de acadêmicos de medicina acompanhava o trabalho no hospital. "Eu chamei eles e falei: Sentem aí e escutem a história dessa mulher. O dia vocês entenderam isso, serão grandes médicos", contou.

Carina da Silveira escolheu medicina. Foi na contramão dos pais, que são dentistas. (Foto: Pedro Peralta)
Carina da Silveira escolheu medicina. Foi na contramão dos pais, que são dentistas. (Foto: Pedro Peralta)

Carreira - Diferente do pediatra intensivista que teve de escolher a carreira aos 14 anos, em um tradicional colégio de São Paulo, as estudante de medicina da UFMS tiveram tempo para decidir.

Mariana Vantini será a primeira médica da família e já sabe em que área pretende se especializar: ginecologia e obstetrícia. "Eu sempre me encantei pelo corpo humano. Achava fascinante e sempre quis entender meu próprio corpo", contou.

Mas a escolha, no início, foi confusa. "No segundo ano de cursinho fiz inscrição para o vestibular de engenharia ambiental", disse. Hoje, estudante tem certeza da carreira que optou e promete dedicação máxima aos estudos.

A vontade de se tornar médica é tão grande que a universitária deixou a família e o namorado em Jabuticabal (SP) e veio morar sozinha em Campo Grande. Atualmente, divide a casa com a amiga de sala, Carina da Silveira, que também é de São Paulo, da cidade de Promissão.

Carina sempre quis cursar medicina. Foi na contramão dos pais, que são dentistas, mas a decisão foi bem aceita em casa. Na família, apenas alguns tios e tias são médicos. "Resolvi fazer pela possibilidade de ajudar o próximo", contou. A especialização será em cirurgia geral.

Mariana Vantini será a única médica da família. (Foto: Pedro Peralta)
Mariana Vantini será a única médica da família. (Foto: Pedro Peralta)

Para as estudantes, medicina é uma paixão de infância, um sonho que começa a ser realizado, mas a responsabilidade - que existe em qualquer profissão - é um assunto que já pesa sobre os ombros. O maior medo é do "erro médico".

Dia do médico - Para o pediatra que abriu essa reportagem, o dia do médico traz uma reflexão. "Sobre o que fizemos, o que estamos fazendo e o que poderemos fazer amanhã. A nossa medicina de 30 anos atrás era muito baseada em clínica e pouco em tecnologia. Hoje, a medicina está calcada na tecnologia. Nós fazemos medicina pelo celular, pelos ipads, na internet, em tudo o que é lugar", disse.

Para Marília Lomonaco, a médica residente do HU, o 18 de outubro é apenas mais uma data comemorativa, "mas serve para lembrar de um profissional que todo mundo precisou ou vai precisar algum dia".

Para as acadêmicas, esta quinta-feira representa o lado bom das pessoas. "A medicina melhora o ser humano", afirmou Mariana Vantini.

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