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Comportamento

Para guardar a memória do mortos dentro de casa, Seiki presta serviço de graça

Ele é um dos poucos em Campo Grande que ainda escreve o ihai, pedaço de madeira com nome dos antepassados das famílias japonesas

Thaís Pimenta | 20/04/2018 06:10
Seiki mostra alguns escritos que fez, em papel, para a Associação Okinawa. Para chegar no resultado, ele precisou escrever cerca de 25 vezes. (foto: Marina Pacheco)
Seiki mostra alguns escritos que fez, em papel, para a Associação Okinawa. Para chegar no resultado, ele precisou escrever cerca de 25 vezes. (foto: Marina Pacheco)

Certas tradições são muito mais difíceis de serem mantidas do que outras. Quando envolve aprender um novo idioma muito peculiar, justo na era da tecnologia, pode-se esperar que seja bem complicado. Uma dessas dificuldades hoje é preservar com originalidade os antigos oratórios japoneses, os Butsudan, que guardam os espíritos dos antepassados. Para cumprir à risca a tradição, assim que uma pessoa morre, o nome dela precisa ser escrito em Ihai, um pedaço de madeira cercado de rituais.

Hoje em Campo Grande dá para contar nos dedos quem são as pessoas que sabem escrever seguindo o que manda a cultura ancestral. Porém, no meio da escassez, o japonês de Okinawa, Seiki Miiki, naturalizado em Mato Grosso do Sul desde seus 21 anos, é um dos que podem ajudar a comunidade a manter a tradição.

"Eu sei escrever porque terminei o ginásio no Japão, aprendi a língua oficial em Tóquio, na escola e, mesmo sem ter treinado tanto naquela época, quando vim pra cá notei que as pessoas precisavam desse serviço e venho ajudando a Associação Okinawa desde então", explica.  

O Butsudan é aberto de acordo com a vontade da família. (Foto: Roberto Higa)
O Butsudan é aberto de acordo com a vontade da família. (Foto: Roberto Higa)
Detalhe da placa com o nome do antepassado. (Foto: Roberto Higa)
Detalhe da placa com o nome do antepassado. (Foto: Roberto Higa)

Escrever no papel não tem erro mas, Seiki explica que na placa de madeira do Butsudan é muito mais complexo porque é feito à tinta, específica para isso, e com um pincel. "E eu não posso errar, é uma vez só. Você vê, quando eu escrevo mensagens eu costumo escrever umas 25 vezes até ficar perfeito, imagine então o quão delicado é esse processo", descreve.

E mais, para não escrever errado, Seiki pede para que as pessoas levem também o Koseki. "É como se fosse a nossa certidão de nascimento de lá, que é a origem de registro familiar. Lá está o nome de nascença do falecido", lembra ele.

Esse serviço é feito de graça por Seiki, como ele mesmo faz questão de deixar claro. "Pra mim é uma dádiva poder ajudar essas famílias que ainda fazem questão de manter os Butsudan em suas casas, que seus filhos ainda querem manter as tradições do nosso povo".

Qualquer um que saiba Ihai pode sim escrever nas placas dos antepassados da família. E, de acordo com Seiki, a língua não é tão complexa assim. "Para aprender um idioma você precisa guardar a vergonha no bolso, falar, e escrever, e uma pessoa que saiba lhe corrigir até você ter certeza e confiança naquele idioma".

Mas o que é o Butsudan? - Uma forte característica da espiritualidade de Okinawa é a ligação afetiva com os antepassados, muitos poderiam chamar de adoração, mas eles preferem dizer conexão afetiva, pois quando se reza diante de um Butsudan, a sensação que garantem ter é de aconchego, como se fosse um abraço dos entes queridos que já se foram e estão aí representados por meio dos nomes escritos nas pequenas tábuas.

As famílias costumam abrir o oratório em dias de celebrações, como o aniversário dos antepassados, no Natal, no Ano Novo, e em conjunto, pedir pelo bem daqueles que se foram e agradecer por todos os ensinamentos recebidos. Há quem abra os Butsudan todos os dias, mas vale lembrar que é sempre preciso ofertar algo a eles, um incenso, uma vela, ou um copo de água.

O ármario, em si, passa de geração a geração, indo para o filho mais velho, e depois para os mais jovens da árvore genealógica.

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Para abrir o Butsudan, é preciso sempre ofertar algo ao oratório. (Foto: Roberto Higa)
Para abrir o Butsudan, é preciso sempre ofertar algo ao oratório. (Foto: Roberto Higa)
Seiki mostra a tinta usada para pintar em ihai, ela serve para todas as superfícies. (foto: Marina Pacheco)
Seiki mostra a tinta usada para pintar em ihai, ela serve para todas as superfícies. (foto: Marina Pacheco)
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