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Comportamento

Parceira do trabalhador nas rodovias, bicicleta é risco que todo mês mata um

Nos longos trajetos pelos acostamentos, rotina com bicicleta exige sorte na concorrência com os caminhões

Aletheya Alves | 20/08/2020 15:39
José Carlos Cavalcante Leal, de 25 anos, usa a BR-262 para ir até a casa da mãe há 9 anos. (Foto: Marcos Maluf)
José Carlos Cavalcante Leal, de 25 anos, usa a BR-262 para ir até a casa da mãe há 9 anos. (Foto: Marcos Maluf)

Treinamento diário para quem pedala em rodovias é aceitar o perigo vivido em acostamentos das estradas. O "sussurro de medo" para ciclistas vem no espaço que sobra na concorrência com "caminhões que voam". No fim, o jeito é apostar na sorte e mirar no destino.

Fazendo o caminho entre a região do Indubrasil e o bairro Santa Mônica há nove anos, José Carlos Cavalcante Leal, de 25, vai controlando a bicicleta com o freio falho nos pés. São 8 quilômetros passando pela BR-262 e dando continuidade na Avenida Solon Padilha, que segue com o mesmo fluxo intenso de rodovia.

Depois de atravessar a BR e ser parado pela reportagem, José conta que o caminho é feito quase de olhos fechados. “Sou acostumado com a movimentação dos caminhões que voam do meu lado”, diz.

José conta que sofreu acidente de bicicleta na rodovia aos 12 anos. (Foto: Marcos Maluf)
José conta que sofreu acidente de bicicleta na rodovia aos 12 anos. (Foto: Marcos Maluf)

Aos 12 anos, ele sofreu acidente em situação parecida. Ele explica que a cerca de 364 quilômetros de Campo Grande, em uma rodovia na região de Aral Moreira, foi atingido por um carro quando saía da chácara em que morava para ir até a cidade.

Eu ia fazer compras no mercado para a minha mãe e tinha que pegar a rodovia de lá para conseguir chegar na cidade. O caminho não era muito longo, mas eu acabei não vendo o carro e voei da bicicleta.

O resultado foi um bocado de ralados pelo corpo e trauma que de vez enquando aparece. Com tranquilidade enquanto os veículos passavam colados ao acostamento, José explica que ainda tem receio quando carros e caminhões ficam muito perto de onde está na estrada, mas que é a “vida da classe baixa”, já que não tem ideia de como comprar um carro.

Ciclista usando acostamento na BR-262 ao lado de caminhão. (Foto: Marcos Maluf)
Ciclista usando acostamento na BR-262 ao lado de caminhão. (Foto: Marcos Maluf)

Sobre o motivo de não usar ônibus público, por exemplo, ele justifica dizendo que tem um carinho especial pelo meio de transporte que não polui. “Eu sei que é perigoso porque o que é uma bicicleta perto dos grandes? Mas eu gosto da sensação e ainda mais pensando na pandemia, não tem perigo com o coronavírus, porque não tenho contato com ninguém”, explica.

Um dia de moto e carro, outro de bicicleta - Para economizar na gasolina, o jardineiro Marcelino Leonel Bacarge, de 52 anos, conta que pega a rodovia de bicicleta mesmo com o medo no ouvido.

Eu tenho na cabeça várias vezes que gente de bicicleta foi atropelada por carro, moto, caminhão aqui na 262. Há mais ou menos um mês, uma menina perdeu a bicicleta dela, mas deu sorte porque teve outro que ficou todo quebrado em acidente.

Além de quem usa bicicleta para ir trabalhar, ele lembra que é normal o alto fluxo de ciclista esportivos. “Eles vêm aos montes, aí conseguem ser vistos. Tem mais problema quando é um sozinho mesmo porque é mais frágil”.

Marcelino Leonel Bacarge, de 52 anos, diz que já viu diversos acidentes na BR-262. (Foto: Marcos Maluf)
Marcelino Leonel Bacarge, de 52 anos, diz que já viu diversos acidentes na BR-262. (Foto: Marcos Maluf)

Saindo do serviço, Antônio Venâncio, de 48 anos, entra na 262 depois de conferir se a pista está vazia, já com o sol se distanciando. Ele conta que a rotina com bicicleta já acumula mais de trinta anos, aproveitando o resto de luz que sobra para garantir visibilidade.

Além da bicicleta, Antônio também tem um carro, mas diz que prefere usar as duas rodas para ir e vir do serviço. “O caminho não é tão longo, então acho melhor pegar aqui com bicicleta. Dá um medo, mas graças a Deus nunca aconteceu nada durante todo esse tempo e acho melhor no momento, economiza”.

Um em cada mês - A “proteção divina” de Antônio contrasta com as notícias de vítimas nas rodovias de Mato Grosso do Sul. Do outro lado da história, desde fevereiro foram divulgadas pelo Campo Grande News, ao menos, a morte de um ciclista por mês nas estradas.

Em fevereiro, o ciclista Robson Farias, de 25 anos, morreu atropelado na BR-262, em Corumbá. No início de março, entre as cidades de Fátima de Sul e Jateí, na BR-376, um homem conhecido como João Seriguela não sobreviveu à colisão com um caminhão. Ele morava em um sítio na região e teria pego a estrada para visitar um amigo.

Bicicleta de João Seriguela ficou destruída após acidente na BR-376. (Foto: Arquivo/MS News)
Bicicleta de João Seriguela ficou destruída após acidente na BR-376. (Foto: Arquivo/MS News)

Matheus Henrique Franco da Silva, de 18 anos, foi vítima na estrada em abril. O ciclista foi atropelado durante a noite, na BR-163, e chegou a ser levado pelo Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) para o Hospital da Vida em Dourados, mas não resistiu.

Na MS-145, em Deodápolis, um motorista de caminhão boiadeiro atropelou ciclista no fim de maio e fugiu sem prestar socorro. Enquanto seguia pela MS-384, em Ponta Porã, Ursino Ramon Velasquez Duarte, de 73, não sobreviveu ao ser atropelado por uma motocicleta. Ele foi levado para o Hospital Regional da cidade, mas não resistiu.

Durante os últimos dois meses, mais dois ciclistas morreram. Raynel, de 34 anos, foi vítima fatal de atropelamento por um carro às margens da BR-163, em Dourados.

Na noite desta terça-feira (18), o Corpo de Bombeiros da Capital foi acionado para um ciclista atropelado na BR-060, entre Campo Grande e Sidrolândia. Sem identificação, o homem não resistiu e se tornou mais um registro de morte das estradas de Mato Grosso do Sul.

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