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Comportamento

Por aqui, ditadura enterrou livros e espalhou fake news sobre água envenenada

Há 55 anos, entre as bizarrices, comunista era taxado de bicho papão e "se alimentava de criancinhas"

Danielle Valentim | 29/03/2019 07:45
Castelo Branco assume como primeiro presidente do Brasil após o golpe. (Foto: Arquivo Nacional)
Castelo Branco assume como primeiro presidente do Brasil após o golpe. (Foto: Arquivo Nacional)

Há 55 anos, em Campo Grande, entre as curiosidades mais bizarras do período de ditadura militar, houve tempo de enterro de livros para escapar de perseguições e versão retrô de fake news.

A data que lembra o golpe de 64 se aproxima e tudo volta à tona, principalmente, depois do aval do presidente Jair Bolsonaro para que, a partir de agora, unidades militares do País comemorem o dia 31 de março de 1964, data que marca o golpe e o início da ditadura militar no Brasil.

Diferente de inúmeros militantes, a atriz Cristina Mato Grosso não chegou a ser presa, mas confirmou a proibição de certas leituras e a necessidade de esconder seus livros naqueles tempos de censura absoluta.

"Era proibido ler o livro de Karl Marx entre outros de cunho político. Fui obrigada a enterrar no quintal sob olhar apreensivo e preocupado da minha mãe na ocasião em que um amigo foi preso, porque nós estávamos pixando muro por contestação, em homenagem aos 100 anos de Lenin [revolucionário comunista]", relembra Cristina.

Produzir arte não foi fácil, mesmo longe do centro político brasileiro. “Eu e Américo Calheiro tivemos peças proibidas. Neste período, principalmente, 1970 estava tudo endurecido, os piores anos. Quando Médice [Emílio Garrastazu Médici - terceiro presidente do Brasil durante a ditadura] assumiu. As prisões, torturas e mortes se triplicaram, inclusive a repressão a tudo, como as pesquisas, criações literárias e teatrais.

Certo dia, em 1962, a notícia nos jornais foi de grupo subversivo, que em uma Kombi cruzou a Afonso Pena soltando fogos no aniversário do comunista Luís Carlos Prestes. estudantes entusiasmados contra a ditadura, todos acabaram presos e só conseguiram deixar a prisão com a ajuda do ex-governador Wilson Barbosa Martins, advogado de formação.

Outro episódio ocorreu em rádio de Campo Grande, em 1968. Censor chegou a picotar uma fita do III Festival Internacional da Canção, em 1968, que seria transmitida pela emissora local. A música vencedora foi “Sabiá” de Tom Jobim e Chico Buarque, mas a canção que entrou para a história foi a vice-campeã: "Para não dizer que não falei das flores", de Geraldo Vandré. Quando a segunda música tocava na rádio, censor apareceu no estúdio e acabou com a fita, sob os olhares tensos da equipe.

Na maioria das vezes, depois do golpe as denúncias sobre os "esquerdistas", partiam da ADEMAT (Ação Democrática de Mato Grosso), associação formada, principalmente, por produtores rurais, como o ex-prefeito Lúdio Coelho. 

As Fake News À época, as tentativas de sujar a imagem de comunistas - ou de quem quer que fosse contra as ideologias do governo - tinham diversos níveis. Às vezes sérios e outras vezes bizarros, mas sempre aumentavam a tensão.

Ao remeter à seriedade do médico Alberto Neder, Cabral relembra que comunistas eram taxados de bichos papões. "Naquele período, o que se ouvia era que comunista comia criancinhas", disse.

Os militares achavam, inclusive, que os comunistas tinham depósitos de armas em Campo Grande e que compravam os materiais no Paraguai.

O historiador Eronildo Barbosa da Silva, responsável por um estudo sobre o golpe de 1964 no Sul deo antigo Mato Grosso, relembra de boato sobre o envenenamento da água de Campo Grande, em abril de 1964.

Os responsáveis pelo “ato terrorista” seriam os comunistas, principalmente, o médico Alberto Neder e seus amigos. “Isso foi suficiente para que uma parte da população iniciasse uma peregrinação rumo aos córregos e outros reservatórios para buscar água. Ninguém queria consumir a água fornecida pela prefeitura”.

O comandante do Exército teve ir à imprensa para desmentir o boato, revela Eronildo.

Nos arquivos dos "fichados" como subversivos no Sul do antigo Mato Grosso, estão João Jovelino, Epaminondas Lemos, Arcelino Granja, Lafayete Câmara, Durvalino Barros, Aureo Medeiros, Rádio Maia, o ex-governador Wilson Martins, o irmão Plínio, Armando Pereira Falcão, Harrison Figueiredo e tantos outros nomes, como o advogado Nelson Trad, um dos primeiros a ser preso, que teve de suportar um mês incomunicável porque era apontado como comunista. Mesmo assim, ele continuou como advogado dos presos políticos, apesar de não poder comparecer a muitas das audiências porque foi para a prisão por mais 5 vezes.

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