Salomão é o maior pé frio, viajou 2 vezes para onde começou guerra
Apesar de impressão, libanês se considera com sorte, porque escapou duas vezes da morte

Sleiman Khalil Salame, ou Salomão, como é conhecido no Brasil, não imaginava que as viagens que fez ao Líbano acabariam do jeito que acabaram. Da última vez, sem saber, ele chegou ao país quando Israel bombardeava a cidade de Beirute, onde parte da família mora. Muitos podem até achar que ele é o maior pé frio, pois viajou duas vezes para onde começou a guerra, mas ele se considera com sorte, porque escapou duas vezes da morte.
A primeira viagem foi em novembro de 2024, quando as tropas israelenses atacaram algumas cidades libanesas, incluindo Beirute. O objetivo inicial era encontrar e matar líderes do grupo terrorista Hezbollah (Partido de Deus). As investidas permaneceram com bombardeios diários até o cessar-fogo, que aconteceu em 24 de novembro.
Quando o assunto é guerra, os olhos de Salomão falam antes da boca. Aos 72 anos, ele conta que, na primeira vez, já estava no Líbano quando Israel atacou. O sentimento foi de pânico.
“Quando Israel começou a bombardear Beirute, eu não sabia de nada do que estava acontecendo. Minha irmã mora no mesmo bairro onde vinham as bombas. Cheguei no aeroporto e ninguém foi me pegar. Vi um cara com uma plaquinha com meu nome em um papel. Ele me levou para ela em um bairro alto, porque a parte baixa tinha sido bombardeada. Fomos até a montanha, onde temos uma casa. Infelizmente, a situação no Líbano é triste.”
No total, foram 10 dias no local, até ter que descer até a parte baixa para ir embora. Ele conta que não costuma ficar mais do que isso no Líbano. As visitas às três irmãs que ficaram lá são anuais e só não aconteceram durante a pandemia de covid-19 e quando teve que deixar às pressas o país, quando começou a guerra em 1976.
O conflito durou de 1975 a 1990 e foi um dos mais complexos e sangrentos do Oriente Médio. O ano de 1976 foi um dos mais críticos, marcado pela intervenção síria e massacres.

“No final, eu desci para Beirute e, infelizmente, meu voo foi cancelado porque atacaram perto. Isso em 2024. Naquele bairro ninguém chega. O taxista pegou um caminho diferente para chegar até a casa da minha irmã. Eu pedi socorro no consulado do Brasil e vim embora no primeiro avião da FAB [Força Aérea Brasileira].”
A segunda vez que Salomão viveu a guerra sem saber foi neste mês, no casamento da sobrinha e no noivado de um primo.
“Não sabia que três dias antes Israel tinha bombardeado Beirute, mesmo bairro da minha irmã. Era pra eu voltar hoje, dia 24, e como minha filha é professora de balé e tinha apresentação no Glauce Rocha, tinha que voltar. Não pude ficar lá. Cancelei o voo para voltar na quarta passada. O voo dela era na terça, o meu na quarta, mas o dela foi cancelado. Não sabia como ela estava. Nos encontramos no Qatar.
Quando perguntado sobre o sentimento de ver a cidade onde a família mora e onde passou parte da vida, Salomão conta que não há outro sentimento a não ser tristeza. Mas isso ele já sente há muito tempo. Quando saiu do Líbano em 1976, não esperava passar tanto tempo no Brasil. Durante 14 anos, ele não viu a família.
É uma pena. A situação no Líbano e no Oriente Médio é, infelizmente, assim. Eu fugi da guerra em 1976. Tenho muita sorte, graças a Deus. Ter conseguido fugir três vezes, além de ter escapado da morte várias vezes. É triste.”
O libanês conta que fez uma promessa ao santo São Charbel Makhlouf, mais conhecido como São Charbel, de sempre voltar ao país, não importasse a circunstância. A promessa foi cumprida durante nove anos seguidos.
“Só não fui na pandemia por causa da guerra. Fiquei 14 anos sem ver minha família na guerra civil lá. Quando vim a primeira vez para o Brasil, fiquei cinco anos.”
Salomão chegou a Campo Grande sem saber nada de português. Veio por conta de um tio que já estava aqui e tinha uma padaria, a Pão Gostoso. Em 1983, Salomão abriu sua própria padoca na Rua 26 de Agosto, a Padaria Salomão. Em 1989, seu parente decidiu fechar a Pão Gostoso. Depois de anos, ele mudou para o ponto onde está até hoje, na Avenida Doutor João Rosa Pires.
Segundo o libanês, uma das irmãs não sai do país em guerra por ter um filho que precisa de cuidados específicos. Ao todo, eram nove irmãos, mas quatro faleceram.
“Perdi primos, amigos na guerra, bastante. Eu e meu irmão já chegamos a ter um fragmento de granada, isso é normal. A minha infância também teve isso. Uma vez, uma bomba caiu do meu lado. Eu fui militar, fugi da guerra, mas a história é grande e muito já não lembro. Foi há 50 anos, são lembranças chatas. A bomba caiu do lado e eu abaixei, joguei meu irmão no chão. É triste.”
Acompanhe o Lado B no Instagram @ladobcgoficial, Facebook e Twitter. Tem pauta para sugerir? Mande nas redes sociais ou no Direto das Ruas através do WhatsApp (67) 99669-9563 (chame aqui).
Receba as principais notícias do Estado pelo Whats. Clique aqui para acessar o canal do Campo Grande News e siga nossas redes sociais.