Sem destinação correta, lixo espalhado na cidade é retrato do descuido coletivo
Em MS, cada morador produz quase 1 kg de lixo/dia, é o 4º maior gerador do País e maioria sem destino adequado
Há ruas em Campo Grande onde todas as lixeiras sumiram, levadas por ladrões. No lugar delas, sacolas penduradas em árvores viram solução improvisada, até que cães e gatos espalhem o conteúdo pelas calçadas. Também tem muita gente revirando sacos sujos em busca de algo que ainda tenha valor, e o que sobra se espalha sem destino.
RESUMO
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Mato Grosso do Sul ocupa a quarta posição entre os estados brasileiros que mais geram resíduos por habitante, com média de 0,92 quilo de lixo diário por pessoa, totalizando 336 quilos anuais. O estado supera a produção de regiões altamente urbanizadas, como São Paulo, ficando atrás apenas do Distrito Federal, Rio de Janeiro e Ceará. Apesar do alto volume de resíduos, o estado enfrenta desafios na gestão do lixo. Apenas 78% dos resíduos são destinados a aterros sanitários, enquanto 22% ainda vão para lixões ilegais. A infraestrutura para tratamento é precária, com baixas taxas de reciclagem e apenas 54% dos municípios possuindo coleta seletiva, majoritariamente restrita às áreas centrais.
Essa é apenas a face mais doméstica de uma relação desastrosa com o lixo. A outra, mais escandalosa, aparece nas margens do Rio Anhanduí, cobertas de entulho e dejetos, e nas montanhas de materiais que poderiam ser reciclados, mas apodrecem no aterro sanitário, a prova diária de que a cidade ainda não sabe lidar com o que descarta.
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Por onde quer que se ande na cidade, em lugares de valorização alta, como Jardim Veraneio, a pontos clássicos de despejo irregular, como ao longo da Avenida Ernesto Geisel, o resultado é uma paisagem de restos de comida, embalagens rasgadas e mau cheiro, reflexo do descuido coletivo e do consumo exagerado, potencializado pela demora na implementação de um plano amplo de destinação de resíduos.
Mato Grosso do Sul está entre os quatro estados do País que mais geram lixo por habitante. O sul-mato-grossense consegue produzir mais resíduos que moradores de locais altamente urbanos, como São Paulo. Por outro lado, ainda enfrenta a realidade da baixa taxa de reciclagem e carência de infraestrutura para tratamento.
Cada habitante por aqui produz, em média, 0,92 quilo de lixo diariamente o que equivale a 336 quilos por pessoa ao ano, segundo o Anuário Estadual de Mudanças Climáticas. O volume coloca Mato Grosso do Sul em 4º lugar em geração per capita de resíduos sólidos urbanos, ficando atrás apenas do Distrito Federal, Rio de Janeiro e Ceará.
Com base na população de quase 3 milhões de moradores, são 982.676 toneladas por ano, ou 2,69 mil toneladas por dia em Mato Grosso do Sul.
O levantamento, baseado em dados do Sistema Nacional de Informações sobre Resíduos Sólidos e do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa de 2024, mostra que 78% dos lixo no Estado têm destinação em aterros sanitários, enquanto 22% ainda seguem para lixões, prática proibida pela legislação ambiental.
Apesar da grande geração de lixo, Mato Grosso do Sul não aparece entre os estados com estrutura de tratamento, como compostagem, reciclagem industrial ou aproveitamento energético.
Levantamentos do Instituto Água e Saneamento e do Tribunal de Contas do Estado apontam que apenas 54% dos municípios possuem algum tipo de coleta seletiva, mas a maioria das iniciativas cobre apenas áreas centrais.
Em Campo Grande, a coleta domiciliar alcança quase 98% da população, mas apenas 0,79% do material coletado é reciclado. Em São Gabriel do Oeste, o índice de reaproveitamento chega a 5,3%, um dos mais altos do Estado, mas ainda distante de padrões considerados sustentáveis.
Neste ano, a concessionária responsável pela gestão da limpeza urbana e o manejo de resíduos sólidos na Capital, a CG Solurb, recebeu autorização para ampliar em 3,5 hectares o aterro sanitário do bairro Dom Antônio Barbosa, por conta da alta geração. Ao todo, a nova área deve receber mais 1.338.437 metros quadrados de lixo.
O Anuário relaciona a alta geração de resíduos à urbanização crescente e à falta de infraestrutura regionalizada. Além do impacto ambiental direto, o setor de resíduos responde por 2,2% das emissões de gases de efeito estufa em Mato Grosso do Sul, principalmente pela liberação de metano em aterros e lixões.
A coleta seletiva ainda é um desafio em Mato Grosso do Sul. Mesmo entre os que afirmam ter coleta seletiva, grande parte ainda não possui infraestrutura consolidada, cooperativas formalizadas ou sistemas de triagem com cobertura integral. A média estadual de reaproveitamento é de 1,8%, valor inferior à média nacional, que é de 2,4%.
Veja o mapa da produção de lixo no Brasil:
A Agência Estadual de Regulação de Serviços Públicos está realizando um levantamento sobre a situação da limpeza urbana e da destinação final de resíduos em todos os municípios sul-mato-grossenses.
O objetivo é mapear o estágio de implementação da coleta seletiva e dos aterros sanitários, mas até o momento o Estado ainda carece de políticas integradas para aumentar o volume de reciclagem.
Segundo o TCE, a maior parte das prefeituras enfrenta limitações financeiras e estruturais. Muitos municípios não possuem unidades de triagem, nem contratos com cooperativas de catadores, o que torna a operação da coleta seletiva inviável de forma contínua.
Mesmo nas cidades com programas implantados, a cobertura é irregular: há bairros sem atendimento e cronogramas inconsistentes de recolhimento de recicláveis,apontou o levantamento do Tribunal de Contas e do Instituto Água.

A ausência de educação ambiental e de campanhas de incentivo também compromete o engajamento da população, que muitas vezes não separa os materiais recicláveis por falta de orientação ou de equipamentos adequados.
Outro ponto crítico apontado no relatório é a falta de regionalização do tratamento. Municípios menores, com orçamentos limitados, não conseguem manter sozinhos sistemas de triagem e transporte de recicláveis, o que reforça a dependência de consórcios intermunicipais, ainda pouco estruturados no Estado.
Lixeiras roubadas
No Jardim Jacy, a aposentada Lenir da Silva Teixeira, 70 anos, viu a maioria das lixeiras da Rua Iporã desaparecer. “Roubaram as lixeiras da quadra. Eu penduro as sacolas nas árvores, porque levaram a minha também”, conta.
Ela mora há quase 60 anos na região e tenta manter a rotina de limpeza mesmo com o improviso. “Eu passo água e coloco Qboa, porque os animais rasgam os sacos. Se todos cuidassem, não estava essa bagunça”, desabafa.
Lenir também enfrenta outro problema: o descarte irregular de pneus em um terreno em frente de casa. “Tem um rapaz da borracharia que joga pneu ali. Já joguei Qboa dentro pra não acumular água”, diz.
Apesar das dificuldades, ela tenta dar destino correto a parte do lixo. “As garrafas plásticas eu dou para o meu tio que tem chácara, e ele usa como reciclável. No fim do ano vendi as latinhas e deu R$ 80.”

Ela lembra que, em Portugal, onde morou por 16 anos, havia contentores separados para cada tipo de resíduo. “Aqui deveria ter isso também. Aí o caminhão passava direto, e o lixo não ficava espalhado.”
A pensionista Marlene Alencar, 57 anos, também viveu essa experiência em Portugal. Há oito meses de volta ao Jacy, ela sugere que o ideal seria criar pequenos pontos de reciclagem em cada rua. “Assim a pessoa iria a pé, sem depender de levar longe. Lá em Portugal, se jogava um sofá, eles passavam toda semana para recolher. Aqui, fica até alguém destruir.”
No bairro Marcos Roberto, o aposentado Adenir José da Costa, 58 anos, elogia a frequência da coleta, mas lamenta o sumiço de alguns serviços. “Antes passava um caminhão só pra reciclagem, agora nem varrem a rua. A prefeitura pegava até sofá velho, hoje não tem mais isso.”
Ele, que veio de Minas Gerais, nota a diferença de fiscalização. “Lá em Governador Valadares era bem melhor. Aqui tem muito lixo de marmitex e entulho na calçada.”
Mesmo sem coleta seletiva, Adenir tenta reduzir o próprio impacto. “Tenho uma horta e evito comprar plástico pra não gerar tanto lixo.”

Plano X realidade
O Plano Estadual de Resíduos Sólidos de Mato Grosso do Sul, criado em 2020, traça um diagnóstico detalhado sobre geração, transporte, tratamento e destinação de resíduos sólidos, e propõe medidas para que os municípios acabem com os lixões e adotem destinação final ambientalmente adequada.
Na prática, serve como base para que prefeituras, empresas e o próprio governo estadual organizem políticas de coleta, triagem, reciclagem e disposição em aterros sanitários licenciados, seguindo as exigências da Política Nacional de Resíduos Sólidos
Os objetivos ainda estão bem longe da realidade. O PERS propõe, por exemplo, regionalizar a gestão do lixo, ou seja, dividir o Estado em regiões de referência para que os municípios possam atuar em consórcios intermunicipais, compartilhando aterros sanitários e reduzindo custos de operação. A ideia é evitar que cada cidade mantenha um lixão ou aterro isolado, prática que encarece o sistema e amplia o risco de contaminação ambiental.

Entre as metas prioritárias estão a extinção dos lixões a céu aberto, com recuperação de áreas degradadas; a criação de unidades regionais de triagem e compostagem; a ampliação da coleta seletiva e inclusão de cooperativas de catadores; a implementação de sistemas de logística reversa, especialmente para embalagens e materiais perigosos; e educação ambiental permanente e estímulo à redução de resíduos na origem.
O plano também estabelece que o ICMS Ecológico deve ser usado como instrumento de incentivo econômico, premiando municípios que comprovarem a destinação adequada dos resíduos..
Apesar das diretrizes, o próprio PERS reconhece que a execução é desigual. Cerca de metade dos municípios ainda não possui Plano Municipal de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos documento obrigatório para acesso a recursos federais e estaduais.

Destino correto
Sobre a reclamação de moradores de Campo Grande sobre a falta de coleta de móveis abandonados, a Prefeitura lembra que mantém cinco pontos oficiais para descarte de resíduos sólidos, conhecidos como Ecopontos da Solurb. Os locais foram criados para facilitar o descarte consciente e gratuito de materiais como entulho, restos de poda, móveis velhos, eletrônicos e outros itens que não devem ser jogados nas vias públicas ou misturados ao lixo doméstico.
Os Ecopontos funcionam de segunda a sábado, das 8h às 18h, e estão distribuídos em diferentes regiões da cidade:
Jardim Noroeste – Rua Piraputanga, esquina com a Rua Guarulhos
Nova Lima – Rua Pacajús, cruzamento com a Rua Galdino Afonso Vilela, no Bairro Jardim Vida Nova
União – Avenida Roseira, esquina com a Rua Carmem Bazzano Pedra
Panamá – Rua Sagarana, esquina com a Avenida José Barbosa Rodrigues
Moreninha – Rua Copaíba, entre a Rua Antônio David Macedo e a Rua Amado Nogueira de Moraes
Cada Ecoponto possui contêineres identificados e separados por tipo de resíduo, garantindo que o material tenha a destinação correta — parte segue para reciclagem, parte para reaproveitamento ou descarte ambientalmente adequado.