Mediador do MDA diz que proposta de Tereza Cristina ignora violência no campo
Juiz federal ouviu relatos de ataques contra comunidade Guarani-Kaiowá no sul do Estado
O cenário político em Brasília abre mais um capítulo de tensão entre o governo e os representantes do agronegócio em Mato Grosso do Sul. Em entrevista ao Campo Grande News, o juiz federal do trabalho Leador Machado, diretor do Departamento de Mediação e Conciliação de Conflitos Agrários, afirmou que ouviu vários relatos de perseguição e ameaças de produtores rurais contra comunidades Guarani-Kaiowá situadas na região sul do Estado.
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Coordenador da CNEVC (Comissão Nacional de Enfrentamento da Violência no Campo), o magistrado rebateu a ofensiva desencadeada pela senadora Tereza Cristina (PP-MS) contra o decreto do governo Lula que, entre outros objetivos, propõe “proteger pessoas e comunidades que atuam pacificamente na defesa dos direitos humanos e ambientais”. Para Leador Machado, o projeto da senadora é construído com base em um único ponto de vista, sobretudo o lado de quem “está com o chicote na mão”.
Em termos práticos, dias após a publicação do novo Plano Nacional de Proteção a Defensoras e Defensores de Direitos Humanos (Plano DDH), instituído por decreto presidencial, a senador Tereza Cristina apresentou o Projeto de Decreto Legislativo 943/2025, em que pede a suspensão dos efeitos do Decreto do presidente Lula (nº 12.710, publicado em 5 de novembro de 2025). A justificativa da senadora é que o Plano DDH “distorce a política de direitos humanos e abre caminho para que invasões de terra ganhem respaldo oficial do Estado”.
A proposta da senadora encontra-se na Secretaria Legislativa do Senado aguardando os trâmites normais da Casa, que envolvem análises em comissões e também no Plenário.
Agrotóxico como arma química
Uma semana antes de o presidente Lula anunciar o Plano DDH, o juiz federal Leador Machado esteve em Mato Grosso do Sul, onde participou de uma missão oficial da CNEVC, entre 27 e 31 de outubro, para apurar denúncias envolvendo como vítimas comunidades indígenas Guarani e Kaiowá. O objetivo dessa missão foi apurar denúncias de uso de agrotóxicos como arma química e excessos cometidos contra essas duas comunidades. Ao relatar os fatos observados de perto, o magistrado descreveu uma realidade dura contra esses povos.
“O que pude constatar foi uma comunidade acuada, amedrontada e que tem seus direitos mais básicos negados ou desrespeitados. Estão abandonados à própria sorte e só têm nos defensores de direitos humanos aqueles que tentam dar visibilidade a essa situação de violência e abandono. Esses mesmos defensores, por exporem essa situação de injustiça, são caluniados, acusados de compor organizações criminosas, perseguidos e ameaçados”, disse.
A partir dessa constatação, o magistrado apontou preocupações sobre o uso inadequado de estruturas institucionais nos conflitos no campo. “Aqueles que se levantam contra os pequenos têm todo o aparato do Estado à sua disposição. Usam esse aparato, conforme constatado in loco, de forma desmedida, desproporcional e com parcialidade flagrante.”
O magistrado criticou o conteúdo do projeto da senadora Tereza Cristina:
“O projeto da senadora é apenas mais um projeto construído com base no ponto de vista de uma das partes, aquela que está com o chicote na mão.” A senadora não deu retorno sobre esses pontos polêmicos até o fechamento desta edição.
O embate é político. O governo procura demonstrar compromisso com os direitos humanos e o combate à violência no campo, enquanto a senadora Tereza Cristina, representante do agronegócio, acusa o Executivo de alimentar um discurso que criminaliza o produtor rural.
Plano interministerial
Sob a coordenação do MDHC (Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania), o Plano DDH conta com a participação de sete ministérios. O Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar é o responsável pelo apoio à proteção de defensoras e defensores de direitos humanos no campo por meio da regularização fundiária, do acesso à terra e, entre outras atribuições, do apoio à agricultura familiar de comunidades quilombolas. Participam ainda o Ministério da Igualdade Racial; o Ministério da Justiça e Segurança Pública; o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima; o Ministério das Mulheres; o Ministério dos Povos Indígenas; além da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República.
Para a senadora, o decreto presidencial extrapola o propósito original da política de proteção a pessoas ameaçadas, transformando a política fundiária em “mecanismo de proteção, fortalecimento e legitimação de movimentos organizados responsáveis por invasões de propriedades públicas e privadas”.
A parlamentar argumenta ainda que o novo decreto altera profundamente o modelo anterior (Decreto nº 9.937/2019), que focava na proteção individual de pessoas ameaçadas, com critérios técnicos claros e gestão restrita ao Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos e ao Ministério da Justiça.
“O novo decreto rompe com esse modelo e inaugura uma lógica radicalmente distinta, convertendo a política de direitos humanos em instrumento estatal de amparo político e institucional a grupos militantes, sobretudo aqueles mobilizados em conflitos agrários”, afirma.
Ao Campo Grande News, o MDHC informou que o Plano DDH atende às competências constitucionais do Presidente da República e às exigências da Corte Interamericana de Direitos Humanos e da Justiça Federal (TRF4), que condenaram a União pela ausência de um plano nacional de proteção a pessoas ameaçadas por defender direitos humanos.


