“Pelo fim do 171”, delegado que não é da polícia quer ser vereador
João Andrade quer entrar para a política, mas foi barrado após provocar ira de delegados e parar na mira da PF
João Manoel de Andrade, de 36 anos, é formado em Engenharia e dono de um lava-rápido em Campo Grande, mas decidiu entrar para a política como “Delegado João Andrade”. Embora não tenha qualquer ligação com a polícia, a não ser por tentativa no passado de ingressar para a Polícia Militar, ele anda pelas ruas da Capital vestido de preto e com distintivo no pescoço, além de divulgar “abordagens” nas redes sociais, o que provocou a ira da Adepol-MS (Associação dos Delegados de Polícia de Mato Grosso do Sul) e o colocou na mira da PF (Polícia Federal).
Com o slogan “pelo fim do 171” – artigo do Código Penal para enquadrar a prática de estelionato – carimbado nos vídeos que divulga no Instagram, o aspirante a vereador também lançou jingle que diz: “o delegado chegou”. Só fez postagem explicando ser, na verdade, “delegado” do Confep (Conselho Federal Parlamentar) – associação privada criada em 2004 – nesta quinta-feira (1º), depois que a entidade representante dos delegados de polícia de Mato Grosso do Sul intimou o PL (Partido Liberal) a tomar providência.
No vídeo, ele tenta esclarecer a diferença entre um “delegado do Confep” e o ocupante do cargo público que chefia investigações policiais. Andrade mostra um documento que se parece muito com as carteiras de identidade funcionais de servidores públicos e diz dar a ele “livre trânsito para o bom desempenho das funções” com base na Lei nº 6.206. A legislação, contudo, só dá valor de identidade aos documentos expedidos pelos órgãos, criados igualmente por lei federal, controladores do exercício profissional – a carteirinha da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) para advogados, por exemplo.
Fato é que o comportamento de João Andrade, divulgado por ele mesmo nas redes sociais, causou “indignação e preocupação generalizadas” por parte dos delegados de polícia do Estado, conforme diz o presidente da Adepol-MS, André Matsushita, em ofício enviado ao PL de MS na quarta-feira, dia 31.
A entidade avisa o partido que o uso da palavra delegado antes do nome, distintivo e camiseta preta com o brasão da República “leva a crer” que se trata de um membro da carreira da Polícia Civil. Para a Adepol, a postura do pré-candidato é “inaceitável, incabível e imoral”.

Para delegado de carreira que analisou as postagens e conversou com a reportagem, o pré-candidato “age de má-fé”. “Quer induzir as pessoas a pensarem que é delegado. É o próprio 171. O jingle contém as palavras segurança, firmeza, que são as palavras que remetem a características desejáveis de policiais. Tem toda uma semiótica que remete a condição de policial. Ele viu que isso pode ser bom pra ele na eleição. É oportunista”.
Outro lado – João Andrade nega que queira enganar eleitores e diz que não tem vontade alguma de ser policial. “De maneira alguma. Na minha biografia, falo que sou delegado do Confep e fiz vídeo explicando a diferença”, justificou em entrevista ao Campo Grande News.
No dia 11 de outubro, em contato com a reportagem, o engenheiro pediu que o posicionamento enviado por escrito fosse incluído na matéria. “Sempre deixei claro em todas as minhas comunicações, seja nas redes sociais ou em vídeos explicativos, que sou delegado do Confep. Em momento algum me apresentei como delegado da Polícia Civil, o que pode ser facilmente verificado em meus conteúdos públicos”, informou, embora um print feito do perfil dele no Facebook no dia 2 de agosto mostre o contrário (veja na imagem acima).
Sobre o comentário feito pelo delegado de carreira ouvido pela reportagem, João Andrade afirma que “a linguagem utilizada em minha campanha tem o intuito de reforçar o papel que exerço como fiscalizador do poder público, dentro das funções atribuídas a mim no Confep. Não houve qualquer intenção de enganar ou induzir o público a erro, tampouco de agir de má-fé”.
Já sobre a medida tomada pela Adepol, na entrevista, o aspirante a vereador afirmou que não passava de “ciúmes”. “Estão com ciúmes do nome delegado”.
João Andrade nega que faça "abordagens" nas ruas se passando por policial. "Reforço que minha atuação ali foi a de um cidadão preocupado com a segurança e jamais tive a intenção de me passar por uma autoridade pública. O distintivo que estava comigo pertence ao Confep e foi utilizado exclusivamente em missões dessa instituição, nunca para usurpar função pública".
O ex-pré-candidato alega que nunca tentou entrar para a Polícia Militar de Mato Grosso do Sul, embora publicação do Diário Oficial do Estado de 2018 registre o nome dele como candidato em concurso da PM. "Nunca manifestei tal intenção em minha trajetória profissional ou política".
Sobre o slogan de campanha ele argumenta que "o sentido é metafórico e político, correspondendo a um apelo popular pela honestidade na vida pública e pelo resgate da verdade no discurso político".
Investigado e barrado – O material divulgado pelo “Delegado João Andrade” nas redes sociais também o colocou na mira da Polícia Federal. No dia 26 de julho, a PF instaurou inquérito para investigar denúncia anônima de usurpação da função pública.
Pela nota enviada ao Campo Grande News, no dia 11 de outubro, o empresário afirmou que “a investigação mencionada é fruto de uma denúncia anônima” e que tem “colaborado integralmente com as autoridades para esclarecer todos os fatos”. “Confio que, em breve, tudo será devidamente esclarecido”.
Em nota enviada à reportagem neste mês de novembro de 2025, João Andrade afirmou que "o inquérito policial instaurado a partir de denúncia anônima foi arquivado pelo Ministério Público Federal, que reconheceu a inexistência de fato típico ou conduta irregular".
Por fim, toda essa confusão fez com que João Andrade tivesse a candidatura barrada pelo próprio partido às vésperas da convenção do PL, marcada para a noite desta sexta-feira (2).
O advogado Vinícius Monteiro Paiva, do Partido Liberal, explica que a sigla “preferiu não submeter o nome dele à convenção para não criar uma crise institucional”. “A gente não concorda com a forma como ele se apresenta”.
O empresário não acredita. Acha que há alguma conspiração por trás da desculpa de que a candidatura dele criaria problemas para o PL. Por isso, diz estar à disposição de outras legendas, embora a janela partidária para a troca de partidos já tenha terminado.
“A decisão de barrar minha candidatura pelo PL foi tomada sem explicações claras, e levanta dúvidas sobre possíveis interesses políticos envolvidos”.
Arquivamento – Denúncia contra João Manoel rendeu abertura de inquérito policial para apurar “a possível prática do delito de usurpação de função pública (art. 328, do Código Penal), uso ilegítimo de uniforme ou distintivo (art. 46, do Decreto-Lei n.º 3.688/1941) e falsificação de selo ou sinal público (art. 296, 2°, III, do Código Penal)”.
A investigação, contudo, foi arquivada em setembro deste ano, por decisão do promotor Élcio D’Angelo. Ele entendeu que “embora manifestamente exagerada a conduta do investigado em sua apresentação pública, os fatos não configuram ilícito a ensejar a intervenção do Direito Penal, o qual, sabidamente, é fragmentário, reservando-se à proteção dos bens jurídicos mais relevantes à sociedade”.
Para o promotor, pelo fato de não dizer que é “delegado de polícia”, João Manoel não comete usurpação da função pública. “Não há elementos que demonstrem que o investigado utilizou a expressão delegado de polícia, mas que se utiliza unicamente da palavra ‘DELEGADO’ ou ‘Delegado do CONFEP’”. Por isso, ainda conforme a decisão de arquivamento, “não há elementos que levem à conclusão sobre a veracidade dos fatos ou mesmo se houve usurpação de função pública, falsa identidade ou qualquer outra violação às normas tuteladas pelo Direito Penal”.
(*) Matéria alterada às 10h29 do dia 11 de outubro de 2024, depois do primeiro turno das eleições, que ocorreram em 6 de outubro, para o acréscimo de informações nos posicionamentos de João Andrade.
(*) Matéria alterada novamente às 14h34 do dia 24 de novembro de 2025 para o acréscimo da decisão de arquivamento do MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul) e novas alegações de João Andrade.
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