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Capital

Entenda o que fez toda a diferença na condenação por morte durante racha

Nadyenka Castro | 02/03/2012 10:20

O dolo eventual, previsto no Código Penal, imputa responsabilidade a quem cometeu o crime, mesmo não querendo

Anderson: condenado e na prisão porque assumiu o risco de causar o acidente com morte. (Foto: Marlon Ganassin)
Anderson: condenado e na prisão porque assumiu o risco de causar o acidente com morte. (Foto: Marlon Ganassin)

A maioria das pessoas não sai de casa querendo matar outra. Quando alguém é morto, o comportamento de quem é acusado antes disso acontecer é que faz toda a diferença na punição, principalmente quando o caso envolve trânsito.

Um exemplo é o caso de Anderson de Souza Moreno, 20 anos, condenado a 18,9 anos de prisão nessa quarta-feira por ter causado o acidente que matou Mayana de Almeida Duarte, na madrugada do dia 14 de junho de 2010, em Campo Grande.

A pena dele, a maior em caso de morte no trânsito já registrada em Mato Grosso do Sul, só foi possível porque a acusação era de homicídio por dolo eventual qualificado pelo motivo torpe (racha) e recurso que dificultou a defesa da vítima.

A acusação por dolo eventual fez toda a diferença. É que esta previsão do código penal imputa à responsabilidade a quem cometeu o crime, mesmo não querendo, porque se comportou de maneira que poderia levar ao resultado.

Desde a primeira vez que falou sobre o caso, Anderson afirmou que não tinha intenção de matar Mayana. No entanto, para a legislação brasileira, ao dirigir embriagado, em alta velocidade, disputar racha e passar em sinal vermelho, Anderson assumiu o risco de causar resultado, que neste caso foi a morte da jovem.

Ou seja, mesmo quando a pessoa não quer matar outra, mas tem comportamento que pode causar a morte - e acaba causando -, existe o dolo eventual e consequente punição mais rigorosa do que se não tivesse havido atitudes de risco. “O dolo eventual é quando há a somatória de fatos que leva a pessoa a assumir o risco”, explica o juiz Aluizio Pereira dos Santos, da 2ª Vara do Tribunal do Júri. “Por exemplo, execesso de velocidade, embriaguez“, fala o magistrado.

O caso de Anderson é apenas um exemplo de aplicação do dolo eventual, que é quando a pessoa assume o risco. “O dolo eventual é quando o resultado é previsível. A previsibilidade mais o exame das circunstâncias. É o descaso com o resultado”, resume o promotor de Justiça Douglas Odegardo Cavalheiro dos Santos. “É o afastamento da linha de prudência”, diz.

Promotor explica que dolo eventual envolve circunstâncias do fato. (Foto: João Garrigó)
Promotor explica que dolo eventual envolve circunstâncias do fato. (Foto: João Garrigó)

No caso de Anderson, ele assumiu o risco porque dirigiu embriagado, em excesso de velocidade, disputou racha e passou por sinais vermelhos. “Ela [a pessoa] prevê, ainda que levianamente, o resultado. Se eu fizer isso [passar no sinal vermelho por exemplo], pode acontecer alguma coisa, mas, vou fazer”, diz o juiz exemplificando o pensamento de alguém que assume o risco de causar um acidente com morte.

A punição para quem mata em acidente sem ter assumido o risco - homicídio culposo é detenção. “Jamais a pessoa vai ficar presa. Pode dar pena alternativa”, declara o magistrado. “Já com dolo eventual é de 12 a 30 anos de prisão”, finaliza.

Quando a pessoa tem a intenção de matar outra e a faz, o dolo é direto. Nestes casos, o homicídio é doloso e também com pena de 12 a 30 anos de prisão.

No trânsito, essa situação acontece quando, por exemplo, uma pessoa atropela a outra propositadamente - e a mata-, ou então causa outro tipo de acidente com objetivo de morte.

Outros casos - O caso de Anderson não é único que foi a júri popular por dolo eventual no trânsito. Um deles é o de Benvindo Teixeira da Silva.

Em julho de 2010, Benvindo foi condenando ontem a oito anos de prisão em regime fechado por acidente que matou Janai Pompeu da Silva, de 47 anos. O acidente aconteceu no dia 4 de dezembro de 2008, na rua Fraiburgo, no bairro Cidade Morena, em Campo Grande.

Embriagado e sem CNH (Carteira Nacional de Habitação), Benvindo dirigia um Voyage (placas- CSX 8703) quando atropelou Janai, que estava com a filha de seis anos no colo. O homem descia de uma caminhonete D 10 para ir à pizzaria na mesma rua e acabou atropelado.

Também pode ir a júri popular Anastácio da Silva Yarzon Ortiz, que em agosto de 2008, na avenida Via Parque, bateu o Palio que conduzia em outro veículo onde estavam Kaique Gabriel Britto Sena e Dener Cesar Nunes de Araújo. Kaique e Dener morreram.

À Justiça, em abril do ano passado, ele confessou que havia ingerido cerveja antes do acidente e que tentou evitar a colisão. A defesa dele pede a desqualificação da acusação de homicídio doloso (com intenção de matar) para homicídio culposo (sem intenção) e também resultado de laudos de exames de alcoolemia feito nos dois rapazes que morreram.

Anastácio foi autuado em flagrante e solto por determinação da Justiça. O acidente resultou na morte de Dener e de Kaique e ferimentos em Alexandre Oliveira Fonseca e Luciano Zarate, que conduzia o carro onde todas as vítimas estavam.

Fora do trânsito- O dolo eventual não acontece só no trânsito. De acordo com o promotor de Justiça e com o juiz, casos de roleta russa também se encaixam nesse item do código penal.

Douglas dos Santos lembra ainda de outra ação penal onde foi aplicado o dolo eventual. O caso do farmacêutico Delcy Lima de Oliveira que manipulou remédios para Dario Dibo Nacer Lani. Delcy é acusado de homicídio doloso porque teria manipulado remédios para Dario tendo conhecimento técnico dos riscos da ingestão das drogas.

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