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A delação premiada veio para ficar

Por Newley A. S. Amarilla (*) | 29/05/2017 16:49

Alguns meios de obtenção de prova no processo penal passaram a ser admitidos mais recentemente para enfrentar o surgimento e o fortalecimento das organizações criminosas, muitas delas transnacionais, motivo de preocupações da ONU e de outras instituições assemelhadas.

Decorre daí a Convenção de Palermo, nome pelo qual ficou conhecido o pacto das Nações Unidas contra o crime organizado, subscrito no ano de 2000 na cidade siciliana do mesmo nome, onde foram assassinados Paolo Borsellino e Giovanne Falcone, magistrados que ficaram conhecidos por seu combate às máfias italianas.

Essa convenção foi promulgada no Brasil em 2004 (Decreto 5.015/2004) e admite a colaboração premiada como meio de obtenção de prova, encorajando pessoas que participam de grupos criminosos organizados a cooperar com o fornecimento de dados no combate ao crime.

Sendo eficaz a colaboração, seu autor pode ter a pena reduzida ou até perdoada. É verdade que no Brasil a colaboração espontânea é prevista desde a Lei 7.492/1986, mas somente após a Convenção de Palermo é que se alargaram seus limites e se facilitou sua utilização.

Finalmente, em 2 de agosto de 2013, com a edição da Lei 12.850, chamada “Lei de Combate às Organizações Criminosas”, foi regulamentada no direito brasileiro a colaboração premiada, muito embora já entre 2003 e 2007 o Ministério Público houvesse celebrado acordos dessa natureza no âmbito do caso Banestado, envolvendo o notório Alberto Youssef.

E como funciona a colaboração premiada?

Pois bem, o primeiro aspecto a ser considerado, embora pareça óbvio, é que seu autor deve ter conhecimento direto dos fatos que pretende informar, distinguindo-se, porém, de uma mera testemunha porque esta não faz parte da orcrim (abreviação de organização criminosa), enquanto aquele participa do grupo delinquente, de cuja confissão pode extrair o prêmio, se colaborar com eficácia, que pode ir desde a redução da pena até o perdão judicial.

Aquele que estiver disposto a colaborar pode negociar os termos junto à Polícia ou ao Ministério Público, sempre assistido por um advogado, eis que as repercussões de semelhante proceder podem ser várias e devem ser levadas em consideração para fins de adesão ou não por parte do pretendente.

Essa colaboração também pode ser prestada mesmo após a sentença condenatória, caso em que a pena poderá ser reduzida até a metade ou será admitida a progressão de regime, ainda que ausentes os requisitos objetivos.

Prescreve a lei (12.850) que fará jus ao prêmio (perdão judicial, redução em até 2/3 [dois terços] da pena privativa de liberdade ou substituição dela por restritiva de direitos) o colaborador “que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal”, desde que dessa colaboração advenha um ou mais dos seguintes resultados:

I - identificação dos demais partícipes da orcrim e das infrações penais por eles praticadas;

II - revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da orcrim;

III - prevenção de infrações penais por parte da orcrim;

IV - recuperação total ou parcial do proveito dos crimes praticadas pela orcrim;

V - localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada.

Excepcionalmente, o Ministério Público poderá deixar de oferecer denúncia se o colaborador não for o líder da organização criminosa e for o primeiro a prestar efetiva colaboração.

É o que recentemente ocorreu aos irmãos Batista, a quem ficou garantido por parte da Procuradoria Geral da República o não oferecimento de denúncia pelos crimes confessados, isto é, assegurou-se a eles mais do que o perdão: uma espécie de declaração antecipada e independente de qualquer processo de que estão imunes à lei penal. É o prêmio máximo.

Nada obstante tenha o acordo de colaboração que se sujeitar à chancela judicial, o juiz não participa das negociações realizadas entre as partes para a formalização do acordo de colaboração, que ocorre entre o delegado de polícia, o investigado e o advogado deste, com a manifestação do Ministério Público, ou, conforme o caso, entre o Ministério Público e o investigado ou acusado e seu defensor.

Realizado o acordo, este é remetido ao juiz para homologação, o qual deve verificar sua regularidade, legalidade e voluntariedade, podendo para este fim, sigilosamente, ouvir o colaborador, na presença de seu defensor. O juiz pode recusar homologação à proposta que não atender aos requisitos legais, ou adequá-la ao caso concreto.

Além do prêmio em si, a lei garante ao colaborador, se acordado for: usufruir, juntamente com sua família, das medidas de proteção previstas na lei (Programa Federal de Assistência a Vítimas e a Testemunhas Ameaçadas); ter nome, qualificação, imagem e demais informações pessoais preservados; ser conduzido, em juízo, separadamente dos demais coautores e partícipes; participar das audiências sem contato visual com os outros acusados; não ter sua identidade revelada pelos meios de comunicação, nem ser fotografado ou filmado, sem sua prévia autorização por escrito; cumprir pena, quando aplicada, em estabelecimento penal diverso dos demais corréus ou condenados.

A colaboração/delação premiada, de largo uso na denominada operação “lava-jato”, deve ser vista como importante meio de obtenção de prova contra as organizações criminosas e veio para ficar, tendo sido promovida pela opinião popular e mídia à posição de mais poderosa arma contra o crime organizado, principalmente o de corrupção, embora a lei vede sentença condenatória proferida com fundamento apenas nas declarações do agente colaborador.

(*) Newley A. S. Amarilla é advogado e foi aluno do curso de pós-graduação em Direito Penal Econômico promovido pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM) em parceria com o Instituto de Direito Penal Econômico e Europeu (IDPEE), da Faculdade de Direito da Faculdade de Coimbra, Portugal. 

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