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A “Lei Maria da Penha”: igualdade e justiça social

Por Thiago Guerra (*) | 20/09/2011 10:14

No dia 22 de setembro de 2006 entrou em vigor a Lei 11.340/2006, mais conhecida como a “Lei Maria da Penha”, que visa à proteção, unicamente, da mulher. Desde o seu nascedouro, já presenciamos diversas discussões sobre a sua (in)constitucionalidade uma vez que, em tese, esta estaria ferindo o princípio fundamental da igualdade estabelecido no artigo 5º da Constituição Federal de 1988.

Eis uma questão polêmica. Temos, antes de tudo, que problematizar se, com o início da aplicação da Lei 11.340/2006, o princípio da igualdade foi atacado. Assim, vale trazer à tona a discussão a interpretação do artigo 5º da Constituição Federal, com vistas a buscar o significado da palavra “igualdade”, articulada nesse contexto constitucional.

Para tanto, recorremos à interpretação hermenêutica, a fim de vislumbrar uma forma adequada da aplicação desse princípio tão importante. Só, então, após isso é possível opinar, consistentemente, se essa lei violou o princípio da igualdade e sua real essência, ou o que ele busca realmente proteger. Diante dessa questão, é imprescindível a utilização dos preceitos da Hermenêutica Jurídica que, nas palavras de Tércio Sampaio Ferraz Júnior, busca o “[...] correto entendimento do significado dos seus textos e intenções [...]”.

Para nós, o artigo 5º da Constituição Federal não pode ser visto apenas em seu texto escrito, mas precisa ser analisado em sua essência: se é a igualdade que a Constituição busca, devemos mobilizar os meios para que isso aconteça, por intermédio da eliminação das desigualdades.

Para o estudioso António Castanheira Neves, “a norma-texto será apenas um − um elemento necessário, mas insuficiente − para a concreta realização jurídica”, uma vez que tal realização exigirá, para além da referida norma e em função do problema jurídico real, do caso concreto, que se construa a normativa “concretização, já a específica norma de decisão”.

Salientamos que a Lei 11.340/2006 veio para fazer valer o princípio da isonomia entre homens e mulheres que, apesar de seu texto dizer que todos são iguais no bojo da nossa sociedade, sabemos que a mulher ainda sofre muitos preconceitos, especialmente no seio familiar, onde as relações são mais íntimas e, portanto, mais complexas.

Nas memoráveis palavras de Aristóteles, retomadas por Rui Barbosa, a igualdade consiste em “tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida em que se desigualam”. Nessa esteira, o que devemos ressaltar não é à igualdade diante da lei, mas o direito à igualdade mediante a eliminação das desigualdades, o que impõe que se estabeleçam diferenciações específicas como a única forma de dar efetividade ao preceito isonômico consagrado na Constituição.

A Hermenêutica Jurídica constitucional preconiza que o princípio da igualdade não deve ser analisado apenas em seu conteúdo jurídico formal que, nas palavras de Sofia Miranda Rabelo, “significa que todos os cidadãos são iguais, sem distinção de sexo, de raça, de religião e de condições pessoais e sociais”, mas sim analisando seu aspecto substancial que “consiste nas diversas políticas públicas desenvolvidas pelo Estado para a remoção dos obstáculos que impedem o alcance da igualdade”.

Dessa forma, “desde cedo a doutrina compreendeu que se uma Constituição define um determinado fim a ser alcançado, ela também lhe defere os meios, daí a importância da interpretação extensiva para a hermenêutica constitucional”.

O artigo 5º da Constituição Federal preceitua sobre a igualdade, e o artigo 226, § 8º do mesmo texto reza sobre a proteção de cada um dos entes da família, impondo que “o Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações”.

Assim, a Lei 11.380/2006 veio fazer valer o que a norma maior defere, possibilitando a feitura de uma lei que protegesse a mulher no âmbito de suas relações, sendo a violência doméstica contra a mulher um problema a ser eliminado, o que será possível somente com leis realmente imperativas e pedagógicas.

Enfim, evidencia-se aqui a constitucionalidade da “Lei Maria da Penha”, cuja aplicação rigorosa vai tornar possível a efetiva repressão da conduta criminosa de agressores que, amparados por uma cultura machista - que lhes outorgava poder de vida e morte sobre suas esposas e companheiras -, acostumaram-se a não receber do aparelho estatal a equivalente reprimenda por seus atos indignos.

(*) Thiago Guerra é advogado, especialista em Processo Penal.

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