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A revolução do ensino

Por Ruy Martins Altenfelder Silva (*) | 06/01/2014 16:46

Este artigo começa com três histórias de sucesso e superação. A primeira tem como protagonista Ivaneide Cosmo dos Santos, que chegou aos 30 anos desempregada e com dificuldade para ler e escrever. Depois de um ano e meio sem trabalho, arriscou e se matriculou no programa gratuito de alfabetização e suplência mantido há 15 anos pelo CIEE, sem desconfiar que aquele seria o primeiro passo para uma nova vida.

Numa das aulas, a instrutora propôs atividades com materiais recicláveis. Meio contrariada, Ivaneide montou uma peça com palitos de sorvete. Foi o que bastou para tomar gosto pelo artesanato, estimulá-la a fazer outros cursos e montar um quiosque onde vende suas criações para a clientela de um grande shopping center da capital paulista.

A segunda história conta a trajetória de Erismário de Jesus Cardoso que, até se casar aos 17 anos e começar a procurar emprego, achava que estudar não era importante. Ele trabalhava como carroceiro quando conheceu o programa do CIEE e, “do que era, já melhorou 90%”, segundo diz.

Até planeja cursar faculdade. Um sonho impossível? Ao contrário, bem possível para quem encara o estudo como um valor fundamental para conquistar uma vida melhor. É o caso de Samuel Martins, que entrou no programa aos 40 anos, cursou um ano de suplência, passou no vestibular para faculdade de educação física e, aos 43 anos, antes de conquistar o diploma, já pensava em fazer especialização em gestão esportiva.

Objeto de reportagem na edição 107 da revista institucional Agitação, essas são apenas três das muitas histórias de vida que o CIEE registra no histórico dessa e de outras iniciativas de assistência social que desenvolve. Com um único objetivo: promover a inserção profissional de pessoas carentes e proporcionar o acesso a níveis mais avançados de escolaridade – hoje fator indispensável para quem almeja atingir, com a autonomia resultante da capacitação para o trabalho, condições mais dignas e justas de vida, para si e sua família.

Sensibilizado pelos números vergonhosos do analfabetismo no Brasil, o CIEE mantém-se fiel à sua natureza jurídica de entidade filantrópica de assistência social, já tendo beneficiado mais de 52 mil adultos e jovens acima de 15 anos, somente em seus cursos de alfabetização e suplência. Recebendo com total gratuidade material didático, uniforme, lanche e vale-transporte, os beneficiários ganham a oportunidade de concluir o ensino fundamental (da 1ª à 9ª série) e médio (da 1ª à 3ª série) em cinco anos. No final, com o certificado de conclusão de curso reconhecido pelo Ministério da Educação, estão prontos e preparados para vencer novos desafios.

As aulas são ministradas por instrutores-estagiários dos cursos de magistério, pedagogia, letras e outros afins, sob a supervisão de pedagogos do CIEE, em 120 salas distribuídas por 13 cidades. Com isso, une três vertentes de sua vocação: a) propicia experiência prática a universitários; b) atrai organizações para parcerias que potencializam os efeitos de suas ações sociais filantrópicas (hoje são quase 30); c) promove o desenvolvimento de pessoas em situação de vulnerabilidade social.

A Pesquisa Nacional de Amostragem por Domicílio (PNAD) de 2012 contabiliza13,2 milhões de analfabetos puros, ou seja, 8,7% dos brasileiros com 15 anos ou mais não sabem ler nem escrever. Mas, o problema ganha contornos bem mais sombrios quando se pensa nos analfabetos funcionais. São aqueles que passaram pela escola sem aprender a ler, a escrever ou a fazer simples contas, sendo incapazes de entender plenamente um manual de funcionamento de uma máquina moderna ou uma ordem transmitida por escrito no local de trabalho. De acordo com recente relatório da Unesco, estão nessa situação mais de 65% dos brasileiros de 15 a 64 anos. Resumindo: apenas um entre quatro brasileiros tem habilidades para continuar aprendendo. Isso numa era em que o aprendizado contínuo é requisito indispensável para o progresso profissional...

Essa realidade é perturbadora. Mas, a projeção do cenário educacional para o futuro bem próximo indica que, se não ocorrer a urgente (sempre falada, mas nunca concretizada) revolução do ensino, a tendência é continuar condenando dois terços da população adulta ao analfabetismo funcional. Ou alguém duvida que esse será o destino de boa parte dos 43% dos estudantes, entre 17 e 18 anos, que abandonam a escola, num processo ligado à má qualidade do ensino, ao descolamento dos currículos da realidade atual ou à necessidade de começar a trabalhar mais cedo?

(*) Ruy Martins Altenfelder Silva é presidente do Conselho de Administração do Centro de Integração Empresa-Escola (CIEE) e da Academia Paulista de Letras Jurídicas (APLJ).

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