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A seca é necessária, por Alexandre de Siqueira

Por Alexandre de Siqueira Pinto (*) | 31/07/2012 09:50

Na região de Cerrado do Brasil Central, cerca de 90% das chuvas caem entre os meses de outubro e abril, ou seja, nós que moramos por aqui convivemos com a sazonalidade hídrica. Todas aquelas dicas para enfrentarmos o período de estiagem (tomar bastante água, evitar atividades físicas em horários mais secos, etc) devem ser levadas em consideração para evitarmos complicações, mas como seria isto para as plantas que também vivem nesta região?

As plantas, que são responsáveis por grande parte da captação da energia que flui pela teia de conexões entre os seres vivos, apresentam diferentes estratégias para sobreviverem neste ambiente sazonal.

Algumas espécies de plantas dependem do vento e também de ambiente seco para espalhar as suas sementes. Este processo é importante para que os indivíduos possam desbravar novos ambientes, aumentando a abrangência de suas populações. Ou seja, para estas espécies, que são conhecidas com anemocóricas, a ausência de chuvas é condição necessária para a manutenção de suas populações. Até o formato das sementes, ou dos frutos, são especiais para se favorecerem do vento e da seca. Se chover enquanto estas espécies estão em fase de reprodução, os frutos podem nem abrir, pois o ambiente seco é condição para a desidratação das paredes do fruto e sua abertura.

Agora, olhando para baixo, as raízes das plantas desempenham um papel importante e muitas vezes negligenciado, simplesmente por não poderem ser vistas. As camadas de solo superficiais podem secar pela falta de chuvas, mas algumas árvores têm acesso à água mesmo no auge da estação seca, pois suas raízes alcançam grandes profundidades. E o mais incrível é que elas podem, durante a seca, promover a redistribuição da água no perfil do solo, uma vez que a água captada em profundidade durante o dia pode ser liberada nas partes superficiais durante a noite, partilhando este recurso com plantas cujas raízes sejam superficiais.

Uma preocupação no período seco é o fogo. Porém, as espécies vegetais do Cerrado apresentam várias adaptações que as permitem contornar este problema, por exemplo, a presença de casca grossa e cortiçosa. O próprio fogo pode trabalhar a favor do Cerrado, quando ele auxilia no processo de abertura dos frutos, facilitando a reprodução das plantas.

Outra contribuição é a liberação dos nutrientes que ficam aprisionados no material morto depositado no chão pelas plantas durante a estação seca, que de outra forma dependeria apenas das lentas taxas de decomposição do Cerrado. As queimadas são danosas então quando acontecem com muita freqüência, e isto geralmente ocorre devido à ação humana.

Focando na beleza da paisagem, quem teve a oportunidade de visitar as áreas de cerrado rupestre nos arredores de Brasília durante a época seca sabe como, apesar do estrato herbáceo apresentar coloração marrom, existem muitas flores de cores variadas, e algumas com aspecto peculiar e belo, como o chuveirinho.

Quem mora na cidade também pode se maravilhar com a floração em sequência dos ipês roxo, amarelo e branco. Percebe-se também que as diferentes estratégias exibidas pelas plantas para sobreviver à sazonalidade hídrica acabam gerando uma maior diversidade de espécies nesta região.

Portanto, seja pela sua importância no funcionamento do Cerrado, ou pela beleza proporcionada pelos seus componentes durante a estação seca, só podemos chegar a uma conclusão: deixa secar...

(*) Alexandre de Siqueira Pinto é pesquisador colaborador pleno junto ao programa de pós-graduação em Ecologia, do Departamento de Ecologia, da Universidade de Braília. Possui Graduação em Ciências Biológicas e Mestrado e Doutorado em Ecologia, todos pela Universidade de Brasília.

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