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A sociedade do Facebook que anda em linha reta

Bruna Kalil Othero | 16/04/2017 14:41

Hoje, vivemos na sociedade do instantâneo, que louva apenas os nossos méritos. Basta abrirmos o facebook, o twitter, o instagram, ou qualquer outra rede social, que nos deparamos com fotos impecáveis, belos sorrisos, ângulos perfeitos, maquiagem feita e os cabelos produzidos. Somos assim? Acordamos assim? Tem jeito de embelezar a vivência humana no photoshop?

E isso não é exclusividade da internet. As revistas de salão, que cavucam a privacidade das personalidades públicas, colocam nas suas páginas imagens de pessoas perfeitas vivendo vidas perfeitas em castelos na Irlanda. Que coisa linda! Esfregando na nossa cara, dos pobres cidadãos comuns, o quanto estamos aquém dessa realidade paralela e irrepreensível. Vomitando sem cessar nos nossos ouvidos que aquilo é o ideal, e que devemos nos esforçar freneticamente para tentar alcançar os padrões dos famosos, os tão maravilhosos donos do quimérico modelo de perfeição.

Porém, muito nos enganamos ao achar que isso é só problema da contemporaneidade - ah, a nossa prepotência! Alguns indivíduos, espalhados no tempo, tiveram a sensibilidade de perceber o que hoje é escancarado aos nossos olhos. O registro que escolhi foi escrito por um homem nascido em 1888. Notem que é uma tendência histórica da nossa espécie esconder tudo que “queima nosso filme”, deixando à mostra apenas nossos êxitos.

Fernando Pessoa, português, múltiplo, escreveu o poema em questão por meio das mãos de Álvaro de Campos, um de seus heterônimos. Estamos falando do célebre “Poema em Linha Reta” (recitado nos vídeos e completo ao fim do artigo), onde o eu-lírico chuta o balde em todas as pessoas que não se admitem fracas, falhas: humanas. Afinal de contas, o que há de errado nele, que se reconhece “vil, literalmente vil, / Vil no sentido mesquinho e infame da vileza”? O que há de errado nos tantos “semideuses”?

É esse o nosso problema. Querer esconder nosso lado mendigo e mostrar apenas o príncipe (obrigada, Mark Twain). Deixar na obscuridade o Mr. Hyde e levar aos olhos públicos o Dr. Jeckyll (obrigada, Robert Louis Stevenson). E o que acontece quando deixamos transparecer os nossos defeitos? A nossa lama? Somos linchados. Somos taxados loucos, sem noção, fora da realidade.

Mas a questão é: a nossa face ridícula é justamente a face humana. A graça de ser humano é errar, é ser absurdo, ter altos; mas ter baixos também. Somos complexos, mistos, de vez em quando arrogantes e mesquinhos, e não há mal nenhum em admitir isso. Podemos sim, expôr nossas fraquezas. Porque também somos fracos. Não há exceções - todos somos humanos, vis, grotescos. Podem existir sim príncipes por estas terras, mas, perfeitos, nunca! Podemos ter dias gloriosos, mas, se a glória se tornar cotidiana, o que a fará especial?

Ó, príncipes, semideuses, meus irmãos: saiam dessa. Ninguém merece ter que manter uma pose de realeza 24h por dia. Sai do facebook um pouco. Para de só postar selfie no seu perfil bom. Para de postar selfie com careta mas que tá mais bonita que a selfie do perfil bom. Para de querer ser bonito o dia inteiro. Para de andar em linha reta. Para. A gente sabe que você não é assim. Porque também não somos. Viva a plebe social! Viva a humanidade: vil, absurda, que nem sempre tem paciência pra tomar banho… insensata. Ridícula. Humana

*Bruna Kalil Othero é autora do livro de poesia "POÉTIQUASE", pela Editora Letramento.

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