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Brasil e África parceiros no desenvolvimento agrícola sustentável

Por Laura Antoniazzi (*) | 18/03/2012 07:00

O sucesso da agricultura brasileira e suas cadeias agroindustriais vêm tendo destaque tanto no cenário doméstico como no internacional. A despeito de alguns problemas, a agroindústria brasileira também tem se esforçado para diminuir seus impactos ambientais e aumentar os benefícios sociais. A migração da colheita de cana-de-açúcar manual para a mecanizada, com suporte para recolocação profissional dos cortadores, é um bom exemplo. Benefícios sociais são sentidos de diversas formas, direta e indiretamente. Pelo aumento do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) nas regiões produtoras do Mato Grosso e pelo saldo positivo na balança comercial que, desde o início dos anos 2000 cresce velozmente, garantindo excedentes para o governo investir em políticas de transferência de renda.

Todos esses destaques do agro brasileiro ressoam a ideia de que os modelos aqui adotados poderiam ser replicados em outras partes do mundo, em especial na África. Similaridades em termos de clima, vegetação, economia e cultura são diversas, assim como as peculiaridades e diferenças. Diversos artigos e estudos traçam paralelos entre o desenvolvimento agrícola do cerrado brasileiro com o da savana africana¹ e, com certeza o tema de vai se tornar cada vez mais popular. Na prática, crescem projetos de cooperação fomentados por governos e agências intergovernamentais, assim como da iniciativa privada. Para aprofundar esse paralelo, é interessante analisar pontos sensíveis que devem ser levados em consideração a fim de evitar o erro básico de pensar em políticas de desenvolvimento como uma receita de bolo.

O sucesso da agricultura brasileira é fortemente embasado na utilização de um mix de tecnologias “tradicionais” (fertilizantes, defensivos, melhoramento genético) com tecnologias “brazucas”. A agricultura brasileira entendeu que não era possível utilizar as mesmas diretrizes norte-americanas ou europeias, pois muitas delas não eram adequadas às condições de solo e clima daqui. Da mesma forma, as tecnologias “brazucas” não poderão ser utilizadas na África de olhos fechados, a despeito das similaridades ambientais. As tecnologias devem igualmente ser adaptadas às realidades sociais e econômicas dos agricultores que a utilizam.

A agricultura africana tem ainda um longo caminho a percorrer a fim de garantir alimentos, fibras, biocombustíveis e outros materiais para sua população, além da ótima possibilidade de se gerar renda e desenvolvimento social ao suprir demandas de outras partes do mundo. Hoje são observados recordes de baixa produtividade na agricultura africana: são 774 ha por trator (media mundial é 58) e o mais baixo uso de fertilizantes – 11 kg/ha sendo que a media mundial é 90. Como consequência, a produção de cereais por hectare é aproximadamente três vezes inferior à média mundial. A agricultura brasileira já está na ponta da produtividade em muitos produtos, a despeito de ainda ser necessário aumentar o nível tecnológico e a produção de uma vasta camada de pequenos produtores.

A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – EMBRAPA tem papel central no sucesso da agricultura brasileira e nos esforços de cooperação Brasil-África. São quatro programas permanentes em Gana, Moçambique, Mali e Senegal, além do Fórum Brasil-África de Inovações para Agricultura, parceria com o Fórum para Pesquisa Agrícola na África (FARA) a qual fomenta projetos inovadores e troca de experiências de sucesso nas duas regiões.

O governo brasileiro também acaba de doar 2,37 milhões de dólares para um novo programa de compra de alimentos a ser executado pela Organização para Alimentos e Agricultura das Nações Unidas (FAO) e pelo Programa Mundial de Alimentos (WFP). O novo programa tem como inspiração o exitoso Programa de Aquisição de Alimento (PAA) do governo federal, o qual compra alimentos de pequenos produtores e os distribui para populações vulneráveis e para merendas de escolas públicas. A FAO ficará responsável por fomentar a produção de agricultores na Etiópia, Malawi, Moçambique Níger e Senegal, enquanto o WFP distribuirá os alimentos produzidos para população local.

Além dos diversos pontos em que a agricultura brasileira pode emprestar sua expertise para África, vale destacar desafios que ainda precisam ser enfrentados nos dois lados do Atlântico (e preferencialmente trabalhado de forma colaborativa): adaptação à mudança do clima e recuperação de terras degradadas. A seca no Chifre da África em 2011 foi a mais severa em 60 anos, enquanto a seca na Amazônia em 2010 foi a mais severa em 100 anos. Esses são apenas alguns dos exemplos dos efeitos da mudança do clima que devem ser cada vez mais severos e particularmente impactantes para agricultura e áreas naturais. A pesquisa agropecuária no Brasil e na África deve levar essa nova realidade em consideração e trabalhar para minimizar seus impactos negativos.

Brasil e África concentram o potencial mundial de novas terras para expansão da agricultura, muitas delas com cobertura de florestas ou outras formas de vegetação natural. Das áreas aptas para expansão no mundo, cerca de 30% estão na África subsaariana e 15% estão no Brasil. Por outro lado, estima-se que existam 715 milhões de ha de terras desmatadas e degradas que poderiam ser reflorestadas ou convertidas para agricultura na África. No Brasil, vastas áreas de pastagens degradadas e outras terras abandonadas também apresentam potencial para agricultura ou para recuperação florestal. O ponto chave é que é preciso saber onde estão essas áreas, qualificá-las e desenvolver tecnologias para esta recuperação, como plantio de espécies com potencial de recuperar matéria orgânica dos solos. Lembrando que é necessário alocar montantes consideráveis de recursos para tal fim, principalmente para tornar tais tecnologias mais baratas e acessíveis e reverter a atual lógica de ser mais rentável desmatar áreas novas do que recuperar áreas já abertas.

Exemplos positivos na agricultura o Brasil tem diversos, mas também aprender com experiências negativas de modo a não repetir os mesmo erros é imprescindível. Os agricultores e empreendedores africanos podem – e muito – se beneficiar de parcerias com o Brasil, processo esse que já está em curso. Nesse cenário, o setor privado, governos, ONGS e comunidade internacional têm muito a contribuir, incluindo a missão de garantir que a população local participe das escolhas de desenvolvimento agrícola e possam se beneficiar desse processo. A parceria está apenas começando.

(*)Laura Antoniazzi é Pesquisadora da RedeAgro - http://www.redeagro.org.br

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