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Continuaremos sendo vítimas desses equívocos?

Por Luana Ruiz Silva (*) | 08/12/2010 06:40

Durante a abertura do XI Encontro Nacional da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal que aconteceu em Campo Grande, em 22 de novembro de 2010, várias autoridades fizeram o uso da palavra, e muitos foram os equívocos.

Em nome da objetividade, vamos apontar um equívoco, específico.

O Ministro de Estado e Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República e Presidente do Conselho da Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, Sr. Paulo de Tarso Vannuchi, ao tratar do assunto objeto do encontro, qual seja, Direito Territorial Indígena, destacou a complexidade da questão, e que a única solução para o conflito territorial entre índios e proprietários seria a congregação de vontades.

Ora, de fato, como já há muito insistimos, não se pode corrigir uma injustiça (cometida pelos não-índios contra os índios) por meio de outra injustiça (confisco de propriedades legais, legitimas e produtivas).

Se a questão do conflito fundiário é tão complexa, como acertadamente reconhecido pelo ministro, e por todos, sinal de que o direito originário dos índios sobre as terras que tradicionalmente ocupam, não tem nada de absoluto.

Ponto e contraponto são robustos, pois de outro lado temos o direito dos não-índios, legítimos possuidores e proprietários, homens e mulheres que vivem da terra. Não a comem, a terra propriamente dita, vez que ela por si só não serve de alimento aos seres humanos. Mas consomem o alimento que nela produzem.

Já se viu na mídia, reiteradas vezes, índios reivindicando por demarcação de terra, e diante das câmeras, apanham terra com as mãos e levam à boca. “Comem” terra. Sensacionalismo puro visando comover os mais desinformados.

Outro absurdo é o fato de antropólogos fazerem uma leitura tão grotesca e irracional dos índios, como se fossem seres outros, que não humanos, ao afirmarem: “o índio sem terra é um ser humano sem alma”, ou “o índio é filho da terra, não no sentido figurado, mas no sentido biológico”.

Este ponto, a ciência e a lógica racional não se fazem suficientes para explicar.

O romantismo é lúdico e embriagante. Fascina. Não me surpreende que antropólogos e membros do Ministério Público se deixem levar por tamanha alucinação, pois eu que tinha inicialmente o foco de demonstrar um dos equívocos técnicos observados na abertura do encontro, já ia me deixando levar pela dramaturgia.

Pois bem, recuperando o foco, voltemos a tratar de mencionado equívoco.

Ao discursar sobre a complexidade da questão indígena, o ministro ressaltou que apenas a congregação de vontades é que será capaz de solucionar o problema dos índios no Mato Grosso do Sul – importante abrir um parênteses para expor minha conclusão sobre o que quis dizer o Ministro com “congregação de vontades”. Se há conflito há dois pólos opostos com desejos antagônicos, índios querendo terra, produtores rurais querendo o respeito ao direito de propriedade, e ambos lutando por dignidade.

Congregar vontades seria, no mínimo, demarcar terras para os índios mediante justa e prévia indenização, em dinheiro, ao produtor rural, das benfeitorias e da terra nua, considerando seu valor real.

E ao fazê-lo, a título de comparação, o ministro traçou um paralelo entre a realidade do Estado do Mato Grosso do Sul e a realidade dos particulares inseridos na área demarcada como Raposa Serra do Sol, em Roraima.

Relatou que em Roraima os proprietários na Raposa Serra do Sol eram pessoas de fora, de outros rincões, que pra lá foram há dez, no máximo vinte anos, e que não possuíam documentos que comprovassem e legitimassem a propriedade. Em outras palavras, eram grileiros. E que muito se espantava ao ver a massa midiática dar às mãos em defesa desses “proprietários”, que não passavam de dez, em desfavor dos índios que ali estavam há milênios.

E comparou com o Mato Grosso do Sul, dizendo que aqui a realidade seria outra, pois certa vez esteve com um senhor produtor rural e proprietário de área reivindicada por índios, área esta invadida há mais de uma década, e que esse senhor lhe apresentou um título originário expedido pelo Estado e entregue pelas mãos de Getúlio Vargas. Salientou ainda que o estado titulou o que não pudera ter titulado.

Daí é que se extrai a complexidade, sendo absoluta e inafastavel a validade e legitimidade dos documentos devidamente registrado em Cartório de Registro de Imóveis, situação IMUNE ao parágrafo 6° do artigo 231 da CF, que diz que são nulos os documentos sobre terras consideradas indígenas.

A Constituição Federal garante aos índios o direito sobre as terras que tradicionalmente ocupam, sendo tradicionalmente ocupadas aquelas habitadas em caráter permanente. A Constituição da República garante o reconhecimento das terras indígenas, nas quais eles estão e das quais jamais saíram, e não o retorno a toda e qualquer terra nas quais um dia estiveram.

Parafraseando o Ilustríssimo Dr. Ilmar Galvão, ex Ministro do Supremo Tribunal Federal, digo que os índios não estão investidos do poder de transformar em terra pública federal aquela em que vai pondo os pés, por efeito de eventuais perambulações, como se fossem os reis MIDAS dos tempos modernos, numa versão indígena e latifundiária.

DO EQUÍVOCO – Ao contrario do que disse o ministro, assim como no Mato Grosso do Sul, Roraima, no perímetro da Raposa Serra do Sol, também apresenta terras devidamente tituladas, propriedades devidamente registradas, áreas devidamente possuídas há 50, 80, 100 anos, e que foram demarcadas como terras indígenas, confiscadas com base nos mais vazios dos argumentos, e no mais viciado dos processos.

Exemplo – Dr. Nelson, presidente da Associação dos Arrozeiros de Roraima, natural do Paraná, produtor rural, adquiriu a Fazenda Carnaúba, Gleba Caracaranã, do Sr. Edmilson Cordeiro, em 1993. Fazenda Carnbaúba com TÍTULO DEFINITIVO expedido pelo INCRA em 1982. A posse é muito anterior, pois existem duas escrituras públicas de compra e venda datadas de 1937 e 1930. Consta ainda documento do Ministério da Fazenda de Rendas Alfandegada de Boa Vista, de 1931, no qual o possuidor declara que explora a área desde 1909, para atividade pastoril.

A Fazenda Carnaúba foi confiscada, demarcada para os índios. O Sr. Nelson é tido como um dos grandes arrozeiros e grileiro de terras. Demais arrozeiros, legais e legítimos proprietários, se encontram na mesma situação.

Além do exemplo acima, dos ditos “Grande Arrozeiros Grileiros de Terra”, há na Raposa Serra do Sol muitos outros. Há pequenos proprietários, robustamente documentados, que foram expulsos, que perderam sua terra e sua dignidade, que vivem à beira da miséria e assistem de camarote os índios receberem cestas básicas do Governo.

Mato Grosso do Sul vive a mesma situação. Proprietários com título definitivo há quase um século tiveram suas propriedades invadidas e perderam a posse, enquanto o processo caminha a passos lentos. Igualmente assistem os índios invasores receberem cestas básicas e, ironicamente, por serem proprietários, não se adéquam a nenhum dos programas assistenciais do Governo.

Continuaremos, índios e produtores rurais, sendo vítimas desses equívocos?

Certa vez, uma colega engajada na defesa desenfreada do direito territorial indígena, ao conversarmos sobre a indenização da terra nua como única solução para os conflitos, me disse: estamos na mesma canoa, só que uma em cada ponta, e se qualquer uma de nós sair, a canoa vira.

E eu lhe respondi: pois quero estar nesta mesma canoa, sentada bem no meio, ao seu lado.

Não estamos, nós, produtores rurais, contra os índios. A recíproca é verdadeira. É hora de darmos as mãos, reconhecermos as semelhanças e respeitarmos as diferenças.

(*) Luana Ruiz Silva é advogada, membro da Comissão Especial de Assuntos Indígenas da OAB/MS e produtora rural.

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