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Para onde vão nossos silêncios?

Por Cristiane Lang (*) | 15/07/2025 08:30

Existe uma pergunta que ecoa nas entrelinhas de muitas conversas não ditas, de muitos olhares desviados e de muitas noites mal dormidas: para onde vão os nossos silêncios? O que acontece com aquilo que sentimos, mas não dizemos? Com as palavras que engolimos por medo, por orgulho, por insegurança, por não saber como seriam recebidas? Quando calamos o que nos atravessa, estamos mesmo nos protegendo ou apenas adiando um confronto inevitável – muitas vezes, com nós mesmos?

O silêncio pode ser sábio. Pode ser pausa, reflexão, escuta atenta. Pode ser proteção diante do caos, recuo estratégico. Mas há também um outro tipo de silêncio — aquele que se instala onde deveria haver expressão, aquele que pesa, que engasga, que cresce por dentro como uma planta sufocada. Esse silêncio não liberta, aprisiona. Ele não organiza, embaralha. Não cura, adoece.

O que deixamos de dizer

Há sentimentos que imploram por saída. Uma tristeza que precisa ser nomeada. Uma mágoa que precisa ser explicada. Um amor que precisa ser declarado, mesmo que rejeitado. Uma raiva que precisa ser entendida antes de virar ressentimento. Quando não dizemos o que sentimos, não fazemos apenas um favor ao ambiente externo; muitas vezes, estamos sacrificando partes de nós mesmos para manter aparências, relações ou rotinas.

Mas essas emoções não desaparecem. Elas se acumulam. E o que não é dito em palavras, o corpo grita. Vem em forma de insônia, dor de estômago, ansiedade sem causa aparente, cansaço emocional, explosões desproporcionais. O silêncio não expressado pode virar barreira entre nós e o outro. Pode nos transformar em estranhos dentro de relações que antes eram íntimas. Pode corroer o que poderia ter sido salvo com uma conversa honesta.

O peso dos silêncios acumulados

Muitas vezes, silenciamos porque acreditamos que estamos fazendo o certo. “Pra que arrumar confusão?”, “Melhor deixar pra lá”, “Ele(a) não entenderia mesmo”, “Não quero parecer frágil”. Esses pensamentos são frequentes. Mas o problema é que, ao repetir esse comportamento, vamos nos distanciando de nós mesmos. Vamos deixando de ocupar o espaço que nos cabe no mundo. E, com o tempo, nos tornamos espectadores da nossa própria vida, vivendo mais para agradar ou evitar conflitos do que para sermos inteiros.

Silêncios acumulados viram armadilhas emocionais. Criam histórias mal contadas, ressentimentos que não têm nome, afastamentos que parecem “sem motivo”. Eles nos fazem pagar o preço da paz aparente — uma paz que muitas vezes é só disfarce para o medo.

O medo de falar e a coragem de se expor

Falar o que se sente é, sim, arriscado. Pode causar rejeição, desconforto, mudança de rumo. É preciso coragem para dizer: “isso me machuca”, “sinto saudade”, “não estou bem”, “quero mais”, “não quero mais”. Mas é justamente nesses momentos que criamos espaço para a autenticidade, para o encontro real com o outro — e conosco.

Não se trata de falar tudo o tempo todo, mas de cultivar espaços seguros para a verdade. Se não for com o outro, que seja com você mesmo, num diário, numa terapia, numa caminhada onde seus pensamentos tenham vez. O importante é que você se escute. Que permita que o que está dentro encontre caminho para existir fora.

A fala como libertação

Quando nomeamos o que sentimos, damos forma ao caos interno. Organizar sentimentos em palavras é um ato de poder. E é também um presente que damos a quem se relaciona conosco. Porque quando falamos com sinceridade, permitimos que o outro nos conheça de verdade. Criamos pontes. Tornamos os vínculos mais reais, mais humanos, menos baseados em suposições.

O silêncio só é saudável quando é escolha consciente — não quando é imposição do medo, da vergonha ou da autoanulação. Aprender a dizer, aos poucos, o que sentimos, é também aprender a existir com mais inteireza. A viver com mais leveza.

E então: para onde vão nossos silêncios?

Eles vão para dentro. Para o corpo, para o inconsciente, para os relacionamentos que se tornam mais frágeis. Eles se transformam em sintomas, em distâncias, em perguntas sem resposta. Mas também podem ser resgatados. Aquilo que não foi dito ontem ainda pode ser dito hoje. E mesmo que não possa mais ser ouvido por quem partiu ou se afastou, pode ser reconhecido por você.

Porque, no fim das contas, o silêncio mais doloroso não é o que temos com os outros, mas o que mantemos com nós mesmos. E esse, sim, pode — e precisa — ser quebrado.

(*) Cristiane Lang, psicóloga clínica especializada em oncologia

 

Os artigos publicados com assinatura não traduzem necessariamente a opinião do portal. A publicação tem como propósito estimular o debate e provocar a reflexão sobre os problemas brasileiros.

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