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Diversidade alimentar mínima na infância

Paula Ruffoni Moreira e Juliana Rombaldi Bernardi (*) | 13/10/2022 13:30

Os primeiros mil dias de uma criança, período que compreende os 280 dias da gestação e os 730 dias dos dois primeiros anos da vida, são uma janela de oportunidades para o crescimento e o desenvolvimento saudáveis. Durante esse período, o acesso ao aleitamento materno, à água potável e a alimentos complementares diversos, saudáveis, culturalmente adequados e seguros é determinante para a saúde ao longo da vida da criança.

A recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do Ministério da Saúde do Brasil é de que as crianças brasileiras sejam amamentadas exclusivamente por seis meses – na impossibilidade do aleitamento materno, usam-se fórmulas infantis – e após sejam expostas a alimentos complementares e água potável. A introdução precoce de alimentos complementares (antes do sexto mês) é associada a um maior número de episódios de diarreia, um maior número de hospitalizações por doença respiratória, risco de desnutrição, se os alimentos introduzidos forem nutricionalmente inferiores ao leite materno, como, por exemplo, quando são muito diluídos, havendo menor absorção de nutrientes importantes do leite materno, como o ferro e o zinco, e menor duração do aleitamento.

A apresentação dos alimentos sólidos deve ser feita exclusivamente com alimentos in natura e minimamente processados, como cereais, grãos, tubérculos, carnes, hortaliças, frutas e ovos. Além disso, preferencialmente alimentos consumidos comumente pela família e culturalmente adequados. Ademais, deve haver diversidade alimentar, ou seja, a oferta de seis grupos alimentares diariamente. Os grupos alimentares são: (a) leite materno ou outro leite que não o do peito, mingau com leite ou iogurte; (b) frutas, legumes e verduras; (c) vegetais ou frutas de cor alaranjada e folhas verdes escuras; (d) carnes e ovos; (e) feijão; e (f) cereais e tubérculos (arroz, batata, inhame, aipim/macaxeira/mandioca, farinha ou macarrão – sem ser instantâneo).

Uma pesquisa de 2019 feita com crianças de 12 meses residentes em Porto Alegre e região metropolitana observou que apenas 16,2% das 136 crianças avaliadas havia consumido os seis grupos alimentares no dia anterior. O grupo das folhas verdes (alface, acelga, repolho, rúcula, couve) foi o que apresentou o menor consumo: apenas 21,3%.

Dados do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (SISVAN) de Porto Alegre do mesmo ano (2019) mostram que 67,6% das 590 crianças avaliadas no período haviam consumido os seis grupos alimentares no dia anterior. Embora não haja uma recomendação para o percentual mínimo de crianças que apresentem diversidade alimentar mínima em um território, os dois levantamentos apontam que entre 30% e 80% das crianças da região não recebem todos os grupos alimentares necessários para o crescimento e desenvolvimento saudáveis diariamente.

A falta de diversidade alimentar mínima nos primeiros mil dias de vida compromete o aporte de nutrientes necessários nessa fase. Além disso, a falta de diversidade alimentar mínima está associada ao consumo de alimentos que apresentam alta densidade energética, gordura, açúcar, sódio e pouca fibra, como os alimentos ultraprocessados (macarrão instantâneo, iogurtes com sabor, salgadinhos, bolacha doce sem e com recheio, refrigerantes e sucos industrializados). Por sua vez, o consumo desses alimentos está associado ao desenvolvimento de doenças crônicas ao longo da vida, como diabetes melitus, hipertensão, câncer e doenças cardíacas.

Além de comprometer o aporte de nutrientes, a falta de diversidade alimentar na infância prejudica a formação de hábitos alimentares saudáveis.

Expor as crianças a diferentes alimentos com texturas, cores e sabores diversos favorece a aceitação desses alimentos ao longo de toda a vida. A formação do paladar adquirido inicia ainda na vida intrauterina, com a deglutição do líquido amniótico (líquido que envolve o bebê no útero e possui sabor), passa pelo aleitamento materno (o sabor do leite materno sofre alterações de acordo com a alimentação materna) e avança pelas primeiras experiências alimentares com a introdução dos alimentos complementares. Por isso a diversidade alimentar deve ser estimulada como estratégia para a formação de hábitos saudáveis na infância.

A alimentação nos primeiros mil dias de vida deve conter todos os alimentos consumidos pela família, desde que sejam in natura ou minimamente processados e sem a adição de sal ou açúcar. Todos os tipos de vegetais para serem oferecidos à criança devem ser higienizados com a mistura de uma colher de sopa de hipoclorito de sódio (água sanitária) e 1L de água potável por 15 minutos e após enxaguados em água corrente. Alimentos ovais como tomate cereja e uva devem ser oferecidos cortados longitudinalmente (ao meio) para evitar engasgos. Folhas devem ser oferecidas picadas como tempero e misturadas à comida, não com o objetivo de esconder, mas de facilitar a deglutição.

Ademais, famílias com crianças devem procurar orientações e informações sobre a importância da alimentação nos primeiros mil dias na unidade de saúde de referência. Oferecer uma alimentação diversificada na infância é essencial para uma vida saudável.

(*) Paula Ruffoni Moreira é nutricionista, especialista em Saúde da Criança pelo Hospital de Clínicas de Porto Alegre, mestre pelo PPG Alimentos, Nutrição e Saúde (UFRGS) e doutoranda pelo PPG Saúde da Criança e do Adolescente (UFRGS).

(*) Juliana Rombaldi Bernardi é nutricionista, professora adjunta do curso de graduação em Nutrição (UFRGS), do PPG Alimentos, Nutrição e Saúde (UFRGS) e do PPG Saúde da Criança e do Adolescente (UFRGS).

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