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Os 90 anos do rádio no Brasil

Por Carlos Eduardo Esch (*) | 19/09/2012 07:51

Que atire a primeira pedra aquele que lê este texto e que ainda não teve a experiência mágica – para muitos aficionados pelo rádio como eu – de recolher-se em sua casa após um cansativo dia de trabalho, apagar a luz e, na escuridão de seu quarto, dar um click em um pequeno botão que liga um aparelho de rádio e assim, interagir com o mundo através da “caixinha mágica” que emite sons.

Os que ainda não o fizeram, não sabem o que estão perdendo: música relaxante ou para levantar o astral; informação do que ocorre no resto do mundo mas, principalmente, do que acontece em sua cidade... A emoção que marca uma partida de futebol ou, simplesmente, a companhia amiga e agradável de alguém do outro lado do microfone falando de um estúdio “para o mundo”. Ao longo dos últimos 90 anos, o rádio tem oferecido essas possibilidades e muitas outras sensações.

As transmissões radiofônicas propiciaram condições que permitiram desvincular a interação da presença física. Isto permitiu que pessoas que não compartilham o mesmo espaço e tempo possam estabelecer relações por intermédio do rádio. Ele se transformou em um local privilegiado de onde partem distintas mensagens e se elaboram múltiplos significados para os fatos do mundo, bem como para onde convergem diferentes manifestações, cujos objetivos podem variar da simples necessidade dos ouvintes expressarem os seus mais íntimos sentimentos, até a manifestação de suas insatisfações com os problemas sociais e com as ações governamentais.

Esse mesmo rádio que completa 90 anos no Brasil, significou o primeiro momento da presença dos meios eletrônicos no interior de nossas residências. Essa nova condição deu início a um processo que desenhou um cenário inovador, o qual nos permitiu participar – de dentro de nossas próprias casas – daquilo que definimos como “espaço público”.

Com isso, o funcionamento desse “novo espaço”, significativamente deslocado para o ambiente midiático nos dias de hoje, gerou um outro contexto no qual se alteraram os processos históricos de formação da opinião pública, de participação política do cidadão, de constituição das formas de pertencimento social e cultural, de elaboração de identidades e de estratégias de inserção na esfera do que se passou a constituir como o “espaço público contemporâneo”.

Após nove décadas participando do nosso cotidiano e sendo parte de nossa própria história, o rádio (que chegou a ser visto nos seus primórdios como “coisa do demônio”) se consolidou como esse meio “intrometido” e disponível, que está sempre presente em nossas casas, automóveis, coletivos, na internet e, inclusive, em nosso mais recente companheiro inseparável: o celular multifuncional.

O universo de informação e entretenimento contido nas ondas do rádio está ao alcance do mero apertar de uma botão, sendo oferecido a todos que sucumbem à sedução hertziana e que procuram a companhia, a informação ou a música que serve de trilha sonora para muitos momentos da vida.

O que o rádio proporciona essencialmente ao ouvinte é a interação, e essa relação recíproca entre comunicadores e audiência está baseada na emoção e na imaginação, casamento que marca as potencialidades de um meio que nos apresenta o mundo e a vida através do som.

No momento em que completa 90 anos, as perspectivas para o rádio brasileiro, apesar de incertas no presente, parecem apontar para um futuro rejuvenescedor. A digitalização abre novos caminhos que permitirão ao rádio integrar-se ao novo perfil multimídia, o qual deverá surgir a partir da incessante marcha que realizamos rumo à convergência tecnológica nas comunicações.

A conjunção de novas técnicas de realização de programas e de transmissão radiofônica deve proporcionar mudanças significativas na produção, comercialização e distribuição de programações informativas e de entretenimento.

Essas inovações permitirão disponibilizar informações e programas através de diferentes plataformas de rede (celular, Internet) em diferentes linguagens e formatos (texto, imagem, som) e através de mecanismos distintos de interatividade. Essas inúmeras potencialidades tecnológicas colocam diante do rádio um conjunto significativo de desafios a serem enfrentados em um futuro próximo. Elas transformarão, radicalmente, a intensidade e a forma como o público consome e interage com os meios de comunicação, incluindo o nosso bom e “velho” rádio.

No passado, não tão distante assim, as transmissões radiofônicas estavam limitadas às fatias do espectro radioelétrico que continham as frequências AM, FM, OC e OT. Hoje, as possibilidades de escuta se ampliaram para além do tradicional éter e o rádio foi absorvido por plataformas digitais, situação que levou o instituto americano de pesquisa Arbitron a denominar esse fenômeno de “rádio sem limites”.

A crescente integração do rádio à Internet e às plataformas digitais confronta-se com o processo de migração do chamado sistema analógico, atualmente em uso, para o de transmissão digital. Esse processo vem se mostrando lento e irregular em boa parte do mundo e, em particular, no Brasil. Dificuldades no desenvolvimento de um padrão tecnológico eficiente têm gerado muita insegurança em radiodifusores e autoridades governamentais do setor.

Apesar das dificuldades atuais e das potenciais transformações, muitos dos estudos sobre o rádio realizados com ouvintes reafirmam que a força deste meio está, sobretudo, na interação com o seu público. No rádio contemporâneo, muitos programas são vistos pelos ouvintes como espaços de prazer e de satisfação. Neles, as audiências instituem laços de identificação e confiança com os seus apresentadores e vêm várias de suas necessidades emocionais e demandas objetivas atendidas.

Seja o carinho e atenção recebidos dos profissionais do meio, seja a força para enfrentar problemas sociais ou questionar publicamente a ação das autoridades governamentais, o rádio tem oferecido aos ouvintes brasileiros o poder, a afetividade e a credibilidade que alimentam muitos de seus programas e que garantem e justificam o seu sucesso popular.

Neste contexto, aparentemente antagônico entre consolidação histórica e renovação tecnológica de um meio de comunicação, o segredo para a manutenção da força popular do rádio é criar, continuamente, novos formatos de programas e estabelecer linguagens criativas e dinâmicas, fomentando assim, possibilidades inovadoras de interação com os seus diferentes públicos.

O futuro deverá revelar novos espaços de interação radiofônica que poderão confirmar as características multidimensionais do rádio. Ele já oferece serviços, informação, entretenimento e companhia... E deverá continuar assim nas próximas décadas. Quem viver, verá. Ou melhor, escutará!

(*) Carlos Eduardo Machado da Costa Esch é professor da Faculdade de Comunicação, da UnB, onde coordena a linha de pesquisa em Políticas de Comunicação e de Cultura do Programa de Pós-Graduação. Jornalista e Produtor Radiofônico, é especialista na produção de formatos radiofônicos pelo Centro Internacional de Estudos de Comunicação para a América Latina e pela Radio Neederland na Holanda, especialista e mestre em Comunicação pela UnB e mestre e doutor em Sociologia e Ciências da Comunicação pela Universidade Complutense de Madri.

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