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Presídios públicos ou privados, eis a questão

Por Carlos Magno Couto (*) | 19/02/2015 13:41

Corria o ano de 1834, na Inglaterra, quando Jeremy Bentham sugeriu pela primeira vez como solução redentora, a privatização das prisões para uso como fábricas.

No Brasil, quando se advogava a implantação da privatização prisional, Augusto Thompson registrou que o Conselho Federal da OAB, através de Comissão composta por respeitáveis nomes como Evandro Lins e Silva, Antônio Evaristo de Morais Filho, René Ariel Dotti, João Marcello de Araújo Júnior, Ricardo Brandão, Sylvia Helena de Figueiredo Steiner, Guilherme Magaldi Neto, Sílvia Tavares Ferreira, Paulo Sergio Leite Fernandes, Antônio Carlos de Almeida Castro e Francisca Abigail Barreto Paranhos, em 09 de abril de 1992, posicionou-se taxativamente contra a privatização das prisões, através de manifestação veemente, assim ementada:

“A comissão, atendendo aos vários ângulos, jurídicos, sociais, políticos, éticos e humanos, adverte contra esse propósito de retorno a épocas anteriores a conquistas irreversíveis da humanidade há mais de dois séculos”.
Lembra, por fim, que todo movimento atual em torno das prisões e sob o comando da ONU, é no sentido de encontrar alternativas contra a prisão, e não de transformá-la numa indústria privada, objeto de lucros, com a exploração do trabalho de encarcerados, que não dispõem dos meios normais de reivindicações de seus direitos”.

A par deste posicionamento da OAB, vê-se no Brasil, atualmente, a tendência de se permitir a privatização de presídios.

Mas, a propósito, o que de fato se pode entender por privatização, seria a contratação de determinados serviços e fornecimentos de bens com particulares; o emprego do trabalho do preso como fonte do lucro privado ou a privatização total do sistema penitenciário, incluindo os serviços de guarda e direção do presídio.

Na realidade, a adoção de quaisquer desses conceitos requer atenção, posto que o que pode ser concedido ou privatizado é o serviço público, e não a função pública, não se podendo olvidar ademais que o poder punitivo do Estado é indelegável.

Neste sentido, aliás, é a reflexão de Ira Robbins, Professor de Criminologia na American University, em Washington, citado, por Augusto Thompson, quando diz: “Estamos falando sobre privatizar uma das peças mais importantes do nosso sistema de justiça. Onde isso vai parar? Vamos privatizar os tribunais? A polícia? Onde se traçará o limite?”.

Essas indagações conduzem a outras interrogações, tais como: a privatização dos presídios brasileiros livra com segurança absoluta o país de despesas públicas com sua população carcerária?

Cabendo ainda aprofundar o debate através de estudos e pesquisas para a revelação do por que a privatização garante lucros aos empresários com uma atividade na qual o Estado brasileiro sempre sofreu prejuízos.

Em resumo, será mesmo que as prisões privadas são mais econômicas que as prisões públicas, computadas as despesas com os custos do Estado, inclusive com a polícia militar, quando, por exemplo, tiver que intervir em razão de perigo à ordem pública, serviço de bombeiro, fiscalização e inspeção nas eventuais gestões privadas, ou será que como disse certa vez Julita Lemgruber: “A privatização de prisões, contrariamente ao que acontece em outros setores, significa apenas privatizar os dólares dos impostos, transformando dinheiro público em lucro privado?”.

Para João Marcello de Araujo Júnior: “o importante não é fazer experiência com homens colocados compulsoriamente à disposição do Estado, pois isso é inconcebível num Estado de Direito. O que é verdadeiramente importante é exigir-se do Estado e de seus representantes, que tenham a vontade política de mudar o modelo carcerário e a estrutura do que hoje existe”.

Ainda que a opção pela privatização de presídios vise à obtenção de lucros e retire esse ganho da própria criminalidade, a Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional de Mato Grosso do Sul, fiel à sua história e a magnitude da questão, através de sua Comissão Provisória do Sistema Penitenciário, permanecerá aberta aos novos modelos prisionais e visitará complexos penitenciários públicos privados, promovendo audiências públicas com as entidades realmente preocupadas em assumir uma postura vanguardista, de mudança histórica e de mentalidade dessa verdadeira “crueldade legal”, provinda de uma herança escravagista, em que se transformaram as prisões brasileiras, na busca de alternativas modernas, eficientes e contemporâneas para o sistema prisional, na certeza de que como assinalou Mandela, de dentro da prisão: “o impossível é só uma opinião” e, a esperança irrevogável, a mesma que os presos de nosso Estado podem ter, certos de que não estão a sós, pois há uma instituição que pensa em seus sofrimentos.

(*) Carlos Magno Couto, conselheiro seccional e presidente da Comissão Provisória do Sistema Carcerária da OAB/MS

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