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Terremotos sexagenários

Por Alberto Veloso (*) | 19/03/2015 15:07

Surpreendente! Os dois maiores terremotos registrados no Brasil se sucederam em um intervalo de apenas 28 dias e tiveram magnitudes bem parecidas. Tratou-se de um fato sismológico singular, para um território tão extenso e considerado uma das áreas contínuas e tectonicamente mais estáveis do Planeta.

O primeiro deles, em 31 de janeiro de 1955, com magnitude 6.2, teve seu epicentro nas proximidades da Serra do Tombador, MT – há dúvidas nessa localização. O outro, em 28 de fevereiro de 1955, atingiu magnitude 6.1 e localizou-se no mar, aproximadamente 360 km de Vitória, ES. Ambos tinham potencial para ocasionar destruição, mas seus epicentros, longe de áreas habitadas, não produziram tragédias a lamentar.

Ao completarem 60 anos, vale a pena falar um pouco mais sobre eles e também perguntar o quanto aprendemos desde então e o quanto nos capacitamos a registrar nossa sismicidade.

Na metade do século passado, a extensa área do estado do Mato Grosso era esparsamente povoada, as cidades pouco numerosas e, um tremor, mesmo forte, como o de 31/1/1955, acabou sendo percebido por poucos – ele interrompeu um baile da sociedade cuiabana, a cerca de 380 km do epicentro. O fato é que o caso passou batido pela imprensa, pois há raras notícias jornalísticas. No entanto, uma campanha realizada pela UnB em busca de pessoas que relembravam o fato, mesmo feita 28 anos após o sismo, teve sucesso.

Na época, a única estação sismográfica brasileira, no Observatório Nacional, RJ, não tinha sismógrafo em operação. Porém, as oscilações do chão em Cuiabá provocaram um registro no barógrafo do Observatório de Meteorologia Dom Bosco, situado na cidade. Quanta ironia, o maior sismo brasileiro dos tempos modernos não foi registrado por um sismógrafo do país, e sim por um barógrafo. Mas quase uma centena de estações sismográficas espalhadas pelo mundo registraram o tremor mato-grossense, por isso, foi possível conhecer sua magnitude, epicentro e, mais tarde, o tipo de falha que o produziu.

O segundo maior terremoto brasileiro, até agora registrado, teve epicentro na região da cadeia submarina Vitória-Trindade, uma sucessão de montes vulcânicos que se estendem em direção ao continente por mais de mil quilômetros, entre os paralelos 20º e 21° S. Eram quase 23h quando as vibrações do tremor atingiram o litoral do Espírito Santo e Vitória: “Esta capital e alguns municípios espírito-santenses viveram, ontem à noite, minutos de angústia e de pânico.

É que um tremor de terra, que durou cerca de 30 segundos, abalou Vitória, jogando nas ruas a população alarmada e surpreendida com o fenômeno”, (O Globo, 1º/3/1955). Objetos caíram de móveis, vidraças se partiram e algumas casas foram destelhadas, mas ninguém se feriu seriamente.

Nem o Observatório Nacional, ou alguma estação barométrica, registrou esse tremor, somente estações sismográficas internacionais. Apareceram duas explicações para a sua origem. A fantasiosa o relacionava com uma explosão nuclear, a simplista, como resultado de uma acomodação de terra.

Sessenta anos se passaram e o cenário técnico-científico da Sismologia brasileira mudou bastante, e para melhor. O Observatório Nacional continua ativo, mas não sozinho. Nesse espaço de tempo nasceram outras entidades especialmente ligadas às universidades e que, há décadas, são responsáveis pela operação de estações sismográficas semipermanentes distribuídas pelo país. Conta-se com grupos capacitados a viajar para áreas afetadas por sismos, registrá-los e, muitas vezes, descobrir a feição geológica a eles associada.

Desde 2009 vem sendo implantada uma rede de estações sismográficas de última geração (RSBR, Rede Sismográfica Brasileira), que dará ao Brasil posição de destaque mundial em termos de monitoramento sísmico. Paralelamente, estão sendo aperfeiçoados programas de análise de dados sísmicos que, automaticamente, determinam o local de ocorrência do tremor e o seu tamanho.

Em 20/2/2014, o IAG/USP conseguiu localizar um terremoto no Atlântico Sul, mais rapidamente do que o Serviço Geológico dos Estados Unidos, a entidade mais respeitada, internacionalmente, neste tipo de trabalho.

Portanto, com esta infraestrutura instrumental e com pessoal qualificado no comando, é impossível deixar de registrar um terremoto importante com epicentro em nosso território – a situação de 1955 jamais se repetirá. Na realidade, em 26/1/2015, a RSBR detectou automaticamente um pequeno tremor de magnitude 3,9 em Porto dos Gaúchos, MT, na mesma região epicentral do terremoto de 1955!

Presentemente, admite-se que um terremoto com magnitude 6, parecido aos eventos de 1955, acontece em algum lugar do Brasil, a cada 50 anos, aproximadamente. Em outras palavras, vivemos a expectativa de um deles voltar a ocorrer.
Mas detalhes desta janela de tempo são desconhecidos, o tremor poderia acontecer amanhã, ou dentre décadas. Continuar registrando e estudando nossos abalos sísmicos é a maneira correta de ganhar conhecimento sismológico para servir, especialmente, ao Brasil.

(*) José Alberto Vivas Veloso é professor aposentado da Universidade de Brasília e criador do Observatório Sismológico (SIS), da mesma universidade. Graduado em Geologia, mestre em Geofísica pela Universidad Nacional Autónoma de México, estudou Sismologia no International Institute of Seismology and Earthquake Engineering, no Japão.

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