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Um por cento do orçamento para a cultura

Por Marcos Alex Azevedo de Melo* | 15/11/2011 08:05

Há tempos não se via movimentação tão relevante no cenário da política em Campo Grande, já bastante endurecida pelos embates envolvendo personalidades carismáticas em disputas partidárias. Com isso, embruteceu-se e empobreceu-se vigorosamente o horizonte de fazer da política a arte do prazer.

No entanto, emerge a possibilidade de alterar esse terreno endurecido. E é o setor cultural que está conseguindo tal proeza, na luta para conquistar 1% do orçamento público municipal para o setor a partir de 2012.

Este debate, estimulado pela sociedade, é relevante para recuperar o apelo popular e o charme das históricas mobilizações, para promover a discussão super saudável sobre a cidade que temos e a cidade que queremos, para incitar a resistência à excelência do concreto armado, para dizer não à opção simplista e obreirista do cimento pelo cimento. Cultura se aplica ao ar livre. Nas arenas de Atenas surgiram com o teatro, a tragédia e a comédia as grandes manifestações culturais da História.

O movimento cultural traz em seu bojo uma revelação crítica do cenário sóciocultural em que estamos submetidos. Denuncia que a nossa cidade está se tornando insípida, vazia, desprovida de ajuntamentos sociais e sem manifestações populares, não se sabe se por causa de uma política deliberada, integrada a uma engenharia de poder, pois a pedra angular de qualquer governo déspota caracteriza-se pela desmobilização dos elos sociais e pela desconstrução do olhar crítico da sociedade.

Apesar de todo o fôlego financeiro evidenciado nos números que atestam a pujança econômica da cidade e das receitas públicas, constata-se, entre outras contradições, que o Morenão está em ruínas, as escolas de samba perecem, os principais monumentos históricos desaparecem ou são desfigurados, as associações de moradores se tornaram reféns de interesses governamentais e até a praça - que deveria ser do povo assim como o céu é do condor - está vazia.

A sociedade - e Campo Grande se enquadra nesse perfil - vem adotando e priorizando a racionalidade, os aspectos objetivos e a lógica da praticidade como padrões de excelência. Cursar Filosofia? Literatura? História? Sociologia? Existe campo e estímulo para essas atividades?

Destarte, não são gratuitos e sem razão os constantes casos de violência que atingem a comunidade com frequência aterradora. Faltam tato, sensibilidade e a consciência de conceitos sobre as diferenças diametralmente opostas entre o "ser" e o "ter". Numa sociedade consumista, o "ter" dita as regras. Mas na sociedade solidária e humanista. o mínimo é garantir a prevalência do "ser" ou, em última análise, o equilíbrio entre os dois focos de vida.

A objetividade não pode sufocar a subjetividade. Caso contrário, tornar-se-á inevitável nossa marcha em direção à barbárie. E, infelizmente, não conseguimos definir e percorrer direção contrária ao que está acontecendo. A cultura pode ser o antídoto, o remédio para nos ajudar a debelar essa grande tragédia à qual estamos submetidos. A política pública cultural em Campo Grande se limita basicamente aos shows da Praça do Rádio e ao MS Canta Brasil no Parque das Nações Indígenas. No interior, entre os principais eventos, sobrevivem o Festival de Inverno de Bonito, os festivais América do Sul e das Águas em Corumbá e as festas de carnaval.

Cultura, entretanto, não vive apenas do imediatismo midiático dos shows musicais espetaculosos, grande parte deles esgotando-se em si mesmos. Cultura é universo, é totalidade, é manifestação múltipla das mais diversas possibilidades de expressão. É o teatro, é a arte plástica, é o circo, é a dança, é o folclore, é a literatura, é a declamação, é o conhecimento e o reconhecimento dos patrimônios arquitetônicos e dos indicadores históricos de nossas civilizações. E estes segmentos, sem a necessária e devida visibilidade, sucumbem e agonizam sem apoio algum.

O movimento cultural traz o debate do orçamento público para o centro das discussões. Que bom seria - e será, acredito - se toda a sociedade entrasse nessa onda, promovendo um saudável vendaval de ousadia para, no amplo debate, abrir o horizonte da sustentabilidade cultural, suscitando audiências públicas, ocupando as praças, escolas e ruas para reivindicar, exigir, propor, opinar, decidir.

Isso é a democracia, exercida na sua forma mais plena e bela. Lembra-me a Ágora, a democracia das praças atenienses. Parabéns ao mundo da cultura - e parafraseando o velho e bom Raul Seixas: falta-nos cultura para cuspir na estrutura. Estou com o 1% para a cultura.

(*) Marcos Alex Azevedo de Melo é vereador do PT na Câmara Municipal de Campo Grande, presidente da Comissão de Segurança Pública e membro da Comissão de Direitos Humanos e Cidadania.

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