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Vidas ausentes

Por Enildes Corrêa (*) | 17/12/2013 09:00

A convivência com o meu pequeno neto de um ano de idade tem me propiciado vários e interessantes momentos de reflexão. Quando saio com ele à noite, carregando-o nos meus braços, observo-o inclinar sua cabeça para trás e seus olhos vivos, atentos e brilhantes mirarem as estrelas. Olha-as com atenção, aponta sua descoberta com o dedinho indicador para o alto, na direção do céu.

Ao mesmo tempo em que isso me encanta, pois confesso que já não me lembrava mais do quanto as crianças apreciam descobrir as estrelas no céu, faz-me também constatar a triste realidade das pessoas adultas, que não têm tempo nem interesse de parar e regozijar-se com a vida, que se manifesta nas pequenas coisas do cotidiano.

A criança está sempre no presente e é total em cada ato dela. Não reprime nem finge suas emoções, como o adulto. Se está com raiva, é total na raiva; se está com vontade de chorar, derrama-se em lágrimas e, quando sorri, meu Deus, ilumina tudo ao seu redor!

Quem resiste à beleza que se irradia da face de uma criança sorrindo, do brilho de seus olhos inocentes? Um espetáculo que muitas mães e pais perdem, pois o ritmo de vida do homem moderno não deixa tempo nem abertura para essas preciosas paradas e observações no dia a dia.

Pai e mãe, normalmente, se não estão no trabalho, estão em casa às voltas com os afazeres domésticos ou envolvidos com a programação da TV, conectados com o computador, celular etc. Exauridos, após uma jornada de oito horas de trabalho, mais o tempo gasto no trânsito em horários de pico, muitos não têm vitalidade para estarem, de fato, com os filhos. Frequentemente, convivem em um ambiente profissional hostil, no qual impera a competição ao invés da cooperação e da amizade entre as pessoas. Ambiente que, por si só, já é estressante, causa de graves adoecimentos e ausências no trabalho.

Assiduamente, chegam em seus lares tensos, preocupados com o que ficou para trás ou com os afazeres do dia de amanhã. O corpo está lá, mas há ausência da própria presença nesse corpo. Enquanto isso, o momento passa, posto de lado sem ser vivenciado, sem ser tocado, sem ser apreciado...

Essas são maneiras de ausentar-nos do contato conosco, com as pessoas queridas e com toda a natureza. Por vezes, até o sexo entre os casais torna-se apressado, mecânico, muito mais descarga de tensão do que fonte de nutrição para ambos os parceiros.

Atualmente, a internet e as redes sociais atraem a atenção das pessoas em demasia, criando novos tipos de comportamentos e de conexões. Não raro, o interesse fica retido mais no mundo virtual do que na vida real, sem imposição de limites de tempo para o uso da internet. Muitas jovens mães amamentam seus filhos (entre as que amamentam) falando ao celular, usando smartphone, tablet... Nessas condições, a amamentação, um dos atos mais belos e amorosos entre mãe e filho, esvazia-se da presença significativa da mãe com seu bebê.

E momento perdido, jamais voltará outra vez - nas marchas do tempo, não há marcha à ré. O amado Poeta cuiabano, Manoel de Barros, poetizou: “o tempo só anda de ida”. Todavia, a Existência é generosa e dá a oportunidade de um novo dia para o nosso despertar, para estarmos presentes em cada momento e atendermos aos chamados da vida através dos diferentes papéis que desempenhamos ao longo da nossa trajetória existencial.

Se as pessoas não olhassem de modo exagerado para o mundo externo, haveria menos desperdício de tempo e de atenção naquilo que é inútil, trivial, não-essencial à qualidade da nossa existência.

Por outro lado, se reservassem certo tempo para vivenciarem a descoberta dos tesouros da vida interior, com interesse no mistério do universo, do infinito, do ser, o cotidiano seria preenchido e colorido por presenças que “esticam horizontes” onde quer que elas estejam, ao invés de ausências que acinzentam e esvaziam o sentido de cada dia.

Reporto-me à indagação do Mestre Osho:

“Observe sua mente – para onde ela vai, quais são as suas fantasias. Se você encontrar um diamante na estrada e, ao lado dele, perceber que uma rosa desabrochou, por qual dos dois vai se interessar? Pela rosa ou pelo diamante? Não poderá ver a rosa se estiver interessado no diamante; simplesmente perderá a rosa, ela não terá valor. Seus olhos estarão embaçados pelo diamante, toda sua mente estará focada nele, e você perderá um diamante que era mais vivo – a rosa.”

Sobre essas palavras de Osho, perder a rosa é perder a si próprio. E se perdermos a nós mesmos, a nossa existência nesta forma, tempo e espaço terá sido quase em vão...

Namaste!

(*) Enildes Corrêa é administradora, terapeuta corporal holística e professora de Yoga com formação e especialização na Índia. Autora do livro “Vida em Palavras”. Ministra palestras e seminários vivenciais a organizações governamentais e privadas na área de Qualidade de Vida no Trabalho e Humanização da Convivência. E-mail: omsaraas@terra.com.br
Website: .www.solautoconhecimento.com.br

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