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Cidades

Crime desde 2019, homotransfobia ainda esbarra em vazio de dados em MS

MS ainda está em adaptação para registrar casos e pretende acelerar processo neste semestre

Nyelder Rodrigues | 16/07/2021 17:35
Cores da bandeira LGBTQIA+ pintadas no rosto de participante da última Parada do Orgulho LGBTQIA+ antes da pandemia de covid-19, em 2019 (Foto: Henrique Kawaminami/Arquivo)
Cores da bandeira LGBTQIA+ pintadas no rosto de participante da última Parada do Orgulho LGBTQIA+ antes da pandemia de covid-19, em 2019 (Foto: Henrique Kawaminami/Arquivo)

Dados que divergem de pesquisa para pesquisa e muitas vezes sequer constam em registros oficiais, passando batido pela maior parte da população e sentida apenas na pele daqueles que sofrem tal violência. A homotransfobia não é nenhuma novidade no Brasil, mas foi elevada a categoria de crime apenas em 2019.

Foram 237 mortes de LGBT+ (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e outros) em 2020 conforme o Observatório de Mortes Violentas de LGBTI+ no Brasil, números superiores ao mostrado por outra pesquisa. O 15º Anuário da Segurança Pública, que trabalha apenas com dados fornecidos pelos estados no ano passado, aponta 121 mortes.

O motivo de tal discrepância fica claro na própria pesquisa: ao menos sete dos 27 estados e Distrito Federal do Brasil não possuíam dados discriminados sobre violência contra LGBTs, enquanto outros vários apresentaram dados incompletos.

Entre o "seleto" grupo dos que apresentaram um verdadeiro vazio está o Mato Grosso do Sul - que é acompanhado por Rio de Janeiro, Minas Gerais, Maranhão, Ceará e Rondônia. Ausência de números que, devidamente discriminados, auxiliariam de grande maneira no combate ao crime de homotransfobia no Estado.

"Alguns ainda insistem em dizer que não precisamos de políticas públicas por não haver demanda. Para que criar um centro de apoio se não há demanda? Por isso que separar tudo isso é importante", explica Frank Rossatte, do Mescla MS (Movimento de Estudo de Sexualidade, Cultura, Liberdade e Ativismo de Mato Grosso do Sul)

Ele ainda classifica a situação como ruim para a população LGBT+ e destacou o quão necessário é termos dados atuais sobre homotransfobia. Para ele, o caminho é apostar, também, na conscientização da população em geral.

"A questão maior é, estou vivo consigo e expor minha identidade de gênero. Quando faleço, dependo dos que estão ao meu redor, principalmente da família. A grande maioria dos casos os familiares não identificam. Se essa pessoa se identificou assim, é preciso que seja respeitada essa identidade dela", comenta.

Frank ainda completa que é preciso cada vez mais que ao registrar os boletins, eles sejam devidamente direcionados para casos de homotransfobia. "As vezes a autoridade policial não sabe exatamente bem do que se trata e se família ou pessoas próximas não denunciarem, não é registrado. Lá tem a opção para assim registrar".

É crime - Em junho de 2019 a homotransfobia foi equiparada pelo STF (Supremo Tribunal Federal) a outros crimes, como o de racismo, e punições mais rígidas foram determinadas para quem cometer tal infração. Contudo, sua aplicação ainda esbarra no desconhecimento da sociedade, de policiais e até em questões tecnológicas.

Conforme explica o subsecretário estadual de Políticas Públicas LGBT+, Leonardo Bastos, desde dezembro do ano passado já constam cadastrados no Sigo (Sistema Integrado de Gestão Operacional) - ferramenta da polícia sul-mato-grossense para registro de ocorrências - as opções que permitem o registro de casos de homotransfobia.

Porém, ele revela que ainda é necessário uma ampla campanha incentivando tais registros, que ainda não poucos, e também capacitação dos servidores para que os casos sejam devidamente identificados e assim cadastrados.

"Muitos são registrados como injúria, por exemplo, e não é feita a diferenciação que especifique que se trata de um crime de homotransfobia. Já conversamos com a Sejusp (Secretaria de Estado e Justiça e Segurança Pública) e vamos acelerar nesse semestre o processo com capacitações, entre outros", explica Leonardo.

O subsecretário admite a subnotificação da homotransfobia e da falta de dados como um desafio a ser encarado e resolvido, e ainda indica que junto às capacitações com os policiais, serão desenvolvidas campanhas junto ao público em geral.

"Temos que estimular que a polícia seja acionada e os casos registrados. Isso vai materializar o crime e dar subsídio para que mais políticas sejam traçadas. Por exemplo, esses dias teve um caso de um casal gay ofendido no mercado. A polícia foi, mas eles foram embora antes", diz o chefe da pasta LGBT+ do Governo.

Bastos ainda revela que um levantamento da subsecretaria junto à Sejusp em que foram encontrados neste ano 45 casos de violência contra a população LGBT+, separados para uso da pasta em ações a serem promovidas ainda esse ano.

"Percebemos que ainda existe um desconhecimento muito grande da homotransfobia, as pessoas ainda não entenderam do que se trata exatamente, que é crime, que foi equiparado aos crimes de racismo. Temos que trabalhar contra isso", finaliza Leonardo.

Caso emblemático - Recentemente, em junho, uma mulher transexual foi vítima de um estupro coletivo, onde dois homens a sequestraram e cometeram o crime, usando até um cachorro no estupro - o que ocasionou uma infecção que a deixou mais de 20 dias internada, até se recuperar e poder receber alta.

Apesar da homotransfobia ser uma das linhas de investigação do crime, conforme já confirmaram os responsáveis pelo caso, o mesmo não consta no registro inicial como um homotransfobia, o que dificulta em posterior coleta de dados. Esse é um exemplo de tantos outros casos ocorridos em Mato Grosso do Sul.

A reportagem do Campo Grande News entrou em contato com a Sejusp e enviou um e-mail questionando, via assessoria de imprensa, o "vazio de dados" sobre crimes contra a população LGBT+ mais no Estado. Contudo, até o encerramento do texto, nenhum retorno foi dado. O espaço segue aberto para manifestação da pasta.

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