Claquete e câmeras são “armas” nas mãos de alunos contra violência
Com oficina, garotada desenvolve várias habilidades emocionais e têm espaço para debater problemas
Luz, câmera, ação! Há pouco mais de um ano, o jargão do cinema está na ponta da língua de alunos de uma escola pública da Capital. A claquete e as câmeras são as “armas” nas mãos dos adolescentes para enfrentar as dificuldades do cotidiano escolar, incluindo o bullying e a violência.
Na Escola Municipal João Evangelista Vieira de Almeida, localizada no Santo Amaro, bairro do noroeste de Campo Grande, a oficina de audiovisual faz sucesso e os debates propostos pelo professor Bruno Godoy, no contraturno das aulas, contaminam toda a comunidade escolar. “O que eles tratam lá vai parar na sala de aula e acaba sendo propagado para toda a escola”, explica a diretora Mariluce Cavalheiro, lembrando que o resultado do primeiro ano do projeto foi tão bom, que a gestora pediu bis para 2023.
- Leia Também
- Polícia já recebeu 60 denúncias de perfis com apologia à ameaça em escolas de MS
- Câmera, alarme e acesso: central com 250 pessoas está de olho nas escolas de MS
No ano passado, depois das aulas teóricas sobre as linguagens audiovisuais, passando, por exemplo, pelas noções básicas de fotografia, cinema e animação, com pitadas práticas de ângulo, luz, enquadramento, os estudantes partiram para os “sets de filmagem” e locações, aproveitando os espaços da escola e se revezando na frente e atrás das câmeras, nas funções de roteirista, diretor, apresentador e cinegrafista de um documentário.
O tema do filme foi escolhido em votação, depois que lista foi montada a partir dos assuntos trazidos pela turma para a oficina e imagine só: a gurizada escolheu falar sobre violência nas escolas e bullying. “Tudo começa nas nossas rodas de conversa, de acordo com a realidade deles. Durante as reuniões, eles começam a conversar sobre algum problema e a gente vai anotando. Depois de escolhido o tema, vem a pesquisa, leitura de notícias, o levantamento de dados e a montagem do roteiro”, detalha Bruno, que é formado em Artes Visuais e tem pós-graduação em linguagem audiovisual.
O documentário de 5 minutos foi planejado, gravado e editado pelos alunos, que têm de 11 a 14 anos, com direito a trecho em stop motion (técnica de animação que usa fotos para a montagem das cenas) e making off (erros de filmagem e bastidores).
O que ninguém imaginava é que ao estudar o tema, boa parte da turma se identificaria como vítima de bullying. “A maioria aqui já passou por uma situação. A gente foi contando para o professor ao longo do ano. Foi muito bom, porque o professor ajudou a gente, até psicologicamente. E esse documentário foi muito legal pra gente mostrar pros agressores como que quem sofre o bullying se sente”, afirma Ana Rute Fernandes, de 13 anos.
Os trabalhos ao longo do ano também ajudaram os alunos a desenvolverem habilidades emocionais, como perder a timidez, por exemplo, o que segundo Mariluce foi um ganho importantíssimo para os alunos que sequer abriam a boca em sala de aula.
A vergonha em excesso pode fazer a gurizada “engolir” os sentimentos, reflete a diretora. E dar voz aos problemas antes que o estudante tente resolvê-lo com uma atitude explosiva, por exemplo, acaba sendo uma das essências do projeto, uma vez que entre números e letras, na sala de aula, muitas vezes não há tempo hábil para debater temas mais subjetivos.
No fim do ano passado, o filme foi para em tela no Teatro Glauce Rocha, arrancando aplausos da plateia do Feac (Festival de Arte e Cultura) da Reme (Rede Municipal de Ensino) e o orgulho do professor Bruno, além de arrebanhar novos adeptos à oficina, como o aluno Selton Antônio, de 11 anos. “Eu vi o vídeo e achei muito interessante. Eu gosto de mexer com tecnologia e por isso me interessei”, conta, lembrando que deixou as aulas de dança urbana para se dedicar às câmeras.
A Escola João Evangelista ainda disponibiliza oficinas de judô e tênis de mesa, oferecidos pela Geac (Gerência de Esporte, Arte e Cultura) da Semed (Secretaria Municipal de Educação).
O cenário – Com o bom exemplo da unidade da Reme no Santo Amaro, o Campo Grande News abre neste sábado (14) série de matérias sobre a cultura da paz nas escolas, em semana que o medo se instalou nas comunidades escolares.
As polícias Militar e Civil de Mato Grosso do Sul já receberam 60 denúncias de perfis nas redes sociais fazendo apologia a ameaças de ataques em escolas e tenta combater as fake news. Os alarmes falsos começaram a ser relatados depois do massacre na creche em Blumenau (SC).
Efeito contágio – O Campo Grande News optou por não detalhar as supostas ameaças e nem expor as escolas que tiveram problemas para não contribuir com o “efeito contágio”.
Na semana passada, veículos de comunicação de todo o Brasil anunciaram mudanças nos protocolos de cobertura de ataques em escolas, baseados em recomendações de estudiosos em comunicação e violência. Ao exibir imagens e contar a história do agressor, a mídia pode favorecer a proliferação de ataques a escolas e creches, por exemplo. O que esses assassinos buscam, dizem estudos, é a notoriedade instantânea, sem se importar com as consequências.
Confira a galeria de imagens: